por Fermín Koop – do Dialogue Earth
Pelo menos 196 ativistas da terra, dos direitos humanos e do meio ambiente foram assassinados no ano passado enquanto tentavam proteger o planeta, segundo um novo relatório da organização britânica Global Witness. Cerca de 85% dos assassinatos ocorreram na América Latina — principalmente na Colômbia, no México e em Honduras, sendo os povos indígenas os mais afetados.
Com a recente atualização, já são 2.106 assassinatos de ativistas socioambientais desde 2012, quando a organização começou o levantamento. Mas o número possivelmente está subnotificado, segundo a autora principal do relatório, Laura Furones: “Os dados são dispersos, insuficientes, inacessíveis e, às vezes, totalmente inexistentes”.
Intitulado Vozes silenciadas: a violência contra as pessoas defensoras da terra e do meio ambiente, o documento destaca a posição da Colômbia como o país mais letal do mundo para ativistas socioambientais: foram pelo menos 79 assassinatos em 2023 — o recorde registrado pela Global Witness em um único ano. Ataques contra indígenas e afrodescendentes colombianos representaram quase 40% desses assassinatos.
Em agosto, a nação sul-americana deu um passo importante para tentar reverter esse cenário: após uma decisão favorável na Justiça, o país oficializou a ratificação do Acordo de Escazú, tratado ambiental da América Latina. O acordo visa proteger os ativistas socioambientais, promover o acesso à informação sobre o tema e garantir a participação popular na tomada de decisões relacionadas ao meio ambiente. Até agora, 17 países da região ratificaram o acordo, o que não inclui o Brasil.
“O Estado colombiano falhou em seu dever constitucional de proteger os ativistas. Deveríamos nos envergonhar desses números”, disse Astrid Torres, diretora da organização colombiana Somos Defensores. “O aumento dos assassinatos está diretamente ligado ao modelo econômico colombiano. Temos centenas de conflitos socioambientais ativos em todo o país”.
Tendências semelhantes são vistas no México e em Honduras, cada um com 18 ativistas mortos no ano passado. No México, as lideranças indígenas representaram 70% desses assassinatos. Em relação ao Brasil, o relatório destaca os avanços na proteção ambiental a partir do novo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva: o número anual de mortes no país caiu de 34 em 2022 para 25 em 2023 — mais da metade deles era indígena.
“Em toda a região, muitos governos criam narrativas estigmatizantes contra os ativistas: culpam as comunidades e as famílias em vez de investigar as empresas que operam nas zonas onde eles foram mortos ou ameaçados”, disse Alejandra Gonza, fundadora e diretora da Global Rights Advocacy.
Embora seja difícil estabelecer uma conexão direta entre o assassinato de um ativista e os interesses específicos de empresas ou grupos econômicos, o relatório identifica a mineração como o setor que causa o maior número de mortes. Pelo menos 25 ativistas mortos no ano passado eram opositores ferrenhos das operações de mineração — 23 deles só na América Latina, região com uma alta concentração de minerais críticos para a transição energética.
Riscos para a América Central
A Global Witness afirma que os ativistas socioambientais na América Central enfrentaram mais ataques per capita do que em qualquer outro lugar no mundo. Ao todo, 97% dos assassinatos da região ficaram concentrados em Honduras, Guatemala e Nicarágua. Em 2023, 36 ativistas foram mortos na América Central – ou seja, um a cada cinco assassinatos registrados no mundo ocorreu em uma região com menos de 1% da população mundial.
“Após a pandemia, houve um aumento nos projetos de infraestrutura e exploração, levando ameaças aos ativistas”, explicou César Artiga, representante civil de El Salvador no Acordo de Escazú. “Mas não é apenas o setor privado. Em alguns casos, as ameaças também vêm do Estado, que criminaliza os ativistas e promove campanhas de difamação”.
