Grupo de elite da climatologia quer que governos considerem risco de planeta esquentar de 4 a 7 graus Celsius, o que causaria o colapso da civilização; análise começa a ser feita no Brasil
Por Claudio Angelo, do OC –
Um vídeo exibido a uma plateia pequena na última segunda-feira, em Brasília, mostrava sem eufemismos o que poderia acontecer com o planeta caso o aquecimento global saísse de controle e atingisse o patamar de 4oC a 7oC. Imagens de florestas queimando, lavouras mortas e inundações se sucediam enquanto uma narradora vaticinava “mortes em massa para pessoas que não tiverem ar-condicionado 24 horas por dia” e “migrações forçadas”. “Nos tornaremos parte de um ambiente extinto”, sentenciou. O fato de que a cidade passava por uma onda de calor, tendo registrado dias antes a maior temperatura desde sua fundação, ajudava a compor a atmosfera.
Num pequeno palco, em poltronas brancas, um grupo formado em sua maioria por homens de meia idade assistia à exibição. Entre eles estavam alguns membros da elite da ciência do clima, como Carlos Afonso Nobre e José Marengo, membros do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, e Sir David King, representante para Mudanças Climáticas do Reino Unido.
Até não muito tempo atrás, esses mesmos homens descontariam como alarmismo ou ficção científica as afirmações do vídeo. Hoje, são as pesquisas deles que embasam os cenários de apocalipse pintados ali.
Os cientistas reunidos em Brasília fazem parte de um grupo internacional reunido por David King em 2013 para tentar produzir uma avaliação de riscos de mudanças climáticas extremas. O trabalho foi iniciado nos EUA, na Índia, na China e no Reino Unido e agora começa a ser feito no Brasil. Ele parte do princípio de que a probabilidade de que o aquecimento da Terra ultrapasse 4oC é baixa, mas as consequências potenciais são tão dramáticas que os governos deveriam considerá-las na hora de tomar decisões sobre corte de emissões e adaptação.
“Trata-se de uma visão muito diferente da mudança climática”, afirmou King, um físico sul-africano que serviu durante anos como conselheiro-chefe para ciência do primeiro-ministro Tony Blair. “O IPCC fez um ótimo trabalho, mas é preciso uma avaliação do risco de que aconteça algo catastrófico ligado à mudança climática.”
Ele citou como exemplo os piores cenários de mudança climática projetados para a China: elevações do nível do mar que afetassem a costa leste do país, lar de 200 milhões de pessoas, quebras da safra de arroz – que têm de 5% a 10% de chance de ocorrer mesmo com elevações modestas na temperatura – e ondas de calor que estejam acima da capacidade fisiológica de adaptação do ser humano.
“Com mais de três dias com temperaturas superiores a 40oC e muita umidade você não consegue compensar o calor pela transpiração e morre”, afirmou King.
Com um aquecimento de 4oC a 7oC, estresses múltiplos podem acontecer de uma vez em várias partes do mundo. “Estamos olhando para perdas maciças de vidas”, afirmou King. “Seria o colapso da civilização.”
Rumo ao 4°C
Os modelos climáticos usados pelo IPCC projetam diferentes variações de temperatura de acordo com a concentração de gás carbônico na atmosfera. Esses cenários se chamam RCP, sigla em inglês para “trajetórias representativas de concentração”, e medem quanto muda o balanço de radiação do planeta, em watts por metro quadrado. Eles vão de 2.6 W/m2 – o cenário compatível com a manutenção do aquecimento na meta de 2oC, considerada pela ONU o limite “seguro” – a 8.5 w/m2, que é para onde o ritmo atual de emissões está levando a humanidade.
“O RCP 8.5 nos dá quase 100% de probabilidade de o aquecimento ultrapassar os 4oC no fim deste século”, afirmou Sir David King. E quais seriam as chances de mais de 7oC? Até o fim do século, baixas. “Eu sou velho, então estou bem. Mas tenho dois netos que vão viver até o fim do século, e eles vão querer ter netos também. Não ligamos para o futuro?”
Segundo Carlos Nobre, avaliar e prevenir riscos de um aquecimento extremo é como comprar um seguro residencial: mesmo com probabilidade baixa de um desastre, é algo que não dá para não fazer, porque os custos do impacto são basicamente impossíveis de manejar.
Para o Brasil, esses riscos são múltiplos: vão desde a redução em 30% da vazão dos principais rios até o comprometimento do agronegócio e extinção de espécies. Cenários regionais traçados a partir dos modelos do IPCC já apontam para aquecimentos de até 8oC em algumas regiões do país neste século, o que tornaria essas áreas essencialmente inabitáveis por longos períodos.
“Mesmo se limitarmos as emissões a 1 trilhão de toneladas de CO2, [limite compatível com os 2oC] ainda podemos ultrapassar os 3oC”, afirmou o cientista, atualmente presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Segundo ele, não há outro caminho a tomar que não seja limitar as concentrações de CO2 na atmosfera a 350 partes por milhão. Ocorre que já ultrapassamos as 400 partes por milhão em 2014, e os compromissos registrados pelos países para o acordo de Paris não são capazes nem mesmo de garantir o limite te 1 trilhão de toneladas.
Única mulher do painel, Beatriz Oliveira, da Fiocruz, apontou o risco de muita gente no Brasil literalmente morrer de calor, em especial nas regiões Norte e Nordeste. “Você poderia ficar exposto e realizar atividades externas no máximo por 30 minutos. O resto do dia teria de passar no ar-condicionado”, disse.
Questionada pela plateia ao final do evento, a pesquisadora mencionou um único lado positivo do aquecimento extremo: a redução na incidência de doenças transmitidas por insetos, como a dengue. “Nem o mosquito sobrevive”, disse. (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Observatório do Clima.