Ambiente

O Chaco paraguaio vira carvão para churrasco

Por Toby Hill \ Jornalista \ ECO21 – 

Os bosques tropicais secos do Grande Chaco estão desaparecendo mais rápido do que qualquer outra floresta na Terra, ameaçando espécies endêmicas e um dos últimos povos indígenas que vivem isolados da sociedade industrializada.

Uma série de mercadorias comercializadas em todo o mundo está impulsionando esta destruição. A relação entre a produção de soja, carne de boi e o desmatamento é bem conhecida, uma nova pesquisa da ONG britânica Earthsight se concentra num produto que não tinha sido examinado anteriormente: o carvão. Publicado no dia 6 de Julho 2017, o informe da Earthsight coloca em evidência a relação existente entre o desmatamento da floresta do Chaco paraguaio e os supermercados da União Europeia, entre eles, Lidl, Aldi e Carrefour.

David Attenborough descreveu o Chaco como “uma das últimas grandes áreas silvestres que há no mundo”. Abrange partes da Bolívia, Paraguai e Argentina e abriga uma grande biodiversidade: 500 espécies de aves e 150 espécies de mamíferos – entre eles, jaguares, capivaras e ursos formigueiros gigantes. Na região também se encontra uma das últimas comunidades indígenas das Américas que vivem isoladas da sociedade industrial: os seminômades Ayoreo.

Toda esta natureza virgem está ameaçada pelo desmatamento impulsionado pelo avanço das explorações agrícolas, na sua maioria de capital internacional. Um estudo realizado em 2013 pela Universidade de Maryland que abrange os primeiros 12 anos deste século descobriu que os bosques do Grande Chaco estão desaparecendo num ritmo mais rápido do que qualquer outro bosque tropical no mundo.

Uma análise mais detalhada revela que a maior parte dessa destruição se concentra no Chaco paraguaio, que cobre a metade ocidental do país. As taxas de desmatamento no Chaco triplicaram entre 2006 e 2007 e permaneceram nesse nível desde então. Isso se deve à existência de uma moratória das permissões florestais na metade oriental do Paraguai, que levou os pecuaristas a avançar para o Oeste do país em busca de terras. A partir de então, a conversão do bosque do Chaco em pastagens avançou num ritmo vertiginoso. As últimas análises, sobre a base da monitoração por satélite realizada pela ONG Guyra Paraguay, preveem que o Chaco paraguaio perderá 200.000 hectares de bosques este ano. Agora mesmo, uma área do tamanho de Manhattan (em torno de 60 km2) está sendo arrasada cada quinze dias pelos tratores.

A velocidade desta destruição desperta grande preocupação entre os conservacionistas e os encarregados de proteger os direitos indígenas. “O desmatamento do Chaco é uma das maiores e mais rápidas perdas de bosques naturais jamais vista”, advertiu a ONG FERN num recente informe.

A Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, falou sobre as “sérias ameaças a grupos isolados pela incessante disseminação do desmatamento”. Em 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou uma resolução ordenando ao governo paraguaio tomar medidas para impedir a destruição das comunidades Ayoreo pelo avanço da fronteira agrícola.

Estímulo ao desmatamento

Por trás deste desmatamento existe uma rede de produção que fornece três produtos para o mercado global: carne bovina, soja e carvão vegetal. O Paraguai, com uma população de apenas seis milhões de habitantes, é o sétimo exportador mundial de carne bovina, o sexto exportador de soja e o quarto exportador de carvão vegetal.

O informe da ONG britânica Earthsight centraliza a sua análise no menos estudado dos três: o carvão. Os densos bosques de crescimento lento do Chaco proporcionam carvão de alta qualidade, capaz de produzir altas temperaturas, mas que queima lentamente e com pouca fumaça. A espécie mais procurada é o “quebracho branco”, uma árvore também importante para os Ayoreo, que coletam mel das colmeias que pendem dos seus galhos.

