Ambiente

Pinturas sobre rios denunciam risco de colapso hídrico no Brasil

Na Grande São Paulo, ação acontece no rio Tietê, em Mogi das Cruzes, e no córrego Ibirapitanga, em Santo André. Na capital, o córrego da Água Preto, na Lapa, os rios Iquiririm, na Vila Indiana, e Bixiga, com o Teatro Oficina, também participarão do protesto

Pintar sobre a superfície de um rio parece ser impossível. Mas na maioria das grandes cidades, dá não só para pintar, como para caminhar sobre inúmeros rios e córregos que estão concretados. Muitos deles são ilustres desconhecidos da maioria dos moradores, ou porque estão canalizados debaixo das ruas, ou porque servem de esgoto e descarte de lixo. É o caso do rio Iquiririm, na Vila Indiana, e do Rio Bixiga, no bairro homônimo. Para tirá-los do anonimato, alertando para a importância de rios livres para a segurança hídrica do país, um grupo de ativistas criou um manifesto pela vida, assinado pelos próprios rios, e realizarão inúmeras atividades sobre eles – e outros 21 rios e córregos sufocados em 17 cidades nas cinco regiões do Brasil – às vésperas do Dia Mundial dos Rios, que é sempre comemorado no último domingo do mês de setembro. Na maioria dos casos, serão pintadas cobras sobre eles – uma alusão à lenda amazônica da Cobra Grande.

“A segurança hídrica do país tem sido sistematicamente negligenciada por governos municipais, estaduais e federal, notadamente quando falamos de rios, riachos, córregos e outros cursos d’água na terra e no céu. Afinal, até mesmo os rios voadores que vêm da Amazônia estão comprometidos por causa do patamar que a destruição da floresta alcançou”, alerta Jonaya de Castro.

No caso do Rio Bixiga, a ação acontecerá às 11h do dia 24/09 em parceria com a Cia. Teatro Oficina

Uma alegoria do rio, criada por artistas da Cia., manipulada por bambus que, com seus movimentos, desenha um dragão chinês no ar. A ação visa dar visibilidade ao Rio Bixiga, que integra a microbacia homônima, a qual também reúne os rios Saracura e Itororó, na região central de São Paulo. Essa microbacia forma a natureza enterrada do bairro há mais de século, quando os rios foram canalizados para o plano de urbanização do centro. O Rio Bixiga é um braço do Saracura Açu e tem boa parte do seu trajeto canalizado atravessando o terreno onde atualmente existe a sede do Teatro Oficina. Este terreno, de propriedade privada, se configura como o último chão de terra livre do centro de São Paulo, o que levou os aliados desse rio a lutar pela criação de um parque com o Rio Bixiga como protagonista, ou seja, destamponado.

As ações serão acompanhadas por um manifesto nas redes sociais. O texto é escrito como se fossem os próprios rios se manifestando. Confira!

O Coletivo NASA – Núcleo de Ações Socioculturais Ativista (@coletivonasa), junto com Nome aos Rios (@nomeaosrios) e Rios de Santo André (@riosdesantoandre) pintaram uma cobra com 45 metros de comprimento no Córrego Ibirapitanga, na praça que existe sobre o córrego tamponado na altura do largo Treze de Maio – Vila Pires – Santo André/SP. O Córrego Ibirapitanga é afluente do Córrego Guarará, que pertence à maior bacia hidrográfica de Santo André em macrozona urbana. Em seguida, o Guarará deságua no Rio Tamanduateí. O encontro do Ibirapitanga com o Guarará formava um lago, que foi aterrado na década de 1940, onde atualmente está localizado o Clube Atlético Aramaçan. O mesmo sofre com inundação e alagamento em época de fortes chuvas, devido ao aterramento realizado.

Imagens podem ser baixadas aqui.

