Por Ivet González, da IPS –
Havana, Cuba, 28/10/2016 – A doadora Aliana Martínez atravessa o labirinto de escadas e corredores que levam ao único Banco de Leite Humano (BLH) da capital cubana, que recebe doações, pasteuriza, controla a qualidade e distribui o alimento a bebês hospitalizados. Martínez, de 30 anos, teve seu primeiro filho há pouco mais de um mês no Hospital Materno Infantil 10 de Outubro, em cujo terraço fica o banco Fonte de Vida.
O bebê de ela nasceu com baixo peso e apresentou algumas complicações. “Estamos esperando o resultado de um exame para irmos para casa”, contou à IPS a mãe de primeira viagem. “Antes não tinha conhecimento sobre os bancos de leite”, disse Martínez, engenheira em telecomunicações, antes de fazer sua nona doação. “Meu filho recebeu leite daqui nos primeiros dias de nascido porque eu não tinha e agora compartilho o que sobra após alimentá-lo”, afirmou.
Com cuidado, Martínez lava seus seios, cobre o cabelo, nariz e boca com material esterilizado e veste uma bata com desenho especial para comodidade da doadora e para evitar contaminações. “Moro muito longe, por isso não poderei doar mais depois que formos embora”, lamentou.
A rede cubana de BLH começou a ser articulada em 2005, graças a um projeto de transferência de tecnologia do Brasil, país líder da América Latina nessa área, e ao financiamento de agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e fundações. Inclui capacitação do pessoal local e aquisição de equipamento. Em 2005, apenas 32 recém-nascidos foram beneficiados com leite humano pasteurizado, porque não existia nenhum centro para esse fim em Cuba.
Esse número foi crescendo depois que, em 2011, começaram a funcionar os primeiros seis bancos. No ano passado, 1.277 meninos e meninas receberam esse alimento. “Processamos o leite necessário para atender as crianças do hospital em situação crítica e com baixo peso”, explicou a enfermeira Asunción Tellez, que faz a coleta e pasteurização. “Temos alguma sobra que enviamos para outros hospitais, mas produziríamos mais com melhor transporte para coletar nas comunidades”, afirmou.
Hoje funcionam nove BLH em igual número de províncias cubanas: Pinar del Río, Havana, Sancti Spíritus, Camagüey, Las Tunas, Granma, Holguín, Santiago de Cuba e Guantânamo. E as autoridades sanitárias estudam habilitar até 2018 outros dois, em Matanzas e Cienfuegos.
“Não creio que todas as províncias necessitem de um banco de leite humano, mas desenvolveremos mais na medida da disponibilidade econômica do país e da continuidade do projeto”, informou à IPS Roberto Álvarez Fumero, pediatra e chefe do Departamento Materno Infantil do Ministério de Saúde Pública. Cada uma dessas instalações custa US$ 71.739, que cobrem a formação do pessoal e a compra de equipamento, mobiliário e insumos de laboratório.
Fumero pontuou que, para habilitar um banco, é dada prioridade às províncias com alta prevalência de anemia em menores de cinco anos e às que contam com hospitais que possuem serviços de cirurgia neonatal e atenção a recém-nascidos com peso inferior a 1,5 quilo. “A amamentação materna exclusiva e seu início imediatamente depois do parto é fundamental para prevenir a anemia”, explicou o pediatra.
“E as crianças submetidas a cirurgia por anomalias congênitas, prematuras ou com baixíssimo peso, entre outros casos graves, não poderiam ser amamentadas porque precisam ser separadas de suas mães”, apontou o especialista sobre o grupo mais beneficiado com o processamento de leite humano.
Os bancos são abastecidos com doações de mães que acompanham os filhos nos hospitais e nas comunidades onde chegam, com 26 pontos de coleta. Nesse caso, a coleta é feita em suas casas e o leite levado ao banco em transporte com compartimento refrigerado, garantindo sua conservação. “De maneira geral, os bancos contribuem para melhorar os indicadores de sobrevivência de bebês de baixo peso e submetidos a cirurgia”, destacou Fumero.
O pediatra acrescentou que a mortalidade neonatal precoce caiu de 1,7, em 2010, para 1,5, em 2014. A sobrevivência do recém-nascido de 1,5 quilo aumentou de 87%, em 2010, para 92%, em 2014, e a sobrevivência do recém-nascido operado chegou a 95%.No ano passado, Cuba pasteurizou 526,9 litros de leite fornecidos por 2.996 doadoras, que cumpriram os requisitos de estarem saudáveis, bem nutridas e terem sobra após amamentarem seus filhos. O país, de 11,2 milhões de habitantes, registrou 125.064 nascidos vivos em 2015.
O modelo regional, e até mesmo mundial, é o Brasil, que conta com uma consolidada rede de 213 BLH, utilizando tecnologia própria, e que em 2015 distribuiu 138.588 litros para 172.424 receptores. No Brasil, com 208,8 milhões de habitantes, são registrados quase três milhões de nascidos vivos a cada ano. “Como no resto do mundo, os bancos cubanos também se dedicam a promover a amamentação materna”, ressaltou Fumero. “É provável que, em 2017, Cuba instrumente o código internacional de amamentação materna, que ajudará a combater com todas as forças os outros leites”, acrescentou.
Apesar de programas especiais para incentivar a amamentação exclusiva durante os primeiros seis meses de vida, o setor de saúde registra uma queda que qualifica de preocupante.Em 2014, cerca de 87% dos bebês eram alimentados ao nascerem exclusivamente com leite materno, enquanto no sexto mês de vida apenas 33% tomavam apenas o leite de sua mãe. Nesse último indicador “caímos de 49% registados em 2010”, disse o especialista.
Cuba pretende que 60% dos bebês se alimentem exclusivamente com leite materno no primeiro ano de vida. Para isso, numerosos especialistas observam obstáculos como abuso por parte da família no uso de substitutos do leite, e recomendam fortalecer a preparação do pessoal de saúde para assessorar bem sobre a amamentação, proporcionar orientações mais específicas às mães estudantes e trabalhadoras, bem como elevar a fraca corresponsabilidade paterna.
O neonatologista Reinaldo Pérez, que trabalha no Hospital Materno Infantil 10 de Outubro, com quase cinco mil nascimentos por ano, afirmou que a legislação cubana protege e estabelece normas para a lactância em todos os casos. “Tudo está regulado, mas não se cumpre integralmente na prática”, lamentou.
Segundo Pérez, as mães que estudam ou trabalham podem ficar longe dos filhos por algum tempo sem necessidade de abandonar a amamentação. “Está regulamentado que as administrações estatais e privadas criem as condições para que a mãe amamente. Também pode ser extraído leite para que cuidadores deem às crianças”, acrescentou.
A rede cubana de BLH realiza ações de promoção na imprensa, quase toda estatal, e nas comunidades. Entre 2005 e 2015, ajudou 7.784 mulheres na lactância materna. Envolverde/IPS