por WRI Brasil –
Em todo o mundo, as florestas tropicais seguem ameaçadas, apesar do acordo global firmado há quase dois anos para sua proteção. É o que mostra a mais recente atualização do Global Forest Watch (GFW), do WRI. Com base em imagens de satélite, foi possível constatar que a perda de florestas primárias na região dos trópicos, onde ficam as grandes florestas úmidas como a Amazônia, foi 10% maior em 2022 do que em 2021.
Foram 4,1 milhões de hectares, o equivalente a 11 campos de futebol por minuto. Toda essa perda produziu 2,7 gigatoneladas (Gt) de emissões de dióxido de carbono, número equivalente às emissões anuais de combustíveis fósseis da Índia. De forma geral, os números mostram que a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, assinada por mais de 140 países, incluindo o Brasil, na COP26, em 2021, não está alcançando seu objetivo de preservação desses biomas.
A perda de florestas primárias aumentou não só no Brasil e na República Democrática do Congo – os dois países com mais florestas tropicais no mundo – como também em outras nações, como Bolívia e Gana. Entre os países com grandes áreas de florestas primárias, apenas Indonésia e a Malásia conseguiram manter as taxas de perda de florestas primárias próximas aos níveis mais baixos já registrados.
No Brasil, a perda de florestas primárias cresceu 15% em 2022 – a maior parte, na Amazônia. Foi a maior taxa de perda não relacionada a incêndios desde 2005. Embora responda por 30% das florestas do mundo, o país respondeu por 43% do desmatamento global, permanecendo na liderança do ranking das nações que mais perdem florestas no mundo. “Os dados mostram que a participação do Brasil na perda de florestas tropicais vem aumentando nos últimos anos”, diz Jefferson Ferreira-Ferreira, Coordenador de Ciência de Dados de Florestas do WRI Brasil. “Antes de 2015, cerca de 25% a 30% da perda ocorria no Brasil. Já em 2022, passou de 40%”, afirma. O 1,8 milhão de hectares dessa perda em 2022 resultou em 1,2 Gt de emissões de dióxido de carbono, ou 2,5 vezes as emissões anuais de combustíveis fósseis do Brasil.
Além dos impactos de carbono, a perda de florestas na Amazônia afeta as chuvas regionais e pode, em última instância, levar a um “ponto de não retorno” em que a maior parte do ecossistema se tornará uma savana. Nesse bioma, a perda de floresta primária acelerou na Amazônia Ocidental. No caso do Amazonas, lar de mais da metade das florestas intactas do Brasil, a taxa quase dobrou em apenas três anos. O Acre também apresentou alguns dos níveis mais altos dessa perda já registrados. As perdas de florestas primárias nessa parte da Amazônia brasileira são principalmente causadas por desmatamentos em grande escala (provavelmente para pastagens de gado) juntamente com as rodovias existentes.
Vários territórios indígenas ameaçados na Amazônia brasileira também perderam florestas primárias em 2022. Os territórios Apyterewa (PA), Karipuna (RO) e Sepoti (AM) registraram níveis recordes relacionados a invasões de terra. A perda de floresta primária devido à mineração também é visível no território indígena Yanomami (RR), que foi alvo de uma operação governamental para expulsar garimpeiros ilegais no início de 2023. Apesar dessas perdas, os territórios indígenas no Brasil têm uma taxa de desmatamento muito menor do que terras semelhantes gerenciadas por outros agentes e representam os últimos sumidouros de carbono da Amazônia.
Os países onde mais se perdeu florestas primárias
República Democrática do Congo: o país perdeu mais de meio milhão de hectares em 2022. A maior parte da perda decorre de pequenas clareiras próximas a áreas agrícolas cíclicas (terra que é desmatada e queimada para o cultivo de curto prazo de safras e deixada em pousio para que as florestas e os nutrientes do solo se regenerem). Um acordo de US$ 500 milhões assinado na COP26 para proteger as florestas da RDC se mostra promissor, mas ainda não teve impacto sobre as taxas de desmatamento. Apesar do compromisso, o governo da RDC recentemente leiloou licenças para a exploração de petróleo e gás em florestas intocadas e turfeiras ricas em carbono e indicou que em breve suspenderia a moratória sobre novas concessões de exploração madeireira.
Bolívia – Um dos poucos países que não assinou a Declaração dos Líderes de Glasgow em 2021, a Bolívia teve um nível recorde de perda de floresta primária em 2022, com um aumento de 32% em relação aos níveis de 2021. Pelo terceiro ano consecutivo, o país ficou em terceiro lugar em área de perda de floresta primária, atrás apenas do Brasil e da República Democrática do Congo e superando a Indonésia, apesar de ter menos da metade da quantidade de florestas primárias. A agricultura de commodities é o principal fator de perda de florestas na Bolívia, especialmente no departamento de Santa Cruz, que continua sendo uma área prioritária na perda de florestas primárias. A expansão da soja resultou em quase um milhão de hectares de desmatamento na Bolívia desde a virada do século. A cana-de-açúcar, o milho, o sorgo e a criação de gado também contribuem para o desmatamento no país. Os incêndios também tiveram um impacto significativo sobre as florestas da Bolívia nos últimos anos: em 2022, eles foram responsáveis por cerca de um terço da perda total de florestas primárias no país. As queimadas em países tropicais como a Bolívia geralmente são provocadas por seres humanos para fins agrícolas, como a reabertura de áreas para pastagem e a limpeza de terras para cultivo ou para reivindicar terras. Em 2022, vários incêndios também parecem ter começado em áreas de extração seletiva de madeira.