O informe de Earthsight, “Cortes finos: como uma crise oculta de desmatamento na América do Sul alimenta as churrasqueiras na Europa e nos Estados Unidos”, examina como o carvão de quebracho chega às prateleiras dos supermercados da União Europeia e dos Estados Unidos. Os dados de exportação revelam que a UE, com Alemanha e o Reino Unido na cabeça, é de longe o principal destino do carvão paraguaio. No início de 2017, chegavam diariamente à Alemanha umas 22.000 bolsas de carvão paraguaio e 5.000 ao Reino Unido. Earthsight estima que está se desmatando diariamente no Chaco o equivalente a 30 campos de futebol para abastecer a Europa com carvão vegetal.

Bricapar

Para estudar em detalhe como o carvão responsável pelo desmatamento do Chaco chega aos consumidores da UE, Earthsight centraliza sua pesquisa na maior empresa de carvão do Paraguai: Bricapar. Durante os primeiros quatro meses de 2017, Bricapar obteve 1 milhão de dólares por mês pelas suas vendas de carvão. Os dados de exportação revelam que, nesse período, Bricapar forneceu mais de 40% de todas as importações europeias de carvão procedentes do Paraguai.

Bricapar tem 4 carvoarias. Pesquisadores de Earthsight visitaram uma delas, localizada em Teniente Ochoa, no município Mariscal Estigarribia, a 500 km ao Norte da capital Assunção, no interior do Chaco. Esta região, segundo os registros de perdas florestais, tem sofrido as maiores taxas de desmatamento do Chaco. A viagem dura oito horas de carro pela estrada Transchaco, e, depois continua por uma estrada de terra de uns 20 km na direção Oeste através de terras desmatadas. No final desta estrada se encontra um dos maiores centros de produção do carvão que se vende nos supermercados europeus: conta com 80 fornos de argila, atendidos por trabalhadores que empilham troncos de quebracho.

Earthsight estima que a carvoaria produz cerca do 10% do total das exportações de carvão de Paraguai. Foram encontrados sinais da presença de grupos Ayoreo a só 40 km das instalações de Bricapar. As imagens de satélite mostram claramente a dramática desaparição do bosque ao redor da carvoaria. Ela foi construída no final de 2015 e já nos primeiros nove meses de 2016, uma média de dez campos de futebol do bosque natural estava sendo desmatada diariamente nas terras circundantes.

Posteriormente, foi aberta uma segunda exploração ao Norte, ligada com a primeira por uma estrada. Mas, Bricapar é de interesse nacional por razões que vão além das autorizações florestais. A empresa é propriedade de um dos políticos mais poderosos do governo paraguaio, o Ministro de Obras Públicas, Ramón Jiménez Gaona.

Gaona está sob investigação por supostos vínculos num escândalo de corrupção na qual está envolvida uma construtora espanhola que pagou subornos para conseguir contratos estatais na América do Sul. A terra onde está a carvoaria de Bricapar pertence ao Instituto de Seguro Social do Paraguai, o seguro estatal que os trabalhadores pagam para cobrir as despesas de saúde, desemprego e aposentadoria. Uma pesquisa feita em 2014 pelo jornal paraguaio ABC Color descobriu que a terra em questão estava sendo alugada a uma empresa chamada IRASA por uma oitava parte do seu valor de mercado.

Bricapar respondeu a todas as acusações. Ramón Jiménez Gaona renunciou ao seu cargo de Diretor-Executivo de Bricapar ao tomar posse como Ministro. Seu irmão assumiu o negócio e Gaona continua sendo proprietário de 25% das ações de Bricapar. A empresa afirma também que são “os proprietários dos estabelecimentos os que levam a cabo as atividades de silvicultura e não Bricapar”. Esta declaração se contradiz com as de um engenheiro florestal, que revelou aos pesquisadores que “Bricapar só ordena o desmatamento do bosque e o proprietário da terra ordena a plantação para pastoreio”.

Bricapar também sustenta que os cortes foram autorizados pelo Instituto Florestal Paraguaio (INFONA) e que cumprem com todos os regulamentos pertinentes: a conservação dos bosques em 25 por cento da superfície total; franjas de proteção do bosque ao redor de cada área desmatada; proteção do bosque perto das fontes de água; e garantir que 30 por cento das árvores fiquem em pé como árvores sementeiras e para proporcionar refúgio para o gado.

As imagens de satélite sugerem que estas regulações foram cumpridas, mas demostram também claramente que, nas áreas alugadas à IRASA, onde opera Bricapar, a maior parte da terra está completamente desmatada de vegetação natural para dar lugar às pastagens para o gado.