Os coletivos Cidades Afetivas, Água Viva e Rios e Ruas, pintaram uma cobra de 25 metros no muro das nascentes do Rio Iquiririm na rua Corinto, 970, na Vila Indiana, além de realizar uma expedição com pesquisadores da USP. A ação teve o apoio do Fundo Fica, um projeto inovador de moradia sem fins lucrativos que acaba de abrir um programa de moradia estudantil na rua da nascente. O rio Iquiririm, que integra a Bacia do rio Tietê, nasce dentro do campus da zona oeste da USP e flui pelo Butantã até desaguar no rio Pirajussara, um dos vários formadores do rio Pinheiros. As nascentes passaram por um processo de regeneração a partir de um movimento energizado pelo arquiteto e urbanista social José Bueno e o geógrafo Luiz de Campos, fundadores do Rios e Ruas. Imagens podem ser baixadas aqui.

No Rio Tietê – o maior do estado de São Paulo – artistas da Água Viva, Spike e Coletivo Cidades Afetivas pintaram duas cobras. Uma, numa embarcação atracada no Cebolão, entre os rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, com apoio do Instituto Navega SP e SOS Mata Atlântica. Outra, na beira da Represa do Rio Jundiaí, em Mogi das Cruzes, município onde o rio ainda entra limpo, mas sai sujo. Além de receber agrotóxico e esgoto não tratado, no Alto Tietê, um grande volume de águas é deslocado do rio para as represas de Ponte Nova, Biritiba Mirim e Jundiaí, que integram o Sistema Produtor do Alto Tietê para abastecer municípios da Região Metropolitana de São Paulo, diminuindo o fluxo do rio consideravelmente em Mogi. Em São Paulo, o rio está canalizado e espremido entre as marginais. A pintura da cobra no Almirante do Lago, essa embarcação para 200 pessoas, alimenta o sonho de um centro cultural flutuante dedicado à regeneração dos rios de São Paulo, à educação ambiental e à cultura da sustentabilidade.

O coletivo (se)cura humana atuará no Córrego Água Preta, no bairro da Lapa, em São Paulo. Serão realizadas múltiplas intervenções em um lago construído pelo grupo na Travessa Roque Adóglio: uma delas será a pintura de uma cobra na parede do lago, em parceria com as crianças de um Centro de Educação Infantil (CEI) que fica na região; além disso, será instalada uma cabeça de cobra na saída da água que alimenta o lago; e ainda teremos a aplicação de lambes com a cobra e o “Manifesto dos Rios” nas imediações do mesmo lago com colaboração do artista Edu Marim. O Lago da Travessa Roque Adóglio é uma obra artístico-ambiental criada em 2018 pelo coletivo. A água que alimenta o lago é de uma nascente do próprio córrego que foi conduzida por 250 metros e hoje proporciona vida aquática, plantas e peixes para o local. Além do lago, foi instalada uma torneira com tanque que disponibiliza a água limpa para a população que por ali transita.

A preocupação dos ativistas tem respaldo científico. Estudo do WWF sobre 12 milhões de quilômetros de 246 grandes rios do mundo mostrou que pouco mais de um terço (37%) deles pode ser considerado um “rio de curso livre”, que é a condição para que um curso d’água mais ofereça benefícios ambientais e serviços ecossistêmicos. Se nas cidades eles são canalizados, no restante do Brasil eles são interrompidos pelo assoreamento decorrente do desmatamento, mineração e garimpo, bem como pela construção de reservatórios e hidrelétricas, além do despejo de esgoto sem tratamento.  Os rios são também vítimas do aquecimento global: um novo estudo da Penn State University em 800 dos rios dos Estados Unidos e da Europa mostrou que em 87% deles a temperatura média da água se elevou e em 70% houve e a perda de oxigênio. Os prognósticos são ainda mais preocupantes: de acordo com os pesquisadores, nos sistemas fluviais estudados, especialmente no sul dos Estados Unidos, poderão ocorrer períodos de extrema desoxigenação nos próximos 70 anos, levando ao risco de uma grande mortandade de espécies de peixes.