O assentamento Vale do Amanhecer é e referência por conseguir aliar conservação ambiental e geração de renda, com aumento da qualidade de vida das famílias assentadas.
Por Maiana Diniz*
Situado na região do Arco do Desmatamento, no noroeste de Mato Grosso, o município de Juruena abriga o Vale do Amanhecer, um assentamento com 140 km² de área onde vivem 250 famílias.
Implantado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 1999, o local é um caso raro de sucesso entre assentamentos de reforma agrária na região, tornando-se modelo e referência por conseguir aliar conservação ambiental e geração de renda, com aumento da qualidade de vida das famílias assentadas.
Na etapa de regularização, foi criada uma reserva legal comunitária, com área de 72 km², equivalente a 7,2 mil campos oficiais de futebol. A Floresta do Vale, como é chamada, é um importante reduto da vegetação nativa e tem garantido renda sustentável aos assentados. O local tem alto potencial para o extrativismo, com cerca de 2,5 mil castanheiras.
A região de Juruena tem grande relevância ambiental por ser um ecótono, área de transição entre dois biomas, o cerrado e o amazônico. “As áreas de transição de ecossistemas abrigam espécies endêmicas, ou seja, que só existem aqui. Se a vegetação não for protegida, essas espécies podem ser extintas”, explica o engenheiro agrônomo Paulo César Nunes, um dos precursores do desenvolvimento sustentável na região.
Os assentados não lucram com a madeira. A ideia é trabalhar somente com produtos florestais não madeireiros. “A castanha é abundante e ainda há outras possibilidades, como a copaíba, o jutaí, jatobá e cumaru. Nem 20% do potencial dos recursos da floresta são explorados”, estima Paulo Nunes.
O assentado Antonio Bento de Oliveira e o filho Alexandre, naturais de Niquelândia (GO), coletaram cerca de 2 mil quilos de castanha na reserva comunitária na safra 2015/2016. “Estou ganhando mais com a castanha do que com o leite. No sítio eu tenho horta e mexo com pecuária de leite, mas a castanha rende mais”, diz, alegando que o sítio é pequeno para sustentar uma família de quatro filhos.
As propriedades do Vale do Amanhecer têm 24 hectares de terra, equivalente a 24 campos de futebol. Oliveira tem 25 cabeça de gado no sítio que comprou em 2004, quando os primeiros donos, que ganharam a terra, decidiram partir após explorar a madeira da propriedade. “Se não fosse essa organização em torno da castanha, ninguém estava mais aqui”, aposta Oliveira.
Ele conta que a vida de extrativista não é fácil. “Em primeiro lugar, tem que andar na mata fechada. Precisa tomar cuidado com cobra e outros animais e para não ser atingido por ouriços que caem da castanheira e podem matar.” A árvore pode chegar a 50 metros. Os extrativistas catam no chão os ouriços, uma espécie de casca, rígida, que protege as castanhas. Com o uso de um facão grande quebram e retiram as castanhas, protegida por outra casca. Depois precisam carregar as castanha in natura, pois não há como entrar com veículos na Floresta do Vale.
Os castanhais não têm donos, quem chegar primeiro pode pegar a castanha. “Só os assentados podem pegar, mas não dá briga. Tem para todos”, afirma Oliveira.
A venda da castanha é garantida. A produção é comprada pela Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), criada pelos assentados em meados de 2008 para beneficiar e comercializar o produto. A cooperativa tem 67 sócios registrados e compra castanha de cerca de 1,5 mil famílias de extrativistas que deixaram de vender o produto a preço baixo para atravessadores. Entre os vendedores estão os povos indígenas Apiaká, Caiaby, Munduruku e Cinta Larga. Antes da safra, a Coopavam define e informa o volume que será adquirido.
Pelo projeto Doação Simultânea, firmado no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a Coopavam vende parte da produção para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que doa os alimentos para merenda escolar, redes de atendimento socioassistencial, restaurantes populares e cozinhas comunitárias. Essa castanha é usada para alimentar 42 mil pessoas em situação de risco de insegurança alimentar e nutricional em oito municípios do noroeste do estado, segundo a Coopavam. Além disso, a cooperativa negocia com grandes empresas, entre elas, Jasmine, Mãe Terra e Natura.
