Rascunho final do novo tratado do clima tem 55 páginas e mais de 1.800 pares de colchetes; negociadores apontam avanços, mas há pouca clareza sobre temas fundamentais, como financiamento.
Claudio Angelo e Cíntya Feitosa, do OC –
A última sessão de negociações da Convenção do Clima das Nações Unidas antes da COP21, a conferência do clima de Paris, terminou na sexta-feira (23) em Bonn, Alemanha, com a aprovação do documento mais aguardado do ano: o rascunho final do acordo que guiará a humanidade no combate ao aquecimento global nas próximas décadas.
A sessão de discussões diplomáticas que começara tensa, com acusações de “viés” e de “apartheid” por parte dos países em desenvolvimento, terminou com um pacote de 55 páginas, que será enviado diretamente à COP21.
O texto contém 33 páginas de uma minuta de acordo e mais 22 páginas de uma minuta de decisão da COP, uma espécie de texto complementar que regulamenta o acordo internacional. É bem mais do que as 20 páginas do texto extra-oficial proposto no começo do mês pelos co-presidentes do ADP, o grupo de negociadores. Mas a sensação geral é de que trata-se de um documento com o qual é possível trabalhar. Daí a decisão de só fazer uma “edição técnica” – eliminando ideias repetidas – e encaminhá-lo direto à COP.
“É um texto manejável. As partes tomaram uma boa decisão de ir a Paris com esse texto, Chegamos aonde pudemos chegar”, disse a embaixadora francesa do Clima, Laurence Tubiana, numa entrevista coletiva após o encerramento da reunião. Segundo Tubiana, citando negociadores veteranos, nunca antes uma conferência do clima começou com um rascunho de texto tão curto: o de Copenhague, em 2009, tinha quase 300 páginas.
“A reunião termina melhor do que começou e há base para seguir adiante em direção a Paris”, afirmou ao OC um delegado de um país em desenvolvimento. Segundo ele, o texto “não está tão inflado assim” – havia o temor de que ele pudesse crescer novamente para mais de 80 páginas.
A secretária-executiva da Convenção do Clima, Christiana Figueres, chamou de “má notícia” o inchaço do texto, mas reclamou sobretudo da falta de clareza. “Talvez ele esteja claro para quem inseriu coisas, mas está menos claro para quem passa na rua”, afirmou.
De fato, até a leitura do documento é truncada pela quantidade de colchetes, sinais gráficos que denotam discórdia entre os países: há mais de 1.800 pares de colchetes ao longo das 55 páginas do documento.
Itens fundamentais, como o financiamento ao combate à mudança climática e o mecanismo de transparência, ainda são assuntos sérios a resolver. Ontem e hoje houve a tradicional troca de acusações entre o G77 (grupo dos países em desenvolvimento) e a União Europeia.
“Estão nos dando uma nova narrativa de que o mundo mudou e agora é tempo de expandir a base dos países doadores e estreitar a dos que são elegíveis para apoio. Isso é muito simplista”, disse uma embaixadora africana ontem. Hoje, Elina Bardran, representante da União Europeia, retrucou: “É infeliz que alguns países estejam revertendo para uma retórica ultrapassada que divide o mundo em desenvolvido e em desenvolvimento de acordo com os níveis de renda da década de 1990”.
Por outro lado, houve avanços em alguns pontos significativos, como os ciclos de revisão, o chamado “torniquete” do acordo. Está no texto a possibilidade (entre colchetes, claro) de uma primeira revisão das metas dos países (as chamadas INDCs) em 2020 ou antes, algo considerado crucial para que o ritmo da redução anual de emissões não fique acelerado demais a ponto de tornar-se impossível de manejar após 2030. Houve consenso em torno de ciclos de cinco anos. Só que o mesmo artigo traz uma segunda opção de texto que diz simplesmente que as novas metas devem ser comunicadas “antes do fim do período de implementação” – o que anularia o benefício do “torniquete”.
“XXX”
O Brasil obteve uma pequena vitória diplomática, com o retorno ao rascunho do acordo de sua proposta de “diferenciação concêntrica” de forma mais explícita no artigo que trata da execução das metas de corte de emissões. Também importante para o G77, há um colchete com uma meta de financiamento para a adaptação, cujos valores, porém, estão no texto como “xxx”.
Vários trechos importantes do texto ficaram com mais de uma opção de redação – algo sobre o que os diplomatas não conseguiram decidir, que ficará para avaliação de ministros daqui até Paris. Segundo Mark Lutes, do WWF, não há “zonas de pouso” claras para os ministros, ou seja, opções em torno das quais seja simples tomar decisão política.
Os negociadores esperam que as diretrizes para a eliminação dos trechos com impasse sejam dadas após a pré-COP, uma reunião de ministros que ocorre em Paris de 8 a 10 de novembro.
“Não será uma reunião para escrever texto”, advertiu Laurence Tubiana. “Isso vai criar o espírito de que nós precisamos, não porque seja tecnicamente difícil, as posições são conhecidas, mas por causa do sentimento [dos diplomatas em Bonn] de que não podiam abrir mão de nada porque precisavam esperar até depois.”
“Nós temos um texto com possibilidades muito concretas de um acordo significativo”, disse Pedro Telles, do Greenpeace. “Mas não é fácil garantir isso. É fundamental que governos como o brasileiro, que já puxaram pela descarbonização e por ciclos de cinco anos, aproveitem esse período entre agora e Paris para conversar com outros governos e convencê-los de que isso é importante.
“O momento final chegou”, disse a embaixadora francesa: será em Paris na terça-feira, 1o de dezembro, quando as negociações começam de verdade. Será preciso correr atrás do tempo perdido, porém, e o governo francês já alerta os países sobre “administração do tempo” durante a negociação.
Aos jornalistas em Bonn, que esperaram até por volta de 20h para a entrevista coletiva final, Christiana Figueres deu um recado sobre o que “manejo de tempo” pode significar:
“Todos vocês merecem aplausos por sua perseverança e paciência. É uma ótima prática para o que teremos em Paris.” (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Observatório do Clima.