Por Sucena Shkrada Resk* –
No contexto da crise da pandemia e da aceleração de desmatamento ilegal na Amazônia, reuniões plenárias não ocorrem desde novembro de 2019
Nesta Semana do Meio Ambiente e no auge da crise da pandemia da Covid-19, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que tem o papel de órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), desde 1981, e trata da Política Nacional do Meio Ambiente, mantém um silêncio, que se estende desde novembro passado.
Com uma gestão cada vez mais enfraquecida, sua última reunião de plenário extraordinária, ocorreu em outubro de 2019 e a ordinária, que deve ser aberta à sociedade, no mês anterior. Pelo regimento interno, deveria ser convocada de três em três meses, mas o que se observa até agora, início de junho de 2020, é um hiato temporal em suas atribuições. Não há registros nem de encontros presenciais e virtuais do plenário, conforme consta no próprio site do colegiado, que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente.
A estrutura do conselho foi enxugada pelo Decreto nº 9806/2019, com a redução de 96 titulares para 23 conselheiros (representantes de órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil) – diminuindo substancialmente a participação social a representantes de 4 organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas, escolhidas por meio de “sorteio”, em um cadastro composto por cerca de 700 entidades distribuídas no país. Esta reestruturação resultou na prevalência do governo e do setor produtivo, que controlam mais de 50% dos votos, ou seja, a maioria.
Contestações
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal (STF), sob nº ADPF 623, em 2019, ano, que aponta inconstitucionalidade do Decreto 9806/2019 e foi distribuída em setembro, à ministra Rosa Weber. Entre os argumentos, expõe que há o desrespeito aos princípios da participação popular direta da sociedade, da igualdade e retrocesso socioambiental.
Segundo a Procuradoria Geral da República, “a redução resultou em profunda disparidade representativa em relação aos demais setores sociais representados no órgão. Segundo a ação, o desequilíbrio entre representantes de interesses exclusivamente ambientais e os que representam outros múltiplos interesses prejudica a função do conselho de elaboração de políticas de proteção ao meio ambiente pela coletividade, “impondo lesão ao preceito fundamental da proteção ao meio ambiente equilibrado”.
Uma moção de repúdio foi feita no ano passado, por ONGs socioambientais, em que há o questionamento sobre a dissolução das representações regionais, com loteamento das vagas por sorteio. “… é negar a própria grandeza territorial do Brasil e sua representatividade por biomas. Cercear a participação cidadã, diminuir e restringir a representatividade da sociedade civil é um retrocesso inaceitável e antidemocrático…” – destaca o documento.
As instituições “sorteadas” para as atuais cadeiras da representação da sociedade civil (com direito a voto) foram a Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico; Associação Rare do Brasil; Comissão Ilha Ativa e do Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes. Esta redução de integrantes causou reações contrárias por parte do segmento, com o argumento de enfraquecer o controle social nesta agenda federal. E sem direito a voto, também há uma cadeira ocupada por representante do Ministério Público Federal.
Neste ano, duas das sete câmaras técnicas do conselho mantiveram três dias de reuniões no mês de fevereiro. Um encontro foi da câmara técnica de Biodiversidade, Áreas Protegidas, Florestas e Educação Ambiental; e os outros dois realizados pela Câmara de Controle e Qualidade Ambiental e Gestão Territorial, sem prosseguimentos nas agendas.
Extensa atribuição
No entanto, a atribuição de competência do CONAMA é extensa. Implica na formulação de resoluções, de deliberação vinculada a diretrizes e normas técnicas, critérios e padrões relativos à proteção ambiental e ao uso sustentável dos recursos ambientais; como também, de recomendações de implementações de políticas, programas e normas no setor e moções quanto à temática ambiental.
Este “hiato” causa preocupação principalmente em tempos de Covid-19, que tem uma estreita relação com a conservação ambiental. Afinal, algumas das responsabilidades do conselho é avaliar regularmente a implementação e a execução da política e normas ambientais do País, estabelecendo sistemas de indicadores; e elaborar, aprovar e acompanhar a implementação da Agenda Nacional do Meio Ambiente, a ser proposta aos órgãos e às entidades do SISNAMA, sob a forma de recomendação.