Em 2008, os atravessadores pagavam cerca de R$ 0,50 pelo quilo da castanha. No mesmo ano, a Coopavam começou a atuar pagando R$ 1,20 por quilo. Na safra de 2015/2016, pagou R$ 3,50 pelo quilo da castanha in natura. Até abril, a cooperativa já havia adquirido 80 toneladas de castanha.
Além do trabalho extrativista, os assentados também podem trabalhar na fábrica de beneficiamento da cooperativa durante o período da safra. Antônio Oliveira, por exemplo, extrai e agora trabalha na quebra da castanha por diária. A quebra consiste em retirar a casca. Eles ganham de acordo com a produção, os sócios da cooperativa R$ 1,90 por quilo e os não sócios, R$ 1,40. A quantidade de trabalhadores varia. “Trabalhando todos os dias, em dois turnos, dá para tirar uns R$ 3 mil por mês”, diz Oliveira.
Os cuidados de higiene nas instalações chamam a atenção. Todos trabalham uniformizados e os cooperados estão capacitados para as atividades de secagem, seleção, quebra, torragem e embalagem da castanha. A cooperativa também tem galpões para estocagem. Só a etapa de secagem eleva o preço em 30%. A castanha embalada é vendida por cerca de R$ 30, o quilo.
A presidente da Coopavam, Luzirene Lustosa, afirma que todas as decisões são tomadas de forma coletiva. “A administração e logística do negócio é comandada por assentados”. Segundo ela, novas ideias têm surgido entre os cooperados para expandir e qualificar o negócio. A expectativa é que este ano negociem de 200 a 300 toneladas do produto.
Ajuda externa é bem-vinda frente a pouca consciência ambiental e resistência ao extrativismo
O Vale do Amanhecer é o único assentamento do Brasil que tem a reserva legal homologada e todas as castanheiras georreferenciadas. “É a única floresta realmente protegida e monitorada em assentamentos do país”, orgulha-se Paulo César Nunes, coordenador geral e idealizador do projeto Sentinelas da Floresta, que viabiliza a estruturação de uma nova cadeia produtiva para a região, alternativa à da madeira.
Assentados reconhecem que o projeto Sentinelas da Floresta, da Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), foi vital para viabilizar a organização dos assentados e indígenas para a criação da cadeia econômica da castanha em Juruena, inclusive com a implantação da fábrica de beneficiamento do produto. O projeto envolve duas associações de assentados e quatro de povos indígenas, atuando em todas as etapas da profissionalização da cadeia produtiva. “Sem o projeto, talvez não tivéssemos nem reserva comunitária. Também não teríamos conseguido acessar crédito nem montar a estrutura da fábrica”, avalia a cooperada Leonilda Grassi Bus.
Atualmente o projeto é financiado pelo Fundo Amazônia, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A iniciativa é premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Fundação Banco do Brasil e já recebeu apoio do Programa Petrobras Socioambiental e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), além do governo federal.
Nunes conta que levou anos para conscientizar os assentados de que investir na castanha valia a pena. “É uma questão cultural mesmo. Quem trabalha por muito tempo com pecuária, por exemplo, acha que o futuro é aquele.” Ele argumenta que os assentados ainda precisam de apoio externo para se organizar e gerenciar o empreendimento, mas destaca que é importante fomentar o surgimento de novas lideranças que possam conduzir os negócios sem ajuda. “Demos passos grandes, mas a caminhada é longa”, avalia.
Segundo Paulo Nunes, a prioridade da cooperativa é qualificar mais pessoas para trabalhar na administração e gestão dos contratos. “A parte da produção já está muito avançada, mas a parte negocial pode evoluir”, avalia. A castanha produzida pela cooperativa tem certificação orgânica reconhecida no mercado interno e externo. (Agência Brasil/ #Envolverde)
* Os repórteres Maiana Diniz e Marcelo Camargo viajaram a convite da ANDI – Comunicação e Direitos, pelo projeto Mídia e Amazônia.
** Publicado originalmente no site Agência Brasil.