Política Pública

Argentina endurece política de imigração

Por Daniel Gutman, da IPS – 

Buenos Aires, Argentina, 8/2/2017 – A medida do governo argentino de endurecer a política para os imigrantes e estabelecer a expulsão expressa para acusados de crimes ou em situação irregular recebe críticas por criminalizar os estrangeiros e romper uma política para o setor aplaudida internacionalmente. Precisamente, a Argentina é considerada um país de imigrantes, porque a maior parte da população descende dos estrangeiros que chegaram em massa no fim do século 19 e começo do 20.

Uma manifestação a favor dos direitos dos imigrantes na Argentina, em 2016, na Avenida de Mayo, em Buenos Aires. Em 2003, uma lei lhes garantiu direitos à assistência social e atenção sanitária, sem importar sua situação legal, mas agora enfrentam novas medidas contrárias. Foto: Cortesia da Rede Nacional de Líderes Migrantes

 

Além disso, mais recentemente, no final de 2003, foi sancionada a Lei de Migrações, qualificada como “exemplo mundial” pelo então diretor da Organização Internacional para as Migrações, Brunson Mc Kinley. Essa lei, entre outras coisas, garante o direito a atenção sanitária e assistência social para todos os estrangeiros, sem importar sua situação migratória. Porém, muitos acreditam que essa realidade mudou abruptamente no dia 30 de janeiro, a partir de uma decisão do governo.

Nesse dia foi divulgado um decreto do presidente Mauricio Macri, que permite a expulsão em trâmite sumário de qualquer estrangeiro acusado em uma investigação penal ou que tenha entrado ilegalmente no país. O governo de centro-direita afirma que essas medidas eram necessárias – segundo se lê nos fundamentos do decreto – para enfrentar “fenômenos atuais como globalização, internacionalização do turismo e crescimento do crime organizado internacional”.

Entretanto, organizações humanitárias e de migrantes destacam que se busca associar os imigrantes com o crime, o que prejudicará somente os vulneráveis, sem afetar os poderosos, e que assim se estimula a xenofobia. Há anos, as pesquisas mostram que a insegurança da sociedade é a primeira ou segunda preocupação dos argentinos. Uma pesquisa da Universidade Católica Argentina, divulgada em novembro, mostra que nove em cada dez entrevistados temem ser vítimas de um crime.

“Até agora, só se podia expulsar do país o estrangeiro que cometesse um crime grave, pelo qual coubesse uma condenação superior a três anos de prisão, como lavagem de dinheiro ou um roubo violento”, recordou Diego Morales, do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), uma organização de direitos humanos criada durante a última ditadura militar (1976-1983). “Esse novo decreto, no entanto, prevê a expulsão para todos os crimes que tenham pena de prisão, por exemplo, lesões leves ou resistência à autoridade”, apontou à IPS.

O governo nega que queira fechar a porta aos estrangeiros e há pouco divulgou o dado de que, em 2016, primeiro ano de gestão de Macri, foi concedida residência definitiva no país a 215 mil pessoas. Trata-se de “ser hospitaleiro e aberto com todos os cidadãos do mundo que queiram vir a se somar ao esforço diário dos argentinos e serem profundamente restritivos com os que venham a cometer crimes no país”, explicou o diretor nacional de Migrações, Horacio García.

Na Argentina, três quartos dos imigrantes procedem de Paraguai, Bolívia e Peru, os mais afetados pelas novas medidas que permitem a expulsão expressa de qualquer acusado por qualquer delito punido com prisão. Foto: Cortesia da Rede Nacional de Líderes Migrantes

 

A duração dos processos de expulsão de estrangeiros que cometeram crimes graves é uma das principais preocupações do governo. Segundo o decreto, hoje podem demorar até sete anos. O governo citou o caso de Marco Antonio Estrada González, um peruano com várias condenações por narcotráfico que estava sob liberdade condicional e, segundo a justiça, continua vendendo drogas em um dos assentamentos precários mais povoados de Buenos Aires.

No entanto, entre os que desconfiam das verdadeiras intenções de Macri está o presidente boliviano, Evo Morales, que exortou seus colegas latino-americanos a “não seguirem as políticas migratórias do Norte”, em referência às medidas contra coletivos de estrangeiros adotadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Além disso, no dia 6, uma delegação da Bolívia chegou a Buenos Aires para manter encontros com a chancelaria argentina e outras autoridades a fim de avaliar o impacto do decreto na comunidade boliviana no país.

De acordo com os dados do último censo, realizado em 2010, a Argentina tem 40 milhões de habitantes, dos quais 1,8 milhão são estrangeiros, embora se saiba que as duas cifras aumentaram desde então. A maioria dos imigrantes procede de Paraguai, Bolívia e Peru, que respondem por três quartos dos estrangeiros no país.

A medida do governo foi tomada depois da comoção gerada no dia 24 de dezembro pela morte, em Buenos Aires, de um adolescente de 14 anos, que estava no automóvel com seu avô e foi baleado na cabeça por dois ladrões que tentavam roubar duas mulheres. Um dos detidos como supostos autores desse crime era um adolescente peruano de 15 anos, que foi declarado inimputável por causa de sua idade e acabou deportado para seu país.

Mas, se a pergunta é qual é a participação real dos imigrantes nos casos de insegurança, a questão não está nos números, mas em sua interpretação. “A população de estrangeiros sob custódia do Serviço Penitenciário Federal aumentou nos últimos anos, chegando em 2016 a 21,35% da população carcerária total”, diz o decreto que modifica a Lei de Migrações de 2003.

Entretanto, Jennifer Wolf, chefe da área de estrangeiros em prisões da Procuradoria Penitenciária, órgão que protege os direitos humanos dos detidos, explicou à IPS que “a grande maioria de estrangeiros presos em prisões federais esteve envolvida em crimes não violentos. São, principalmente, o último elo na cadeia do narcotráfico, não são narcotraficantes”.

“Por outro lado, nas prisões federais a porcentagem de estrangeiros oscilou entre 19% e 21% entre 2006 e 2014, subiu para 23% em 2015 e caiu para 21% no ano passado. Paralelamente, o número total de presos teve aumento constante nos últimos anos”, pontuou Wolf. Segundo o Ministério da Justiça, no final de 2016, dos 3.804 presos em prisões federais com base na lei de drogas, 1.284 (quase 34%) são estrangeiros. Entre eles há 428 paraguaios, 326 peruanos e 273 bolivianos.

Porém, para Wolf, “é preciso olhar as estatísticas de presos em todo o país, que incluem as prisões provinciais: o ano passado terminou com 4.449 presos estrangeiros, que é aproximadamente 6% da população carcerária total da Argentina”. Mais de 130 organizações que defendem os direitos dos migrantes pediram uma audiência com o chefe do Gabinete de Ministros, Marcos Peña, para expressarem sua “preocupação” pela decisão oficial.

Também pediram que a questão seja debatida eventualmente no Congresso, já que o governo decidiu adotar a medida por decreto, durante o recesso parlamentar, argumentando que “existe uma situação crítica que pede a adoção de medidas urgentes”.

“Esse decreto habilita a perseguição dos estrangeiros por parte da polícia. Corria o rumor há algum tempo de que medidas desse tipo estariam por vir. Mas nunca imaginamos que poderia ser algo tão forte”, ressaltou à IPS um filho e neto de chilenos, Alfonso Rojas, que integra a direção da Rede Nacional de Líderes Migrantes, que agrupa organizações de todo o país. Envolverde/IPS