*Por Alexander Turra e David Schurmann
Assim como nas áreas terrestres, as mudanças climáticas têm provocado um impacto profundo no oceano, que afetam a biodiversidade e a população global. Mencionando apenas os principais efeitos, vemos o aquecimento das águas, provocado pelo aumento das temperaturas em todo o mundo, as alterações nas correntes marinhas e o derretimento acelerado das calotas polares, que impactam as comunidades costeiras e os seus ecossistemas com inundações e outras graves consequências.
São desafios crescentes que encaramos em meio a grandes alterações no clima do planeta. No entanto, outro fator muito relevante que impacta a vida no oceano, a economia das cidades litorâneas e a nossa segurança alimentar é a poluição.
Diante deste cenário, a Voz dos Oceanos e a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) estão unidas em uma pesquisa científica inédita para detectar a presença de microplásticos em organismos marinhos na costa do Brasil. A tripulação da expedição terrestre da iniciativa liderada pela Família Schurmann percorrerá ao todo cerca de 20 cidades do litoral brasileiro, de Santa Catarina ao Pará, até agosto, recolhendo ostras, mexilhões e outros organismos que chamamos de bivalves, para este diagnóstico.
Por que isso é importante? Estes organismos são “filtradores” de microplásticos, que acabam sendo consumidos pela população por meio da ingestão destes alimentos. Portanto, montamos um laboratório na USP, com o apoio do CNPq e da Shimadzu, com a tecnologia mais avançada mundialmente para esta pesquisa — que futuramente poderá ser utilizada para treinar outros pesquisadores brasileiros e do exterior.
Trata-se de um trabalho complexo e minucioso, à altura do objetivo que almejamos. A tripulação da expedição já coletou até o momento mais de cem organismos marinhos, que são acondicionados apropriadamente e enviados ao instituto, em São Paulo. No laboratório, realizaremos um processo de degeneração dos bivalves e filtragem dos microplásticos e posterior análise em espectrômetro. Para terem uma ideia, estamos falando de tamanhos de partículas muito pequenos, de centésimos de milímetros, que não são vistos a olho nu.
Desta forma, poderemos detectar os tipos de polímeros e a sua origem, como por exemplo, cabos de nylon usados para pesca, degradação de pneus ou poliéster derivado das fibras de roupas. Será possível ter maior clareza da provável origem, o que contribuirá para formular planos de ação para mitigar a poluição dos nossos mares.
Sabemos que a contaminação do oceano é um problema multifacetado, causado pelas mais variadas atividades humanas e econômicas, como descarte inadequado de resíduos, derramamentos de petróleo e poluição química, além dos plásticos. Esta pesquisa, portanto, busca avançar um passo nessa longa caminhada que é o combate à degradação oceânica.
Essa é uma questão urgente que exige ação global coordenada. A mitigação da poluição por microplásticos e a adoção de práticas sustentáveis são essenciais para proteger o oceano e as comunidades que, inclusive, dependem da vida marinha para sobreviver.
Esta investigação científica pioneira faz parte da Voz dos Oceanos, que começou há dois anos com uma expedição marítima com o apoio mundial do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA). Em pouco mais de dois anos, a iniciativa testemunhou a presença de plásticos e microplásticos em cerca de 100 destinos de mais de 10 países das Américas Sul, Central e Norte, além da Oceania.
O lado bom desta história é que, tanto a expedição terrestre atual, como a marítima, tem encontrado inúmeras pessoas e iniciativas engajadas em reverter a invasão destes resíduos que sufocam o oceano, responsáveis por mais de 50% do oxigênio do planeta.
Afinal, a conscientização sobre este tema – assim como as regulamentações ambientais mais rigorosas por parte dos poderes públicos e a redução da pegada ambiental pela iniciativa privada — é essencial para a proteção desse ambiente vital, que tanto amamos quanto dependemos, que é o oceano.
*Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, e David Schurmann, CEO da Voz dos Oceanos.