Por DW Brasil –
Conselho presidido pelo ministro derruba quatro resoluções de preservação ambiental, duas delas de proteção às áreas de vegetação nativa. Esvaziado por Bolsonaro, Conama é controlado majoritariamente pelo governo.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou nesta segunda-feira (28/09) quatro resoluções que tratavam de preservação ambiental em todo o país, sendo duas delas referentes à proteção de áreas de vegetação nativa, como manguezais e restingas.
As decisões foram tomadas na 135ª reunião do conselho, que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Esvaziado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Conama é hoje controlado majoritariamente por ministérios e membros do governo federal, e conta com participação praticamente nula da sociedade civil.
As resoluções nº 302 e nº 303, derrubadas nesta segunda-feira, definiam regras rígidas de proteção às áreas de manguezais e restingas do litoral brasileiro, restringindo o desmatamento e a ocupação nesses locais de preservação ambiental. As normas entraram em vigor em 2002.
Os manguezais e restingas são regiões ricas em biodiversidade. Citados pela imprensa brasileira, especialistas disseram temer que a revogação das duas resoluções prejudique áreas sensíveis do meio ambiente marinho do país.
O fim dessas regras abre caminho, por exemplo, para a especulação imobiliária nas áreas de vegetação das praias do litoral brasileiro – as resoluções consideravam como áreas de preservação ambiental (APPs) as regiões de restinga de 300 metros a partir da linha do mar.
O Conama ainda revogou outras duas resoluções nesta segunda-feira. Uma delas, de 1999, proibia a queima de resíduos de agrotóxicos – como materiais de embalagem – em fornos usados para a produção de cimento. Isso porque a queima, além de liberar substâncias tóxicas na atmosfera, pode contaminar produtos de cimento produzidos mais tarde nesses fornos.
A regra seguia uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que lixos tóxicos sejam incinerados apenas em ambientes controlados, pois podem causar danos à saúde humana.
A outra resolução revogada, datada de 2001, previa a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para projetos de irrigação, definindo critérios de eficiência de consumo de água e energia para a aprovação desses empreendimentos.
Esse tipo de licenciamento é importante para que a retirada da água autorizada considere o impacto no ambiente do entorno, na vegetação, nas nascentes dos rios, no uso comunitário e coletivo da água. Mas agora a regra foi abolida.
Especialistas preveem diversos impactos negativos com a medida, especialmente na agricultura familiar, que é grande fonte de alimento saudável para o país.
“A crise socioambiental vai acelerar. Se não houver água, uma bacia hidrográfica fluente, todo o conjunto de biodiversidade será prejudicada”, disse Paulo Roberto Martini, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-conselheiro do Conama, em entrevista à DW.
O Ministério Público Federal (MPF) participou da reunião nesta segunda-feira, mas não tinha poder de voto. A representante do órgão, a procuradora regional da república Fátima Borghi, se posicionou contrária à revogação das resoluções, e afirmou que as decisões serão questionadas na Justiça. “Reitero que o MPF tomará as providências cabíveis”, disse a procuradora.
Segundo Borghi, as mudanças nas regras foram feitas sem as audiências públicas necessárias, e o Conama não tem competência jurídica para derrubar tais resoluções.
Esvaziamento do conselho
O Conama é o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente, sendo responsável pelas regras para uso dos recursos, controle da poluição e da qualidade do meio ambiente em geral.
O conselho foi alvo de um decreto controverso de Bolsonaro em 2019, que reduziu o número de cadeiras do órgão de 96 para 23 e praticamente anulou a participação da sociedade civil.
Com a reformulação, os ministérios da Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional, Casa Civil e a Secretaria de Governo mantiveram representantes no conselho.
A sociedade civil, que tinha 23 representantes no colegiado e contava com ambientalistas, membros de povos indígenas e tradicionais, trabalhadores rurais, policiais militares e corpos de bombeiros e cientistas, agora tem direito a apenas quatro cadeiras.
“O Conama é um órgão de proteção ambiental, e se a maioria dos assentos é dada para os que defendem interesses que nada têm a ver com o propósito de proteger o meio ambiente, as propostas vencedoras serão sempre as deles. Qualquer coisa proposta já passa, porque eles [o governo] têm maioria”, disse à DW José Leonidas Bellem de Lima, procurador do MPF em São Paulo.
Em nota nesta segunda-feira, a organização ambientalista Greenpeace afirmou que as revogações das resoluções são reflexo do esvaziamento do órgão e da limitação da participação da sociedade civil, promovidos pelo governo Bolsonaro.
“Enquanto as queimadas devastam nossos biomas e prejudicam nossa biodiversidade, a saúde e o sustento da população, o ministro Ricardo Salles, mais uma vez, mostra que, ao ser inimigo da participação social, o governo é inimigo da coletividade”, diz o texto.
Para o Greenpeace, com as mudanças nas regras ambientais a gestão Bolsonaro ainda mostra que “governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental, como o agronegócio, imobiliários e industriais”.
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