Lançamento da pesquisa também alerta para os riscos à saúde e ao meio ambiente decorrentes do uso indiscriminado de antibióticos na produção de proteínas animais.
O uso irresponsável de antibióticos na pecuária industrial intensiva tem contribuído para a disseminação global de bactérias multirresistentes, é o que indicam os dados dos estudos de campo realizados pela Proteção Animal Mundial entre 2018 e 2022. A organização testou fontes de águas próximas às fazendas de criação de animais em sistemas industriais intensivos e também carnes vendidas nos supermercados para a presença de bactérias resistentes a antibióticos. Nossos testes de produtos cárneos revelaram bactérias resistentes em carnes na Austrália, Brasil, Indonésia, Quênia, Espanha, Tailândia, Reino Unido e EUA e nos testes de cursos d’água foram encontrados genes de resistência a antibióticos (ARGs) em todos os países testados: Brasil, Canadá, Espanha, Tailândia e EUA. As descobertas sugerem que as bactérias multirresistentes provenientes da criação de animais estão circulando pela cadeia alimentar, com implicações negativas para a saúde humana e para o meio ambiente.
Os resultados estão compilados no relatório “Pecuária Industrial Intensiva: fábrica de bactérias multirresistentes”, cujo lançamento acontece em novembro, mês que marca a Semana Mundial de Conscientização sobre o Uso de Antimicrobianos, promovida todos os anos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre os dias 18 e 24 de novembro. O objetivo da campanha é aumentar a conscientização sobre o assunto e alertar para as melhores práticas de uso do medicamento, a fim de evitar o surgimento e a propagação da resistência antimicrobiana em todo o mundo.
A resistência antimicrobiana (RAM) ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações e adquirem resistência quando expostos a antimicrobianos (classe de medicamentos que, além dos antibióticos, inclui também antifúngicos, antivirais, antimaláricos e anti-helmínticos, por exemplo), dificultando o tratamento de infecções e ampliando o risco de propagação e gravidade de doenças e o aumento de mortes. As bactérias multirresistentes podem contaminar os seres humanos através de animais, do meio ambiente ou dos alimentos e, dessa forma, representam uma grande ameaça à segurança alimentar e à saúde pública. Atualmente, 1,27 milhão de pessoas morrem a cada ano vítimas de infecções que não respondem ao tratamento com antibióticos e estima-se que até 2050 esse número salte para 10 milhões.
A pecuária industrial intensiva usa rotineiramente níveis muito altos de antibióticos. Estima-se que 75% de toda a produção mundial desse tipo de medicamento seja usada na pecuária. Os animais, incluindo suínos e frangos, espécies de criação extremamente intensiva, são submetidos à sua utilização de forma indiscriminada e irresponsável com o objetivo de promover o crescimento acelerado e mascarar problemas de bem-estar animal. Os antibióticos, por exemplo, são usados de forma paliativa para evitar que animais estressados adoeçam devido às altas densidades dos ambientes em que são confinados, o que vai contra as recomendações da OMS.
Resultados revelam fábricas de bactérias
O relatório da Proteção Animal Mundial indica que no Brasil, com base nos resultados dos testes de água realizados em 2021, os rios próximos de fazendas industriais intensivas apresentaram maior diversidade de Genes de Resistência Antimicrobiana (ARGs) na comparação com águas mais próximas de suas nascentes. Foram encontradas evidências de genes resistentes a b-lactâmicos, fluoroquinolonas, macrolídeos e até mesmo agentes desinfetantes. Anteriormente, em 2018, testes de carne suína apontaram a presença da bactéria E. coli em 92% das amostras avaliadas, além de resistência a Fluoroquinolonas, Amicacina, Sulfonamidas, Ceftiofur e Colistina — antibióticos considerados mais criticamente importantes ou altamente importantes para humanos, conforme definição da Organização Mundial de Saúde.
No Reino Unido, o levantamento feito pela organização neste ano revelou que mais de 10% das amostras de produtos suínos, incluindo cortes como bistecas e carne moída, estavam infectados com bactérias que mostraram resistência a um antibiótico de último recurso, usado para tratar doenças graves em seres humanos. Os produtos contaminados incluíam algumas carnes suínas vendidas com o rótulos de certificação, como o Red Tractor, orgânicos e garantia RSPCA.
Nos Estados Unidos, o estudo também focou na análise de carnes suínas comercializadas em supermercados e 80% das bactérias isoladas de produtos suínos eram resistentes a pelo menos um tipo de antibiótico. Em único supermercado norte-americano, 37% das bactérias encontradas nas amostras eram multirresistentes, o que significa que eram resistentes a três ou mais classes de antibióticos, e quase 10% eram resistentes a um total de seis classes de antibióticos clinicamente importantes.
Bem-estar animal é chave para reduzir RAM
Com os resultados indicando a contaminação por bactérias multirresistentes em diferentes países e continentes, a Proteção Animal Mundial alerta para a necessidade de fortalecer os Padrões Mínimos de Bem-estar definidos no FARMS Initiative em suas normas específicas para cada espécie. “A saúde e o bem-estar dos animais, das pessoas e de nosso planeta são interdependentes. A precariedade da saúde e do bem-estar animal na pecuária industrial intensiva afeta negativamente a saúde pública, a segurança alimentar e o meio ambiente”, afirma Daniel Cruz, coordenador de agropecuária sustentável da Proteção Animal Mundial.
A organização, que é a voz global do bem-estar animal, defende que os governos imponham uma moratória à pecuária industrial intensiva, impedindo a aprovação de novas criações nesse modelo ou ainda a expansão das fazendas e granjas já existentes nos próximos 10 anos. Em paralelo, o poder público também deve estabelecer padrões mínimos obrigatórios de bem-estar para a criação dos animais. “A erradicação da pecuária industrial intensiva limitará o aumento da resistência antimicrobiana (RAM) em animais de criação. Isso proporcionará uma melhoria da saúde e do bem-estar animal, uma alimentação mais saudável para as pessoas, além de um sistema alimentar mais seguro e também sustentável”, explica Cruz.
Em relação à produção, a Proteção Animal Mundial trabalha para ampliar as práticas que sigam padrões de bem-estar, o que inclui o fim do uso de antibióticos de forma preventiva e para a promoção do crescimento. A organização também acredita que os consumidores podem contribuir para frear o uso indiscriminado de antibióticos na pecuária, optando pelo menor consumo de proteínas animais e também pela escolha de produtos que sigam os padrões de maior bem-estar sempre que possível. Em paralelo ao lançamento do relatório, a ONG também colocou no ar uma petição para pedir o fim do uso irresponsável de antibióticos ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Os interessados podem assinar a petição aqui.
Sobre a Proteção Animal Mundial (World Animal Protection) – A Proteção Animal Mundial é a voz global do bem-estar animal, com mais de 70 anos de experiência em campanhas por um mundo no qual os animais vivam livres de crueldade e sofrimento. Temos escritórios em 12 países e desenvolvemos trabalhos em 47 países ao todo. Colaboramos com comunidades locais, com o setor privado, com a sociedade civil e governos para mudar a vida dos animais para melhor. Nosso objetivo é mudar a maneira como o mundo trabalha para acabar com a crueldade e o sofrimento dos animais selvagens e de produção. Por meio de nossa estratégia global de sistema alimentar, vamos acabar com a pecuária industrial intensiva e criar um sistema alimentar humano e sustentável, que coloca os animais em primeiro lugar.
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