Por Natalie Müller, Deutsche Welle –
Água é um recurso precioso, que precisa ser preservado. Fechar a torneira enquanto se escova os dentes já ajuda. Porém até 30 vezes mais abundante é a água “virtual”, oculta em tudo que se come, veste ou usa.
Quanta água é necessária para fazer uma xícara de café? Uma pista: muito mais do que uma xícara só. A Water Footprint Network, uma plataforma que advoga o uso sustentável desse recurso, calcula que, para produzir essa quantidade de bebida, são necessários 132 litros de água.
A estimativa leva em consideração toda a cadeia de produção, desde a irrigação do cafeeiro, processamento dos grãos e embalagem até o transporte ao supermercado. É o que se denomina água “oculta” ou “virtual”: ela não é vista, mas desempenha um papel central em quase tudo o que se consome, incluindo energia, alimentos, roupas, telefones celulares, automóveis e café.
“Tudo precisa de água para ser produzido”, explica à DW Ertug Ercin, pesquisador-chefe da Water Footprint Network. “Uma quantidade significativa é usada para produtos alimentares e bebidas, em particular. E essa, na verdade, é a sua pegada hídrica, a quantidade de água exigida pelos seus padrões de consumo.”
No fim das contas, a água que sai das torneiras de casa – o consumo direto – só constitui uma parcela mínima da pegada hídrica pessoal, em comparação com a água “indireta” ou virtual.
Demanda crescente e estresse hídrico
A água doce é um recurso finito: dos 1,386 bilhão de quilômetros cúbicos de recursos líquidos estimados na Terra, apenas 3% é água doce, e cerca de 1% é disponível, estando o restante estocado em geleiras e calotas de gelo.
Essa reserva de água doce sofre pressão crescente da mudança climática e das necessidades de uma população humana global em expansão. O aumento da demanda hídrica agrária, industrial e residencial já desperta temores de escassez em algumas partes do mundo.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, cerca de 2 bilhões de seres humanos não têm acesso a água potável segura, enquanto 2,3 bilhões vivem em países sob estresse hídrico – ou escassez hídrica física.
“Estamos numa crise. Isso é alarmante”, afirma Ercin. “Ao mesmo tempo, os padrões de disponibilidade estão mudando: não vamos encontrar água onde mais precisamos dela, nem quando mais precisarmos.” Portanto, só será possível evitar secas severas ou áreas sob estresse hídrico se a água for usada com mais cuidado e eficiência. O que leva de volta às pegadas hídricas.
Pegadas hídricas desiguais
As pegadas hídricas dos diversos países variam significativamente, dependendo de suas atividades industriais e agrárias, e dos padrões de consumo da população.
Nos Estados Unidos, por exemplo, ela é de 7.800 litros diários por indivíduo – o dobro da média global. O consumo direto doméstico é 3,5% desse volume, ou 270 litros por dia.
Na Alemanha, esse consumo direto pessoal é de 125 litros, mas chega-se a 3.900 litros se levar-se em consideração a água virtual. Na Índia, a pegada total é de 3 mil litros diários, na China, 2.934 litros.
Na Índia, por exemplo, a dieta se baseia menos em carne, enquanto “nos EUA, há um grande setor de carne, um grande setor de consumo, o poder aquisitivo é grande”, observa Ercin, ressalvando que o consumo global pode subir drasticamente, caso chineses e indianos passem a consumir na mesma proporção que europeus e americanos.
15.400 litros para um quilo de carne, 12.760 para um smartphone
A agricultura é responsável por mais de 70% do consumo global de água. Produtos como vestuário e alimentos, oriundos da lavoura ou de animais que se alimentam de plantas cultivadas, necessitam muita água.
Derivados de carne e frutos secos contam entre os maiores “bebedores”. A Water Footprint Network estima que sejam necessários mais de 15.400 litros para produzir um quilo de carne bovina, por exemplo; enquanto para um quilo de frutos secos são 9.063 litros. Legumes e verduras aparecem no outro extremo da escala, com 322 litros por quilo.
Plantações de algodão igualmente precisam de muita irrigação: um relatório de 2015 da companhia Trucost, que monitora recursos não sustentáveis, estipulava que uma camiseta de malha envolve 3.900 litros d’água; enquanto a Water Footprint Network calculava 8 mil litros para uma calça jeans, considerando a irrigação das safras, conversão em tecido e confecção final.
Além disso, quase 20% do gasto global de água serve a fins industriais. Para fabricar um smartphone, por exemplo, são precisos 12.760 litros – o equivalente a 160 banhos. Muita água vai para a produção e montagem de componentes, em grande parte a fim de diluir poluentes liberados durante o processo de manufatura.
Como reduzir a pegada pessoal?
Apesar de o volume d’água usado individualmente seja ínfimo, comparado com o que vai para a indústria e agricultura, os consumidores têm algumas alternativas para reduzir suas pegadas hídricas.
Segundo Ertug Ercin, uma vez que a água está envolvida em todo processo de fabricação, a meta global deveria ser consumir menos, em geral. Isso inclui usar menos energia em casa, comprar produtos de segunda mão sempre que possível, reciclar, evitar desperdício de alimentos: “Toda comida que se desperdiça implica desperdiçar água indiretamente”, frisa.
Susanne Schmeier, professora associada de direito e diplomacia hídrica do IHE Delft Institute for Water Education, acredita que estar ciente da pegada hídrica da comida que se compra já faz uma diferença: os 132 litros de água por trás de cada xícara de café “são definitivamente algo a considerar, e com que se pode fazer um impacto ainda maior na Europa do que fechando a torneira enquanto se escovam os dentes”.
Beber menos café ou mudar para chá – que exige apenas 27 litros de água por xícara – é uma opção. Outra seria comer mais vegetais, em vez dos derivados de carne, cuja produção envolve muita água.
Selos de pegada hídrica e conexões tortuosas
Tem havido apelos para que as companhias adotem selos de pegada hídrica, semelhantes aos dados nutricionais dos itens alimentícios, a fim de aumentar a consciência pública sobre a água por trás de seus produtos, mas até agora não se chegou a um acordo.
“Acho que definitivamente faz sentido”, opina Schmeier. “A rotulagem é certamente um passo adiante para tornar mais consciente o consumidor aqui na Europa e nos EUA, e também mais apto a fazer suas próprias escolhas.”
No entanto, ressalva, a conexão da água com o comércio global e com os produtos que se compram é complicada, pois há outros fatores a se levar em conta quando se trata de bens envolvendo alto consumo d’água importados de outros países.
“Nós, na Europa, e também nos EUA, consumimos muita comida, assim como outros produtos, empregando recursos cultivados em outros países, inclusive regiões que sofrem escassez de água.”
“Do ponto de vista hídrico, talvez não devêssemos estar mais consumindo uvas da África do Sul. Por outro lado, elas são um setor econômico importante para o país, desesperadamente necessário, por exemplo, para promover os serviços de educação e saúde. Então acho que temos que ver os dois lados da moeda.”