Durante o ano passado, houve a elaboração apenas de uma resolução Conama, a de nº 493/2019, como descrito nas informações disponibilizadas pelo órgão, e se refere ao estabelecimento da Fase PROMOT M5 de exigências do Programa de Controle da Poluição do Ar por Motociclos e Veículos similares… A poluição, por sua vez, continua a ser um dos maiores problemas nos grandes centros.
Situações críticas
Aqui no país, as mortes em decorrência de poluentes aumentaram em 14%, em uma década, de acordo com o estudo Saúde Brasil 2018, do Ministério da Saúde. Foram 38.782 em 2006 contra 44.228 mortes em 2016. Este é um dos maiores problemas no país, relacionados principalmente ao uso de combustíveis fósseis, que se torna agora mais complexo, por estar associado aos comprometimentos da pandemia da Covid-19, além do desequilíbrio ecossistêmico, que contribui para a aparição de doenças zoonóticas e ao aquecimento global.
Nada disso, está sendo efetivamente tratado de forma continuada e sistêmica agora, pelo Conama, no contexto em que o Brasil e o restante do planeta vivem uma crise humanitária, que envolve fatores sanitários, socioambientais, políticos e econômicos, todos interligados. Os dados no chão, por sua vez, causam mais apreensão. O desmatamento ilegal tem aumentado principalmente no bioma amazônico.
O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, lançado, neste mês, pelo MapBiomas, aponta que o país perdeu 1.218.708 hectares de vegetação nativa, no ano de 2019, equivalente a oito municípios de São Paulo, e 60% desta perda se concentrou no bioma amazônico, seguido pelo Cerrado, com 408,6 mil ha; depois por Pantanal (16,5 mil ha), Caatinga (12,1 mil ha) e Mata Atlântica (10,6 mil ha), que foram avaliados.
Em 2020, os dados são ainda mais alarmantes. Em abril, o desmatamento da Amazônia foi o maior na última década, com 529 km² da floresta derrubada, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Esta situação facilita o desequilíbrio ecossistêmico, que se torna porta aberta ou fortalecimento de epidemias. Os noticiários têm expostos o aumento do número de extração ilegal de madeira, de garimpos ilegais, inclusive, invadindo terras indígenas e unidades de conservação e consequente contaminação de solo e corpos hídricos e de povos indígenas e tradicionais. E muitas das resoluções CONAMA se referem exatamente ao licenciamento ambiental.
No campo da retrospectiva histórica, é válido retomar, então, a Resolução CONAMA Nº 016, de 18 de dezembro de 1984, com a chancela do saudoso Paulo Nogueira-Neto, publicada no então boletim de serviço nº 948, de 25/11/1985, que trata do seguinte:
O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA, no uso das atribuições que lhe conferem os itens I e IX, do artigo 7º, do Decreto nº 88.351, de 01/06/83 e para atender os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecidos pelos artigos 2º e 4º da Lei nº 6.938, de 31/08/81, considerando que os últimos dados oficiais indicam que a alteração da cobertura vegetal da Amazônia Legal, em fins de 1980 atingiu mais de 123.000km2, com ritmo médio diário de devastação superior a 60km2 e tendo em vista as conclusões de estudos científicos já publicados, e tendo em vista o disposto na Proposição CONAMA nº 015, de 18 de dezembro de 1984, RESOLVE:
Determinar, com base nos dados científicos disponíveis, que a sua Secretaria Executiva promova estudos sobre as prováveis consequências no clima, no regime hídrico, na fertilidade do solo e nos ecossistemas amazônicos, causados por extensivo desmatamento na região, para serem apresentados ao plenário do Conselho dentro de 6 (seis) meses.
Com esta crise que assola o país e o mundo, vale perguntar: o que o Conama de hoje está contribuindo para frear, de fato, a devastação da Amazônia e dos outros biomas brasileiros e os altos índices de poluição e, ao mesmo tempo, fazer valer resoluções já existentes? E como entra na agenda, a pandemia da Covid 19, além de outros surtos, como a febre amarela, malária e Dengue, que estão intrinsicamente relacionados a questões socioambientais? Qual está sendo seu papel para a gestão de crise?
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
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