Ambiente

Na newsletter: eventos extremos chegam chegando em 2022

Por Observatório do Clima – 

Os leitores perdoem o otimismo, mas parece um sinal dos tempos que o primeiro fenômeno pop global de 2022 seja o filme Não Olhe para Cima, de Leonardo DiCaprio, disponível na Netflix. Usando um asteroide como metáfora para o aquecimento global, a Covid e todas as outras questões de vida ou morte que envolvem políticos ignorando cientistas (e empresários tentando lucrar com a desgraça coletiva), o filme é uma pedrada divertida e ao mesmo tempo desesperadora no negacionismo.

Pode ser um indicativo de que a classe média global finalmente acordou, milhões de mortos depois, e está disposta a mandar para o espaço líderes que negam o clima e a pandemia. Ou não: a hegemonia do perverso Donald Trump sobre o Partido Republicano nos EUA indica que o negacionismo está bem e vai jogar nas eleições parlamentares deste ano, com chance de vitória. No Brasil ainda é cedo para brindar com um coquetel de camarão à morte eleitoral de Jair Bolsonaro, mas a recente tentativa de sabotagem a vacinação de crianças dificilmente ajudará o facínora.

Seja como for, o ano começou cobrando geral por não termos olhado para cima no passado: enchentes, deslizamentos e ondas de calor de norte a sul do país fizeram vítimas e deixaram prejuízos entre as festas e a primeira quinzena de janeiro. Não serão os últimos.

Boa leitura e Feliz Ano Novo, se der.

Não olhe para Minas

Mineiros e baianos se afogam enquanto gaúchos tostam a 40 graus nos extremos climáticos que abrem 2022

O Ano Novo chegou com eventos climáticos extremos assolando o Brasil literalmente de norte a sul. Neste sábado, enquanto você estiver lendo esta newsletter, os moradores Porto Alegre estarão se preparando para um calor de até 40o C (MetSul). Em Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, os termômetros podem passar dos 42oC no sábado e dos 44oC na segunda-feira. Até hoje, o recorde absoluto do Estado é 42,6oC, atingidos em 1943 (G1). Com a alta umidade do ar que deve acompanhar a onda de calor recorde que assola o sul do continente, o índice de calor (ou seja, o calor que as pessoas sentem na pele) deve passar dos 50oC – aumentando o risco de morte por choque.

Em Minas Gerais, a cena chocante da semana foi o derretimento de um morro que destruiu um casarão colonial em Ouro Preto, sem deixar vítimas. Desde o dia 10 o Cemaden, o centro de monitoramento de desastres naturais, alertava para alto risco de deslizamentos no Sudeste. Mas quem sentiu mesmo o impacto da chuva foram os moradores da cidade de Pará de Minas e outros municípios vizinhos, orientados a sair de suas casas (CNN) pelo risco de rompimento de uma barragem de hidrelétrica no começo da semana. Na semana passada, um dique de uma mina da empresa Vallourec transbordou e alagou a BR-040 em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte (G1). Tudo isso enquanto a Bahia ainda conta os prejuízos e chora os mortos das enchentes no sul do Estado, que atingiram mais de 700 mil pessoas e deixaram 26 vítimas fatais na virada do ano (CNN). Levantamento do jornal O Globo mostra que chuvas extremas já mataram 45 pessoas e deixaram mais de 100 mil desabrigados no país em pouco mais de um mês.

Tempestades de verão são uma tragédia permanentemente anunciada no Brasil. O número de pessoas em áreas de risco tem crescido. E, como os cientistas alertam desde o começo do século, o número de desastres também tem aumentado: segundo o Atlas Brasileiro dos Desastres Naturais (2013), que precisa ser atualizado urgentemente, o número de deslizamentos na década de 2000 cresceu 21,7 vezes em relação aos anos 1990. O de enxurradas, 2,5 vezes, e o de inundações, 3,9 vezes. O clima do país mudou, as chuvas de verão estão mais concentradas, mas as obras de infraestrutura como barragens e estradas foram projetadas para resistir (mal e porcamente) ao clima antigo. Volumes de chuva no verão que eram exceção estão virando regra, e o país precisa se adaptar.

O problema é que líderes eleitos como o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), preferem atirar nos mensageiros (EM) e insistem em não olhar para cima.

Cerrado está à beira de um apagão de dados

Depois de ter passado a maior parte de 2021 batalhando recursos para o monitoramento por satélite do Cerrado, o Inpe jogou a toalha: anunciou que a partir de abril descontinuará os sistemas Prodes-Cerrado e Deter-Cerrado (Oeco), que dão, respectivamente, a taxa anual e os alertas de desmatamento no segundo maior bioma do país.

O custo dos dois sistemas é dinheiro de pinga: R$ 2,5 milhões por ano, o equivalente ao que Jair Bolsonaro gastou apenas na sua viagem de férias do ano passado (Metrópoles) e menos do que um evento com participação do ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, foi autorizado pelo governo a captar via Lei Rouanet (R$ 2,7 milhões). Mas o governo não se mexeu para suprir o financiamento ao Inpe, assim como não havia feito nada para repor o sistema do SUS hackeado há mais de mês, deixando o país às escuras sobre o avanço da Covid.

