por Dal Marcondes, especial para a Envolverde –
A bioeconomia está na fundação e na história do Brasil. É a vocação de um país com nome de árvore, com seis grandes biomas e a mais preservada floresta tropical do planeta.
Há muitas definições do que seja a bioeconomia, e vamos buscar aborda-las nesse trabalho com um olhar que transita por diversas áreas. Há alguns consensos sobre o tema, e o mais importante é que as oportunidades oferecidas pela bioeconomia ao Brasil são fundamentais e estruturantes para o desenvolvimento do país neste século.
Será preciso trabalho, investimentos e um forte processo de colaboração e compartilhamento de conhecimentos entre as populações tradicionais, organizações sociais, pesquisadores acadêmicos, empreendedores, governos e investidores.
Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a bioeconomia movimenta no mercado mundial cerca de 2 trilhões de euros e gera cerca de 22 milhões de empregos. Além disso, as atividades do setor estão no centro de pelo menos metade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, desde a segurança alimentar até a garantia de acesso à energia e saúde.
A bioeconomia está na fundação e na história do Brasil. É a vocação de um país com seis grandes biomas e a mais preservada floresta tropical do planeta. Grande parte das plantas e animais no Brasil tem caráter endêmico e há muito a fazer para conhece-los e às suas potencialidades econômicas. Apesar de toda esta riqueza de espécies nativas, a maior parte das atividades econômicas nacionais se baseia em espécies exóticas: na agricultura, com cana-de-açúcar da Nova Guiné, café da Etiópia, arroz das Filipinas, soja e laranja da China, cacau do México e trigo asiático; na silvicultura, com eucaliptos da Austrália e pinheiros da América Central; na pecuária, com bovinos da Índia, equinos da Ásia e capins africanos; na piscicultura, com carpas da China e tilápias da África Oriental; e na apicultura, com variedades de abelha provenientes da Europa e da África.
Esse cenário é parte de uma extrema pobreza nos cardápios da humanidade. Estudos da FAO apontam que 15 espécies (arroz, trigo, milho, soja, sorgo, cevada, cana-de-açúcar, beterraba, feijão, amendoim, batata, batata-doce, mandioca, coco e banana) representam 90% da alimentação do mundo. Diante disso torna-se ainda mais urgente uma abordagem estratégica sobre os produtos da biodiversidade de forma a enriquecer os cardápios locais e globais e assegurar a perenidade da segurança alimentar.
O Projeto Flora do Brasil, coordenado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, identificou 33 mil espécies de plantas com potencial de alimento para as pessoas. O mesmo estudo estimou que a ocorrência de pelo menos três mil e trezentas espécies alimentícias nativas, nos diferentes biomas, entre frutíferas, hortaliças e produtoras de nozes, castanhas, condimentos, polpas, entre outros produtos com potencial comercial.
Alimentos, medicamento, cosméticos e uma enorme variedade de atividades culturais e turísticas estão aguardando pesquisadores, empreendedores e investidores em todos os biomas brasileiros. Afinal, a biodiversidade brasileira não é patrimônio apenas da Amazônia, temos ainda o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga, a Mata Atlântica e os Pampas.
Bioeconomia: História e Ciclos de Desenvolvimento
Pero Vaz de Caminha em sua carta ao rei D. Manoel de Portugal deixou explícita a vocação das terras descobertas Pedro Álvares Cabral: a BIOECONOMIA, mesmo que esse termo tenha sido cunhado quase 500 anos depois.
“Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”
Pero Vaz de Caminha – Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Desde a chegada dos primeiros europeus o Brasil exporta as riquezas de sua biodiversidade em ciclos econômicos que se sucedem.
- – Ciclo do Pau Brasil – teve seu auge de 1500 a 1530 e a exploração do Pau Brasil, árvore nativa da Mata Atlântica, foi feita principalmente com a mão de obra indígena;
- – Ciclo da Cana de Açúcar – da segunda metade do século XVI ao final do século XVII a cana de açúcar foi trazida do Sul e Sudeste da Ásia para ser um importante produto no Brasil. As primeiras plantações extensivas foram em regiões dos estados de Pernambuco e Bahia;
- – Ciclo do algodão – Conhecido no mundo há mais de 4 mil anos, a algodão veio para o Brasil no início do século XVII e até o final do século XIX ajudou a alimentar as máquinas têxteis da revolução industrial inglesa.
- – Ciclo do Café – O café chega ao Brasil no final de século XVIII e tem seu auge no século XIX, quando sua produção e exportação constroem fortunas e poder político que entra pela primeira metade do Século XX.
