Por Suzana Camargo, Conexão Planeta –
Ao completar um ano de uma das maiores tragédias ambientais do Brasil, o vazamento de óleo que atingiu mais de 1 mil praias em toda a costa da região Nordeste, o Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) fez um novo levantamento sobre o impacto da substância sobre corais e invertebrados marinhos em quatro localidades do estado: Praia do Forte, Guarajuba, Ganipabu e Itacimirim. Todas elas vêm sendo monitoradas em períodos frequentes, desde outubro do ano passado, quando as primeiras manchas chegaram ali.
Após a coleta de amostras, a equipe da UFBA constatou que a situação piorou muito depois de doze meses. Em outubro de 2019, na fase aguda da contaminação, havia 88 espécies de organismos vivos a cada 35 m2 de praia, um número que já representava uma perda de 47% da biodiversidade em relação a pesquisas anteriores.
Todavia, com o passar do tempo, em vez de melhora, houve uma degradação ainda maior nas condições analisadas. Em março deste ano, a queda de espécies chegou a 80% e em julho último, a 83%.
Outros parâmetros analisados também apresentaram péssimos resultados. A quantidade de organismos vivos presentes nessas praias (densidade populacional) antes da chegada das manchas de óleo era de 446 invertebrados nos mesmos 35 m2. Em outubro de 2019, foi registrada uma diminuição de 65,9% e tanto em março, maio e julho de 2020, essa porcentagem atingiu 83%.
Outro dado alarmante é o que se refere aos corais. Antes da contaminação pelo petróleo, a taxa anual de branqueamento* desses organismos, desde 1995, variava entre 5 e 6%. Em outubro, ela chegou a 51%. Em março de 2020 saltou para 76%, em maio para 83% e hoje, está em 88%.
“O óleo que atingiu o litoral do Nordeste era de alta densidade. Apesar da limpeza feita nas praias, durante a noite, essa substância foi para o fundo do mar, perto das estruturas dos recifes de corais”, explica o professor Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia.
O biólogo esclarece que além da coleta das amostras, o time da UFBA sempre avalia outras condições locais, como temperatura, acidez e salinidade da água, por exemplo. Nada foi alterado. Ou seja, não há dúvida que a perda de biodiversidade nessas praias foi ocasionada pelo óleo.
“Como a limpeza feita nessas áreas foi incompleta, o veneno continuou presente”, afirma. “Estimo pelo menos uma década para que a recuperação seja completa. Isso se não houver nenhuma outra alteração nesse período”.
De acordo com Kelmo, o óleo afetou a região justamente no período de reprodução dessas espécies, que acontece de setembro a março, e com isso, prejudicou todo esse processo.
“Houve perda de patrimônio natural, de espécies e o maior branqueamento já observado até hoje”, denuncia. “A situação é muito séria e certamente, há um impacto na cadeia alimentar”.
Kelmo ressalta que ainda é possível fazer a limpeza nesses locais. É um trabalho difícil e árduo, mas plausível. Segundo o grupo Guardiões do Litoral, que atua na região, ainda existem de 4 a 5 toneladas presentes no litoral baiano.
Nos últimos meses, não só na Bahia, como em outros estados também, como Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte, foram relatados avistamentos de pequenas manchas de petróleo.
Vale lembrar que até hoje ninguém foi responsabilizado criminalmente pelo desastre ambiental. A Marinha do Brasil finalizou a primeira etapa da investigação e afirma que “o óleo é de origem venezuelana, o que não significa que ele tenha sido lançado por navios ou empresas daquele país”.
*O branqueamento de corais ocorre quando acontece algum estresse, normalmente térmico, que faz com que esse organismo expulse as algas microscópicas que vivem em simbiose com ele. Essas algas, chamadas zooxantelas, são a principal fonte de alimento do coral e lhe dão cor. Quando isso acontece, o coral passa fome e fica mais suscetível a doenças. Em muitos casos, acaba morrendo.
Fotos: divulgação Projeto Conservação Recifal
22 de setembro de 2020
Suzana Camargo
Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.
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