As mencionadas imagens de satélite de alta resolução do informe de Earthsight revelam uma paisagem lunar de árvores espoliadas e tratores.

Do Chaco aos supermercados da Europa

Desde sua planta de produção em Teniente Ochoa, o carvão de Bricapar é transportado por caminhão a uma fábrica perto de Assunção. A fábrica converte parte da matéria prima – a “poeira de carvão” – em briquetes, que empacota, assim como o carvão de lenha lumpwood em pacotes com a marca do cliente, prontos para a exportação. Earthsight levantou a seguinte viagem do carvão para as churrasqueiras dos consumidores europeus e estadunidenses.

A comercialização e distribuição do carvão da Bricapar na Europa são feitas pela empresa espanhola Ibecosol, que começou a trabalhar com a Bricapar em 1997 e posteriormente adquiriu uma participação de 26% na empresa paraguaia. Ibecosol faz uma série de afirmações falsas e enganosas sobre seus produtos de carvão vegetal. A página da web de sua marca CARCOA, vendida na Espanha e Portugal, afirma que todos “se produzem com madeira de reflorestamento, poda ou seleção de espécies não florestais”. O diretor geral de Ibecosol disse a um pesquisador de Earthsight que se fez passar por um jornalista econômico que “não estamos usando árvores, não estamos cortando árvores para fazer briquetes ou outros produtos”. Todas estas afirmações se contradizem claramente com as observações realizadas por Earthsight na carvoaria de Bricapar.

Segundo Seoane, Ibecosol fornece anualmente 20.000 toneladas de carvão à Alemanha, 15.000 à Espanha, 7.000 à Dinamarca e 3.000 toneladas ao Reino Unido. Seoane afirma que seu carvão paraguaio é vendido por algumas das principais redes de supermercados na Europa, entre elas Lidl e Aldi na Espanha e Alemanha, e sucursais de Carrefour e Repsol na Espanha. Afirmou que sua empresa fornece mais da metade do carvão que se vende na Espanha e 95% do carvão que é comercializado pela rede Carrefour. Quando lhe apresentaram as conclusões do informe de Earthsight, a Carrefour decidiu suspender as compras de alguns dos produtos de Ibecosol.

Além da Europa, Bricapar também enviou 2.000 toneladas de carvão aos EUA em 2016. Ao redor de dois terços desta quantidade foram compradas pela companhia Duraflame, que é de longe o maior importador estadunidense de carvão vegetal do Paraguai. Duraflame importou mais de 250.000 bolsas de carvão da marca Cowboy da Bricapar em 2016. O vice-presidente da companhia, Chris Caron, disse a Earthsight que estes produtos se vendiam em lojas do Nordeste dos EUA e afirmou que não era consciente de que estes produtos tivessem origem no desmatamento de bosques naturais.

O informe de Earthsight mostra o papel do carvão vegetal como responsável pelo desmatamento dos bosques naturais no Grande Chaco. Mas, isso é somente o início da história. Bricapar está longe de ser a única empresa que fornece carvão paraguaio à Europa. Big K, por exemplo, a marca de carvão mais conhecida do Reino Unido, obtém seu carvão – sem o selo de qualidade do Forest Stewardship Council (FSC) – de uma firma chamada Dolimex, que, em seu site, se orgulha de que “100% do nosso material provem dos bosques do Chaco paraguaio”. Big K admitiu a Earthsight que seus produtos provinham do desmatamento de terras para gado, mas acrescentou que entendia que se tratava de “terras de arbustos”.

A cumplicidade da Europa vai muito além do carvão

Mesmo que a produção de carvão vegetal seja um elemento importante, o principal motor por trás dessa destruição é a produção de carne em escala industrial. Em 2016, os países da UE importaram do Paraguai 32 milhões de euros de carne bovina e 56 milhões de couros. As importações de carne bovina triplicaram em 2016 e agora representam 10% das exportações totais do Paraguai. O informe de Earthsight conclui que consumidores, supermercados e legisladores da UE terão que agir para evitar que os bosques do Chaco desapareçam por completo. (ECO21/Envolverde)