Conforme o relatório da Global Witness, a América Central está sujeita à exploração “insustentável” nos setores madeireiro e minerário. Diante da ausência de processos de consulta pública adequados, as comunidades são forçadas a resistir por conta própria. O caso mais recente foi o do Panamá, onde a Justiça cancelou a renovação de um contrato de mineração após manifestações massivas que paralisaram o país por um mês.
Os autores do levantamento observam que os regimes autoritários em expansão na América Central têm deixado impunes as elites políticas e econômicas que usam a violência para controlar os recursos naturais. A região resguarda de 5 a 12% da biodiversidade global em seus diferentes ecossistemas tropicais, que cobrem uma estreita faixa de terra entre as costas do Pacífico e do Atlântico.
“Esses regimes trabalham em conjunto com as elites econômicas, aquelas que mandam de verdade nos territórios. Ambos tiram proveito da exploração dos recursos naturais”, disse Bertha Zuñiga Cáceres, ativista hondurenha. Sua mãe, Berta Cáceres, notável ativista e líder indígena que comandou a resistência contra os projetos de uma hidrelétrica no país, foi assassinada em 2016. “É de partir o coração não encontrar Justiça para os ativistas do meio ambiente na região”, completou.
Próximos desafios
O relatório Vozes silenciadas cobra dos governos a criação de um espaço seguro para os ativistas ambientais, para exercerem livremente suas atividades sem temer por suas vidas. Os autores pedem ainda a aplicação de leis e instrumentos jurídicos existentes, como o Acordo de Escazú e a Convenção de Aarhus.
Na cúpula anual do Acordo de Escazú, realizada em abril no Chile, os países-membros aprovaram um plano para proteger os ativistas do meio ambiente. Esse plano ainda não foi implementado. Ao mesmo tempo, outro grupo de nações — que inclui a Costa Rica, a República Dominicana e o Peru — segue rejeitando a ratificação do Acordo de Escazú. Para esses governos, o tratado seria uma carta contra o desenvolvimento.
“Mesmo alguns países que assinaram o acordo não parecem ter um senso de urgência para ratificar o Escazú”, disse Artiga. “Eles não estão agindo rápido o suficiente para a implementação das ações contempladas no acordo”.
Para desenvolver melhores mecanismos de aplicação do tratado, o relatório também solicita aos governos que identifiquem, documentem e analisem sistematicamente os ataques contra os ativistas socioambientais. O documento destaca que a coleta de dados deve ser transparente e participativa, pois muitas vezes os próprios ativistas são os responsáveis por guardar os detalhes sobre esses casos.
O levantamento da Global Witness também cobra das empresas a implementação de procedimentos para identificar e mitigar danos contra ativistas em todas as suas operações, como análises de risco. Além disso, ela pede tolerância zero para ataques e represálias contra ativistas, bem como a exigência dos mesmos padrões socioambientais para fornecedores.
“À medida que a crise climática acelera, aqueles que usam sua voz para defender corajosamente nosso planeta são recebidos com violência, intimidação e morte. Isso é simplesmente inaceitável”, disse a pesquisadora Laura Furones. “Os governos não podem ficar de braços cruzados; eles devem tomar medidas decisivas para proteger os ativistas e abordar os fatores ligados à violência”.
Fermín Koop é editor-adjunto para a América Latina no Dialogue Earth. Baseado em Buenos Aires, Argentina, ele começou a trabalhar na organização como freelancer em 2014. Fermin também é instrutor da Earth Journalism Network e professor da Universidade Argentina de Empresas. É mestre em meio ambiente e desenvolvimento pela Universidade de Reading, no Reino Unido, pós-graduado em direito e economia das mudanças climáticas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e bacharel em jornalismo pela Universidade do Salvador, de Buenos Aires. Trabalhou para veículos como Buenos Aires Herald, Nature e SciDev, além de prestar consultoria para a ONU e a Universidade de Oxford. Ele fala espanhol e inglês. Além da produção e edição de reportagens, seu trabalho no Dialogue Earth envolve planejamento editorial e desenvolvimento de projetos especiais.