As diferenças de personalidade e perfil não escondem o profundo desrespeito ao ecossistema
O que de comum teriam Michel Temer e Donald Trump além do óbvio e mútuo pertencimento a elite branca, cabelos tingidos, casados com mulheres muito jovens e visão de mundo ultrapassada?
Não seria necessariamente na postura. Nos gestos empolados e antiquados do brasileiro, nada semelhante ao histrionismo caricato do norte-americano. Tão pouco no discurso arcaico e recheado de mesóclises de Temer em oposição à vulgaridade exibicionista e destemperada de Trump.
Até mesmo no tema deste artigo observam-se diferenças marcantes. Enquanto o presidente do império não usa meias palavras para desconsiderar a importância do meio ambiente e chamar de conspiração chinesa a questão do aquecimento global, o brasileiro, por seu turno não fala mal, até mesmo diz apoiar e reconhecer a importância da proteção ambiental, mas simplesmente descumpre até mesmo o que assina.
É o caso do Acordo de Paris chancelado com pompa e circunstância pelo presidente.
O discurso oficial de ambos em nada se parece, mas quanto aos seus resultados e no que efetivamente é do interesse dos habitantes deste planeta, que são as efetivas ações governamentais em prol do meio ambiente, eles se parecem e muito, tais quais irmãos siameses.
Poderíamos afirmar que no quesito transparência o presidente dos Estados Unidos é ao menos mais honesto, pois afirmou nos jardins da Casa Branca que o país abandonaria o Acordo de Paris. Uma visão limitada, tosca, mas há de se considerar, honesta.
Felizmente, parece que a realidade tenderá a prevalecer dado às repercussões negativas. Neste momento, vozes influentes dentro do governo norte-americano estão buscando uma saída honrosa para a volta dos Estados Unidos ao acordo climático. Vamos torcer para que o bom senso prevaleça!
Já no Brasil, como afirmamos anteriormente, o governo Temer apenas não se coloca oficialmente contrário às nossas florestas, mas a força avassaladora da bancada ruralista no Congresso e o estabelecimento de uma política ambiental até mais reacionária que a da ditadura civil militar, tenta e tem conseguido destruir as conquistas ambientais de décadas.
“O atual governo não tem política ambiental não se interessa pelo meio ambiente e pela conservação da natureza. Não tem compromisso ético ou moral com a dimensão pública. As decisões são tomadas em uma perspectiva oportunista de curto prazo que visa beneficiar poucos e não se importa com as consequências para a maior parte da sociedade brasileira”, afirma Luis Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e gerente do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora.
Na mesma linha, Marcio Astrini coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, avalia que agendas guardadas há muito tempo em gavetas no Congresso estão sendo retomadas e obtendo aprovações expressivas, “ Foi assim com a MP 759, que libera imensos estoques de terras públicas para a grilagem. Ocorreu o mesmo com a redução das áreas protegidas do Jamanxim, porém nesta feita o governo precisou voltar atrás no método e trocou a MP por um projeto de lei com urgência constitucional. Há alguns meses, integrantes do governo foram aos jornais anunciar as MPs de liberação de uso e registro de agrotóxicos e da venda de terras para estrangeiros. Ainda no balcão de negócios temos a questão indígena e o licenciamento ambiental. Infelizmente, esta é a importância do meio ambiente para Temer”.
Além dos exemplos citados, o que chamou muito a atenção nos últimos dias foi o tumulto provocado pela tentativa de extinção da Renca – Reserva Nacional de Cobre e Associados, localizada entre os estados do Pará e do Amapá, em plena Floresta Amazônica. Uma área gigantesca que seria liberada para exploração mineral e que, diante das grandes e negativas repercussões, foi posteriormente cancelada.
“O episódio deixou claro que a floresta, suas riquezas e sua importância estão hoje no mesmo espaço das negociatas que vemos inundar diariamente os noticiários e que jogam o país num mar de vergonha”, concluiu Astrini do Greenpeace.
No fim das contas, as semelhanças dos dois líderes estão calcadas na falta de visão de longo prazo. Ambos preocupados com sua sobrevivência política, claro que em momentos muito diversos e distintos. Ambos pouco ou nada comprometidos com temas caros à sustentabilidade e ao verdadeiro interesse comum.
Resta a esperança que, como acontece agora no possível recuo de Trump quanto à retirada do Acordo de Paris e da revogação da Renca pelo governo Temer, mobilizações da sociedade sejam capazes de frear ao menos os piores desmandos.
“Ficou evidente que não é possível toma uma decisão de impacto tão grande sem uma boa comunicação e sem o diálogo com a sociedade”, afirma Luis Fernando, do Imaflora.
Um futuro melhor para todos, sem dúvida, exige participação ativa da sociedade. O outro caminho repleto de omissões e conluios nos levará fatalmente a habitar um mundo mais difícil de se viver, ambientalmente insustentável e socialmente cada vez mais injusto.
*Reinaldo Canto é conselheiro do Instituto Envolverde e colunista da Revista Digital Envolverde