Gana – Em 2022, o país apresentou um aumento de quase 70% na perda de floresta primária, a maior quantidade já registrada para o país, com quase 18 mil hectares. Embora essa área seja relativamente pequena, Gana tem poucas florestas primárias remanescentes e registrou a maior proporção de perda de qualquer país tropical em 2022. A maior parte da perda ocorreu em áreas protegidas, que cobrem as últimas porções de floresta primária do país. Parte da perda é adjacente a fazendas de cacau e tem um padrão de desmatamento em pequena escala, provavelmente associado à produção de cacau. Outras áreas de perda parecem estar ligadas a incêndios e mineração de ouro.
Indonésia e Malásia – Nesses países, a perda de florestas primárias permanece em níveis historicamente baixos. A Indonésia reduziu a perda de florestas primárias mais do que qualquer outro país nos últimos anos e há uma tendência contínua de queda na taxa média móvel desse país. Na Malásia, a perda de florestas primárias permaneceu baixa em 2022 e se estabilizou nos últimos anos. As ações corporativas e governamentais parecem estar contribuindo.
Florestas não tropicais
O Global Forest Watch se baseia nos dados de perda de cobertura arbórea da Universidade de Maryland, que têm cobertura global, porém destaca os trópicos e as florestas primárias, ou seja, que nunca sofreram desmatamento. Essas são as regiões que mais armazenam carbono, mais ricas em biodiversidade e, ao mesmo tempo, as mais ameaçadas, concentrando mais de 96% do desmatamento ou remoção permanente da cobertura florestal causada pelo homem.
Mas, quando se analisa a totalidade da perda de cobertura arbórea global, que inclui a redução de florestas primárias, secundárias e plantadas, constata-se uma queda 10% em 2022. Essa redução é resultado direto de uma queda nas perdas relacionadas a incêndios; a supressão vegetal não relacionada a incêndios, por sua vez, aumentou ligeiramente em 2022, em menos de 1%. Diferentemente de grande parte dos trópicos, os incêndios em florestas boreais e temperadas são uma parte natural e importante da ecologia. A taxa de perda relacionada a incêndios em todo o mundo havia aumentado em geral desde 2000, mas caiu 28% em 2022. A Rússia foi o maior contribuinte para o declínio na perda de cobertura arbórea, com uma redução de
34% entre 2021 e 2022. Apesar de uma menor área de perda relacionada a incêndios em todo o mundo em 2022, os incêndios ainda causaram perdas na Europa Ocidental, que presenciou grandes queimadas, resultando em uma perda de cobertura arbórea recorde na Espanha.
Sobre o Global Forest Watch – O Global Forest Watch é uma plataforma global de monitoramento de perda de florestas em todo o planeta. Ela analisa e interpreta os dados fornecidos pela Universidade de Maryland, com resolução de 30 metros, que mapeiam a perda de cobertura arbórea, ou seja, tanto de florestas naturais como de florestas plantadas, e perda devido a causas naturais ou humanas. O relatório anual concentra-se em florestas primárias tropicais úmidas por serem áreas florestais de maior preocupação, por sua biodiversidade e importância para o enfrentamento da emergência climática, e também para evitar a inclusão de perda em plantações. O GFW difere do Prodes, o sistema de monitoramento do desmatamento da Amazônia do Inpe, por ter metodologia e período de análise diferentes: o GFW vai de janeiro a dezembro, enquanto o Prodes pega de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Apesar dessas diferenças, as trajetórias dos dois sistemas ao longo dos anos são parecidas, indicando que os dois métodos contribuem para um melhor entendimento sobre o estado das florestas no Brasil.
Sobre o WRI Brasil – O WRI Brasil é um instituto de pesquisa que transforma grandes ideias em ações para promover a proteção do meio ambiente, oportunidades econômicas e bem-estar humano. Atua no desenvolvimento de estudos e implementação de soluções sustentáveis em clima, florestas e cidades. Alia excelência técnica à articulação política e trabalha em parceria com governos, empresas, academia e sociedade civil. O WRI Brasil faz parte do World Resources Institute (WRI), instituição global de pesquisa com atuação em mais de 60 países. O WRI conta com o conhecimento de aproximadamente 1.000 profissionais em escritórios no Brasil, China, Estados Unidos, Europa, México, Índia, Indonésia e África.
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( WRI Brasil/Envolverde)