O consórcio MapBiomas já mandou avisar que, caso o Inpe não receba recursos, já tem um sistema de monitoramento praticamente pronto para rodar – que não substitui os dados oficiais, mas pelo menos deixa a sociedade brasileira e a comunidade internacional a par do cenário de desmatamento que Bolsonaro quer esconder.

2021 foi sexto ano mais quente. Ou quinto.

Duas agências do governo americano, a Nasa (espacial) e a Noaa (de oceanos e atmosfera) publicaram na quinta-feira seu compilado de temperaturas globais para 2021 e concluíram que o ano passado foi “apenas” o sexto mais quente da história desde o início das medições.

Todos os dez anos mais quentes desde 1880 ocorreram na última década.

Em 2021, segundo a Noaa, a temperatura da Terra ficou 0,84oC acima da média do século 20 e 1,08oC acima da média pré-industrial.

Segundo a Nasa, 2021 empatou com 2018, com temperaturas 0,85oC mais altas que a média 1951-1980 e 1,1oC mais altas que a média pré-industrial. As duas agências usam metodologias ligeiramente diferentes em suas medições (a Nasa inclui, por exemplo, o Ártico, que esquenta três vezes mais rápido que a média global), mas a conclusão é parecida. O La Niña, o resfriamento cíclico do Pacífico, ativo ano passado e neste ano, impediu os termômetros de subirem mais

Também nesta semana o Copernicus, serviço da Agência Espacial Europeia, publicou os dados finais de 2021, mostrando que foi o quinto ano mais quente da história – 1,1oC a 1,2oC mais quente que o observado desde 1850-1900.

Morrem os “pais da biodiversidade”

Morreram na última semana do ano passado, e a dois dias um do outro, os dois principais cientistas da conservação do planeta: os americanos Edward Osborne Wilson, 92, e Thomas Lovejoy, 80. Ambos foram responsáveis por cunhar e difundir o termo “diversidade biológica”, usado pela primeira vez por Lovejoy em 1980, que Wilson contrairia para o mais elegante e ilustre “biodiversidade”. Leia os obituários de Lovejoy no OC e de Wilson na Folha.

Fracasso climático é o maior risco global

O risco de fracasso em atingir as metas do Acordo de Paris de estabilizar o clima da Terra é a maior ameaça à humanidade na próxima década. A conclusão é do WEF (Fórum Econômico Mundial), que lançou nesta terça-feira (11) seu Relatório de Riscos Globais de 2022. Para produzir a publicação, o fórum de Davos ouviu 12.000 lideranças de 124 países.

Em 2022, seis dos dez principais riscos globais apontados pelo relatório têm relação com fatores ambientais: fracasso da ação climática (1o lugar), extremos meteorológicos (2o), perda de biodiversidade (3o), doenças infecciosas (6o), danos ambientais causados por humanos (7o) e crise de recursos naturais (8o). Também aparecem na lista a erosão da coesão social (4o), a crise do bem-estar social (5o), crises da dívida (9o) e confrontos geoeconômicos (10o).

Apesar de ter elogiado os resultados da COP26, a conferência do clima de Glasgow, no ano passado, o relatório diz que mesmo as promessas feitas no encontro da Escócia são insuficientes para assegurar o cumprimento da meta de Paris de limitar o aquecimento da Terra a 1,5oC no fim deste século. Leia no OC.

UFRJ cancela negacionista do clima

Espalhar desinformação não é uma exclusividade do presidente da República. No início do ano, o Instituto de Física (IF) da centenária UFRJ anunciou no site da instituição a realização de seminário no dia 6/1 com um negacionista da crise do clima. O título da palestra não deixa dúvidas: “Evidências científicas indicam que não há Aquecimento Antropogênico”. O referido acadêmico não tem nenhuma pesquisa em climatologia no seu currículo Lattes. O mais perto que chegou disso foi estudar microfísica de nuvens na Amazônia.

Com a repercussão do caso, a UFRJ cancelou a palestra dois dias antes de sua realização. Em uma nota tímida, a diretora da IF, Belita Koiller, informou que “a escolha de palestrantes convidados por qualquer dos programas de pós-graduação do Instituto de Física é de responsabilidade integral e exclusiva do respectivo coordenador”, cujo nome não foi divulgado, e que “a direção do IF sempre se colocou e continua se colocando pessoal e institucionalmente a favor da ciência”.

O negacionista escolhido como palestrante já se posicionou contra o lockdown no Ceará, repetindo o discurso do presidente Jair Bolsonaro. Como escreveu o jornalista Marcelo Leite na Folha nesta quinta (13/1), a resiliência de ideias negacionistas no Brasil “comprova o fracasso das instituições, academia e imprensa à frente, em pautar o debate nacional com fatos e evidências”.

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