Por Amy Fallon, da IPS –
Daca, Bangladesh, 30/9/2016 – “Avijit não era um ativista da rua, ele usava sua caneta para protestar contra as injustiças sociais e o fanatismo religioso e para difundir ideias seculares, seu tema central”, afirmou seu pai, Ajoy Roy, usando o tradicional sarongue, em sua casa de Bangladesh.
“Uma perda terrível que não pode ser compensada”, lamentou o professor de física, que aos 80 anos mantém uma grande agudeza mental. Como na sala de visita de qualquer família, na de Ajoy há muitas fotos, destacando-se uma de seu filho mais velho, Avijit,pendurada em uma parede verde-claro em um lugar central, onde Ajoy passa muito tempo sentado tomando chá.
Avijit foi um conhecido escritor e bioengenheiro bengali, assassinado por suas crenças, junto a muitos outros ateus, entre escritores,blogueiros, editores, além de ativistas gays e religiosos assassinados nos últimos anos por supostos militantes islâmicos nesse país de maioria muçulmana.
Mais de 50 escritores, ativistas e outras pessoas foram assassinadas em Bangladesh desde 2013, segundo a organização HumanRightsWatch (HRW).Avijit foi morto em fevereiro de 2015, aos 42 anos, também era cidadão norte-americano e vivia com sua esposa, Rafida Ahmed, nos Estados Unidos, quando viajou à capital de Bangladesh para uma feira do livro.
Em julho deste ano, 23 pessoas morreram, entre elas 17 estrangeiras, em uma padaria da zona diplomática de Daca, em um dos piores atentados terroristas no país.Cinco dos supostos responsáveis por esse ataque morreram no confronto com a polícia, um dos sobreviventes ficou detido preventivamente, e outro foi preso, segundo informou o jornal DhakaTribune.
O suposto cabeça e seus dois cúmplices morreram depois, em uma operação policial em agosto deste ano. Mas continuam foragidos o coordenador, o fornecedor das armas e os que financiaram o ataque.E, após o assassinado de dois defensores dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), XulhazMannan e MahbubRabbiTonoy, em abril, a pressão internacional pela onda de assassinatos levou o governo a deter cerca de 14 mil pessoas.
A diretora para Ásia da HRW, MeenakshiGanguly, explicou que, embora tenham ocorrido mais atentados após os assassinatos na padaria, “preocupa o fato de as medidas enérgicas levem à perseguição arbitrária de suspeitos habituais”.Em Bangladesh, ainda há um “clima de medo” entre escritores e integrantes de minorias. “Alguns puderam abandonar o país, mas muitos dos que permaneceram temem que o governo não faça o suficiente para protegê-los”, acrescentou.
Por sua vez, Maruf Rosul, de 29 anos, escritor, fotógrafo, cineasta e ativista que escreve em vários meios, como o site Mukto-Mona, criado por Avijit e mantido por seus sucessores, garantiu que os extremistas islâmicos foram silenciados.“Mas o governo não tomou as medidas adequadas para eliminar essas forças malignas”, afirmou, dizendo figurar em umalista de objetivos de um grupo extremista, mas que, como “ativista de fronteira”, não pode se esconder. “Preocupo-me com meu futuro”, ressaltou à IPS.
Seu nervosismo aumenta na medida em que se aproxima Durga Puja, o maior festival religioso da comunidade hindu da Ásia meridional, que começará no dia 7 de outubro.Rosul recordou que, “todos os anos durante esse festival, os extremistas islâmicos realizam ataques em Bangladesh e que as autoridades não fazem nada além de emitir declarações compadecidas”. ao recordar o alfaiate hindu morto a facadas em abril, destacou à IPSque, “como não há uma ordem pública sólida, nos preocupamos com nossos amigos hindus”.
Além disso, em meados de novembro acontecerá a 6ª edição do Festival Literário de Daca, que está em plena preparação, explicou à IPS seu diretor, AhsanAkbar. A onda de assassinatos faz com que os “escritores, infelizmente, se autocensurem e pensem duas vezes sobre o que vão escrever e publicar”, lamentou.
SegundoAkbar, “os escritores bengali que estão fora do país são profundamente solidários e fazem muitas coisas para gerar consciência em escala internacional, como é o caso do Pen International”.E observou que“é surpreendente como, às vezes, nos esquecemos da interconectividade de tudo isto: um ataque contra um escritor em Bangladesh é, de certa forma, um ataque contra um escritor no Ocidente, e, de fato, em qualquer outro lugar”.
Por sua vez, OlofBlomqvist, da Anistia Internacional, pontuou à IPS que as investigações sobre os assassinatos avançam e foram feitas detenções relacionadas com alguns dos casos. A verdadeira justiça vai demorar, mas preocupa que só tenham sido processados os responsáveis por um caso, o da morte de Rajib Haider, em 2013.
“As autoridades devem garantir que todos os responsáveis sejam julgados, mas também fazer mais para proteger as pessoas em risco”, acrescentouBlomqvist. “Ainda recebemos pedidos semanais de pessoas que receberam ameaças e temem por suas vidas se permanecerem em Bangladesh”, prosseguiu.“A polícia deve criar um clima no qual os ativistas ameaçados se sintam seguros para se aproximar da polícia e não temam sofrer mais assédios”, afirmou.
Ganguly, por sua vez, apontou que, para evitar mais ataques, as autoridades devem difundir a mensagem de que acreditam na “livre expressão em paz e não a de recomendar às pessoas em risco a se autocensurarem para evitar ferir sentimentos religiosos e acabar alvo de represálias”.
Em 2015, após o assassinato do escritor NiladriChatterjeeNiloy, o chefe de polícia alertou os blogueiros que “ferir sentimentos religiosos é um crime”. A polícia matou um dos principais suspeitos do assassinato de Avijit em junho, mas, segundo disseram, outros dois fugiram.
Após a morte de seu filho,Ajoy teve que se esconder porque, como contou, Avijit havia recebido várias ameaças de extremistas nas semanas anteriores à sua morte e foi advertido para não regressar a Bangladesh.Entretanto, ele continuava com seu ativismo contra os fundamentalistas e recebeu vários convites de diferentes instituições. “Não tenho medo. Perdi meu filho. Depois disso nada importa”, enfatizouAjoy.
Também queria que Avijit fosse lembrado como um “homem valente, que enfrentaria qualquer situação difícil pela democracia, pela laicidade e pelo livre pensamento. Seu desejo era que as gerações mais jovens seguissem seus passos”, acrescentou o pai.
“Não desestimularia esses jovens valentes a escreverem bloguespara expressar suas ideias, porque Bangladesh é um país constitucional, laico e democrático e devemos defender a Constituição”, destacouAjoy. “Devemos fazer com que as pessoas compreendam que este não é um país contrário aos muçulmanos, mas que é liberal. Embora haja muitos muçulmanos aqui, também são liberais”, concluiu.
A IPS não consegui contato com a polícia nem com porta-vozes do governo.Envolverde/IPS