Ambiente

Queimadas explodem na Amazônia após eleições 

Enquanto ICMBio paralisa fiscalização e empresas do setor agrícola apresentam  compromissos insuficientes na COP-27, desmatamento segue em alta e queimadas estão  fora de controle em diversos estados 

Logo após o segundo turno das eleições presidenciais, as queimadas dispararam de forma  descontrolada em diversos estados da Amazônia, de acordo com dados do Programa  Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O pior caso é o de  Rondônia, onde foram registrados 1.526 focos de queimadas entre os dias 1 e 10 de  novembro. O valor é cerca de 10 vezes mais alto que a média registrada nesse período entre  2012 e 2021 (149 focos).  

As queimadas também dispararam nos estados do Acre, Amazonas e Mato Grosso, enquanto  costumam reduzir neste período de início das chuvas. Em todos eles, os valores estão muito  acima das médias registradas entre 2012 e 2021 para os primeiros 10 dias de novembro. No Acre, embora o número de focos seja menor que em Rondônia, o aumento é ainda mais  assustador, com quase 22 vezes mais focos que a média (882 focos contra 40). No Mato  Grosso, foram 858 focos, mais de 3 vezes acima da média (226 focos). No Amazonas, foram  758 focos, número quase quatro vezes maior que a média (197 focos).  

O desmatamento também segue em alta na Amazônia. Os dados de outubro, divulgados pelo  INPE nesta sexta-feira (11), mostram que o bioma teve 904 km2 devastados no mês passado,  um valor 3% maior que o registrado em outubro do ano passado e 40% maior que a média  da série histórica do DETER (2015-2021). Com isso, o desmatamento acumulado entre 01  de janeiro e 31 de outubro deste ano é o maior valor da série histórica do DETER (desde  2015) com a destruição de 9.494 km2. O estado do Pará liderou o ranking de área desmatada,  sendo 3.253 km2 de floresta nativa perdidos desde o início do ano e 435 km2 no último mês 

(48% do total desmatado no bioma). Seguem Mato Grosso (150 km2), Amazonas (142 km2)  e Rondônia (69 km2). Dois municípios do Pará apresentam a maior perda florestal desde o  início do mês, sendo Pacajá (56 km2) e Portel (41 km2). As áreas de proteção que sofreram  maior pressão em outubro foram a Reserva Extrativista Chico Mendes no Acre e a Floresta  Nacional do Jamanxim no Pará ambas com 3 km2. 

“O aumento dos alertas de desmatamento e queimadas era esperado – ainda assim, os  números dos primeiros dez dias de novembro são assustadores. Enquanto em outubro, as  queimadas se mantiveram no mesmo patamar dos dois anos anteriores, o início de novembro  mostra claramente uma corrida desenfreada pela devastação em alguns estados. É urgente  que os sistemas de proteção da floresta sejam restabelecidos. O fogo é um dos principais  fatores de degradação no bioma Amazônia, além de ser responsável por milhares de  problemas respiratórios e internações a cada ano”, afirma Mariana Napolitano, gerente de  Ciências do WWF-Brasil. 

O aumento das queimadas e do desmatamento coincide com a ordem do governo federal para que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) reduzisse os  gastos com fiscalização em 80%. Desde o dia 1 de novembro, áreas do instituto vêm  recebendo mensagens com a ordem de “cancelar todas as operações de fiscalização que  dependem de recursos orçamentários (diárias, passagens, combustível, suprimento e outros)  planejadas para a primeira quinzena de novembro”. 

A explosão das queimadas e do desmatamento logo após o segundo turno das eleições  também parece confirmar os temores de ambientalistas, que previam uma aceleração dos  crimes ambientais nos últimos dois meses do ano, diante da expectativa de que o próximo  governo Lula recupere o sistema de proteção ambiental.  

“As queimadas estão explodindo nesse final de ano, em volume ainda maior do que o dos  últimos anos, que já foram os maiores em décadas, porque Bolsonaro está prestes a sair e  há uma sensação entre os que lucram com a ilegalidade que a janela de oportunidade está  se fechando. O novo governo terá muito trabalho para recolocar o país nos trilhos, para  acabar com essa percepção de que a Amazônia é uma terra sem lei. Terá que reestruturar o  Ibama, o ICMBio e a Polícia Federal, voltando a colocar pessoas com experiência nos cargos  mais importantes, recuperando o orçamento, retomando uma estratégia consistente para  combater o desmatamento e o crime organizado na região, que se fortaleceu durante os anos  de colaboração do governo Bolsonaro”, afirma Raul do Valle, especialista em Políticas  Públicas do WWF-Brasil 

Compromisso insuficiente 

Enquanto a Amazônia é palco dessa corrida pela destruição, grandes empresas que atuam  no setor agrícola – e que poderiam fazer a diferença para contribuir com o fim do  desmatamento – apresentaram um compromisso decepcionante na COP-27, em Sharm El  Sheikh, no Egito. 

Na segunda-feira, 7 de novembro, empresas que representam uma fatia dominante do  comércio global de commodities florestais e de risco ecossistêmico publicaram o “Roteiro 

para uma ação aprimorada da cadeia de suprimentos consistente com um caminho de 1,5ºC“.  O documento, porém, não leva à transformação profunda e urgente que é necessária para  eliminar a devastação ambiental das cadeias de suprimentos de commodities agrícolas,  apesar das demandas claras de um coletivo de organizações da sociedade civil brasileira e  internacional, publicadas em um Manifesto para o fim do desmatamento e da conversão,  endereçado às empresas e aos governos.  

Essas empresas são as principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa  geradas por meio do desmatamento e destruição de ecossistemas. Mas o compromisso  apresentado na COP-27 não tem uma data de corte clara para o desmatamento – data a partir  da qual o produto não será considerado em conformidade e livre de desmatamento – nem  metas adequadas para eliminar o desmatamento e a conversão das cadeias produtivas, como  a cadeia da soja. Também, as savanas como as do bioma Cerrado, que têm valor ecológico  e social muito significativo, ficaram fora do escopo da proposta para livrar as cadeias  produtivas do desmatamento e da conversão. 

Sem eliminar o desmatamento e a conversão de ecossistemas das cadeias de suprimentos,  será praticamente impossível reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa aos níveis  necessários para manter o aumento da temperatura média global abaixo de 1,5ºC – o que é  fundamental para evitar uma catástrofe climática, como aponta uma nota técnica elaborada  pelo WWF, e entregue aos negociadores climáticos da ONU na COP-27. 

Sobre o WWF-Brasil – O WWF-Brasil é uma ONG brasileira que há 26 anos atua  coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo  país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da  natureza. Estamos conectados numa rede interdependente que busca soluções urgentes  para a emergência climática. 

(#Envolverde)