O ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi contestado em um evento na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, na tarde de hoje (23), após criticar a política de criação de Unidades de Conservação (UCs) e voltar a condenar o que considera excessos da fiscalização ambiental.
“Nada pior do que desvirtuar as políticas públicas”, afirmou, comentando os dois assuntos. “Quando se colocam os escassos recursos públicos em favor de iniciativas desconectadas da realidade, com objetivos que nem sempre são alcançados, há uma frustração muito grande de diversos setores da sociedade”, continuou.
Ele disse que muitas propostas de criação de UCs estão desconectadas da “realidade territorial do entorno”. E argumentou que a dificuldade para fiscalizar grandes extensões deveria ser considerada na política de criação de UCs, sugerindo que o governo tende a não avançar na formalização dessas áreas.
O ministro defendeu ainda o caso dos índios Pareci, no Mato Grosso, como exemplo para outras comunidades indígenas. Os Pareci produzem grãos em grande escala, seguindo o modelo do agronegócio. Os indígenas foram multados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) por usar sementes transgênica. Uma lei de 2007 proíbe o uso desse tipo de sementes nas Terras Indígenas (TIs). “Me causa muito espanto essa ingerência exógena na decisão de tratar, de cuidar, de fazer a produção na sua área”, comentou Salles.
“Uma TI em contato direto com a zona de expansão do agronegócio não pode ser usada de exemplo para a gestão de outras TIs no País. Há uma grande diversidade de situações”, retrucou Wilke Torres Fulniô. Ele reforçou que, segundo a legislação, essas populações têm autonomia para escolher o modo de produção e de vida que desejam adotar. “A conservação das TIs não tem a ver com ideologia, mas com o compromisso com as políticas ambientais e com o modo de vida tradicional, completou.
Após as críticas, Salles justificou que considerava os Pareci um bom exemplo, mas que não quis dizer que ele deveria ser seguido por todas as comunidades indígenas.
Salles também foi contestado pelo secretário de Meio Ambiente do DF e ex-ministro de Meio Ambiente, Sarney Filho. Ele repetiu que as comunidades indígenas têm autonomia sobre seus territórios e recursos. E reforçou a importância ambiental das áreas protegidas. “As TIs são as terras mais conservadas e funcionam com uma barreira contra o desmatamento”, lembrou.
Sarney disse que as TIs também são importantes no combate às mudanças climáticas. O ex-ministro ressaltou que é fundamental que o Brasil continue no Acordo de Paris e cumpra o compromisso acertado nas negociações do tratado internacional de clima de combater o desmatamento. O Ministro do Meio Ambiente já chegou a afirmar que era “secundária” a questão de se saber se o aquecimento global é ou não produzido pela ação humana.
“Respeitada a Constituição, respeitado o direito de consulta, com protocolos elaborados pelas próprias comunidades, respeitados os planos de gestão, os povos indígenas tem toda a condição de escolher seu modelo de desenvolvimento”, reforçou a sócia do ISA Adriana Ramos, já com Salles tendo saído do evento.
O debate foi promovido pela PGR para discutir a situação dos direitos indígenas no novo governo. Além de Salles, a ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) também foram ao evento.
Na parte da manhã, Damares disse que sua nomeação foi criticada por ela “amar demasiadamente” os povos indígenas. A ministra recusou-se a responder perguntas do público.
“Compromisso de governo“
“É um compromisso do governo Bolsonaro não retirar nenhum direito dos povos indígenas”, discursou a indígena Sandra Terena, secretária de Promoção da Igualdade Racial ministério comandado por Damares.
Ela confirmou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) irá fazer a identificação das TIs e que um conselho ministerial será criado para dar a palavra final sobre os processos demarcatórios. Farão parte do colegiado as pastas da Agricultura, Meio Ambiente, Justiça e Defesa, além da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional. Com a reforma ministerial do governo Bolsonaro, o Incra está agora subordinado ao Ministério da Agricultura, comandado pelos ruralistas, adversários históricos das demarcações.
“Fico feliz de ouvir da Sandra Terena o compromisso do governo com os direitos indígenas. Porque pela primeira vez vimos a temática indígena como prioritária para um candidato à Presidência, mas com manifestações que nos deixam preocupados pelo questionamento dos direitos e pela visão preconceituosa, que sinalizam muito mais para uma política anti-indígena”, salientou Adriana Ramos.
(#Envolverde)