- – Ciclo da Borracha – No final do século XIX e início do século XX a produção de borracha na Amazônia ganhou grande relevância por conta do crescimento da indústria automobilística nos Estados Unidos e Europa. Foram anos de grande riqueza para Manaus (AM) e Belém (PA). Mas o contrabando de mudas deslocou o centro de produção de borracha para o sudeste asiático.
- – Ciclo da Soja – a partir dos anos 1960 o Brasil introduz a chinesa soja entre seus cultivos. Primeiro para alimentar os rebanhos de porcos e frangos que começavam a crescer no Sul e, a partir dos anos 1970, para exportação, já que os preços internacionais começaram a subir. Com o crescimento da demanda global e especialmente da China, esse é um ciclo que se mantém.
Brasileiros e Imigrantes
Apenas nos ciclos do Pau Brasil e da Borracha foram aproveitados produtos da biodiversidade brasileira. Nos outros casos as mudas ou sementes foram importadas de outras partes do mundo e aclimatadas às mais diversas regiões do país. Na maioria dos casos as exportações são de produtos primários, sem valor agregado, para alimentar surtos econômicos nos países ricos.
O economista Ignacy Sachs, um estudioso da economia e da biodiversidade brasileira, alerta que o Brasil não participou de nenhuma das grandes revoluções econômicas dos últimos 500 anos, manteve-se na periferia dos eventos e, quando muito, ganhou algo vendendo seu clima ameno e grande disponibilidade de água e solo para a produção de insumos que ajudaram inovações no estrangeiro.
O país passou séculos apenas como consumidor de tecnologias e importador de conhecimentos. No alvorecer deste século XXI Sachs realizou um ciclo de palestras pelo Brasil, onde fez um chamamento à inovação centrada na bioeconomia. O Brasil registra mais de 46 mil espécies de plantas e fungos em seu território, sendo que 43% dessas espécies são endêmicas, ou seja, só existem aqui. No entanto, em 2020 o IBGE registrou 3.299 espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção, o que representa 19,8% do total de 16.645 espécies avaliadas pela pesquisa Contas de Ecossistemas: Espécies ameaçadas de extinção no Brasil 2014.
“Muito do que está destruindo nas florestas brasileira ainda não está sequer catalogado”
“Muito do que está destruindo nas florestas brasileira ainda não está sequer catalogado”, explica Ladislau Dowbor, também economista e professor da PUC/SP. Ele explica que a transformação de produtos agrícolas em commodities globais, de grande volume, cria uma “financeirização” de produtos como soja, milho, algodão e outros que são cotados em dólar e em bolsas internacionais. Isso faz com que a terra desmatada para plantar commodities ou criar gado tenha um valor explícito de acordo com sua capacidade de suporte para a produção. Um hectare de soja, por exemplo, tem uma produtividade média no Brasil 3.362 kg. Com a cotação média de R$ 160,00 a tonelada, isso faz com que aquele hectare valha R$ 537,92 à cada safra de soja, o que em alguns lugares pode ser de duas vezes por ano. A pergunta é: quanto vale o hectare de floresta para um investidor?
A pergunta é: quanto vale o hectare de floresta para um investidor?
Os produtos florestais e os serviços ambientais prestados pelos biomas e pela biodiversidade não estão cotados em bolsa, e sequer contabilizados nos custos de produção de qualquer plantio de commodities. A contabilidade das commodities deveria levar em conta que a Amazônia ainda é a maior floresta tropical parcialmente preservada do planeta e responsável pelo fluxo de água para a faixa agrícola mais próspera da América do Sul, que abarca o Paraguai, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Paraná. Sem os rios voadores, que graças à Amazônia carregam água do oceano Atlântico caribenho em direção aos Andes, fazem chover sobre o Pantanal e sobre os campos do Sul e Sudeste haveria nessa região um deserto, como acontece nesta latitude em todos os continentes.
A descoberta de oportunidades
As oportunidades oferecidas pelo clima ameno e pela biodiversidade no Brasil precisam ser trabalhadas para que a exploração econômica respeite os princípios básicos da sustentabilidade, agora explicitados nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Em todo o mundo as pessoas estão interessadas em produtos que ofereçam maior conexão com a natureza e que estejam de acordo com valores éticos. Os ODS com suas 169 metas estão alinhados com esses desejos e oferecem aos empreendedores caminhos e oportunidades. Neste século os negócios precisam mudar o eixo da competição para a colaboração e para o compartilhamento.
Há muitos conhecimentos dispersos sobre as oportunidades da bioeconomia. O Brasil oferece cenários distintos onde a natureza é o principal capital para o desenvolvimento local, regional e nacional. A conversa com especialistas abre muitos campos de interesse e de conhecimentos que podem ser a base para uma reflexão sobre oportunidades para novos empreendimentos ou para melhorar os negócios já existentes.