ODS 2

Brasil quer estender ao mundo sua bandeira de combate à fome

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu durante a Reunião Ministerial de Desenvolvimento do Grupo dos 20, realizada no Rio de Janeiro no dia 24 de julho, que a próxima cúpula dos grandes países industriais e emergentes aprove a constituição da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O Brasil sediará a cúpula, que culminará sua presidência temporária do G20 em novembro.

Brasil quer estender ao mundo sua bandeira de combate à fome

Por Mario Osava, IPS

Uma aliança global para erradicar a fome e cumprir o segundo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é o grande legado que o Brasil pretende construir na sua presidência do Grupo dos 20 (G20) dos principais países industriais e emergentes, que culmina em novembro .

A proposta ganhou maior legitimidade devido ao grande avanço alcançado pelo Brasil no relatório sobre o “Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2024” (Sofi, em inglês), elaborado por cinco agências das Nações Unidas e divulgado no dia 24 de julho, durante a Reunião Ministerial de Desenvolvimento do G20 no Rio de Janeiro.

Naquela reunião, que saudou a provável criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, caso esta seja formalizada na cimeira do G20, em Novembro, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou “o compromisso mais urgente” de afastar novamente o seu país do Mapa da Fome das Nações Unidas durante seu governo, que termina no último dia de 2026.

Essa meta exigirá esforços especiais, uma vez que 8,4 milhões de brasileiros continuaram passando fome no triênio 2021-2023, em comparação com nove milhões no triênio anterior. 3,9% da população nacional permaneceu subnutrida nos últimos três anos.

Sair do mapa exige reduzir essa taxa para menos de 2,5%, condição que o Brasil alcançou em 2014, mas voltou a perder em 2022.

“A estratégia para erradicar a fome passa necessariamente pela mitigação e adaptação às alterações climáticas. Os eventos extremos, já presentes, afetam os mais vulneráveis ​​à insegurança alimentar”

Elisabetta Recine.

Mas dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e quatro outras agências indicam que a fome aumentou na África e pouco mudou na Ásia, enquanto a América Latina e Caribe registraram “progressos notáveis”, especialmente no Brasil.

Além disso, se considerarmos isoladamente o ano de 2023, e não o triênio, “o resultado é absolutamente surpreendente, pela rapidez na redução da insegurança alimentar grave”, perto de 85% em relação ao ano anterior, explicou Elisabetta Recine , presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão de assessoria do governo.

Esta queda acentuada é explicada pelas taxas muito elevadas dos anos anteriores, devido à política econômica, à inflação elevada e à deterioração dos programas sociais durante o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (2019-2022), além da pandemia de covid-19. (janeiro de 2020 a maio de 2023).

Em 2023, com Lula na presidência, foram restabelecidas as políticas sociais de seu governo anterior (2003-2010), como o Bolsa Família, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, refeitórios sociais e cozinhas solidárias, além do aumento do salário mínimo e a inflação em queda, lembrou Recine à IPS, por telefone de Brasília.

Exemplo internacional

“Por todas estas razões, a proposta da Aliança Global é muito oportuna. Sabemos como fazer isso”, disse o economista Francisco Menezes, consultor da Action Aid, organização internacional focada em justiça social, que também presidiu o Consea entre 2004 e 2007.

A retomada e o reforço de algumas políticas sociais que antes tiveram sucesso podem retirar novamente o país do Mapa da Fome em 2026, que levará em conta as baixas taxas médias de 2023-2025, triênio contemplado pelas agências das Nações Unidas, avaliadas para IPS no Rio de Janeiro.

Para Menezes, o período mais crítico de fome ocorreu em 2021 e no primeiro semestre de 2022, quando as aulas foram suspensas devido à pandemia e a alimentação escolar foi interrompida ou reduzida a produtos industrializados, com “forte impacto negativo na população mais pobre”.

No segundo semestre de 2022, houve uma melhora notável porque Bolsonaro ampliou a ajuda governamental aos pobres, em termos do número de famílias beneficiadas (21,6 milhões) e dos valores pagos, em sua tentativa fracassada de se reeleger nas eleições de outubro de 2022.

A suspensão ou má gestão dos programas sociais durante todo o seu governo não só espalhou a fome, mas também contribuiu para a alta mortalidade causada pela Covid-19 no Brasil, mais de 700 mil mortes, disse Menezes.

No desespero, sem ajuda governamental em vários períodos, “os pobres tiveram que sair para trabalhar nas ruas para sobreviver e foram infectados, daí a explosão da covid-19 somou-se à explosão da fome”, explicou.

Fome zero em 2026

Com a retomada das políticas sociais e uma melhor gestão, Recine também acredita que é viável reduzir a fome para menos de 2,5% da população durante o governo Lula.

Para obter resultados semelhantes no mundo, a Aliança Global terá dificuldades em financiar os programas necessários ao ODS 2, Fome Zero, como já acontece com os fundos planejados para enfrentar a emergência climática nos países em desenvolvimento do Sul, em particular os mais pobres.

“Entre 713 e 757 milhões de pessoas poderiam ter passado fome em 2023: uma em cada 11 pessoas em todo o mundo e uma em cada cinco na África”, segundo Sofi.

Garantir que os pobres tenham acesso a alimentos saudáveis ​​e suficientes, duplicar a produtividade dos pequenos produtores de alimentos e expandir a infraestrutura e os serviços tecnológicos para impulsionar a produção agrícola são alguns dos objetivos que compõem o ODS 2 a ser alcançado até 2030.

Os objetivos exigem “um financiamento maior e mais eficaz”, afirma o relatório das cinco agências da ONU, embora reconheça que os dados financeiros nesta área da segurança alimentar carecem de uma melhor definição, para medir a sua disponibilidade atual e as necessidades futuras.

É mais difícil obter fundos para reduzir a fome do que para combater a crise climática, disse Menezes. Esta afeta a todos, enquanto a pobreza é local e a migração que produz é enfrentada com muros e outros tipos de barreiras, argumentou.

Uma alternativa a ambos os desafios seria tributar os super ricos, uma proposta que o Ministro das Finanças brasileiro, Fernando Haddad, tem defendido em vários fóruns como uma possível fonte de 250 milhões de dólares em impostos anualmente. Os seus colegas do G20 aprovaram inicialmente a ideia, embora sujeita ao que for decidido na cúpula.

Simbolicamente, a Reunião Ministerial aconteceu na sede da Ação Cidadã, ONG brasileira reconhecida por suas campanhas contra a fome, com comitês por todo o país e cuja origem foi uma grande mobilização promovida pelo saudoso sociólogo Herbert de Souza, famoso internacionalmente. pela sua luta contra o flagelo.

No âmbito do G20, não se trata apenas de obter novos fundos, mas também de estabelecer novas regras para o pagamento do serviço das dívidas externas, ou perdão em alguns casos, e para que os países tenham maior soberania na utilização dos recursos e definição de suas estratégias, esclareceu Recine.

Redução da fome
O Ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, cumprimenta a Secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, durante reunião dos chefes da Economia do Grupo dos 20, realizada no dia 24 de julho no Rio de Janeiro, onde defendeu um imposto especial sobre os hiper-ricos do mundo, para financiar ações contra as alterações climáticas e a fome, com uma meta anual de 250 mil milhões de dólares. Imagem: Diogo Zacarias/MF

Clima adverso

Outro obstáculo é que “a fome e as alterações climáticas são dois flagelos que se agravam”, reconheceu Lula ao defender a Aliança Global perante os ministros do G20 e representantes de organizações internacionais.

“A estratégia para erradicar a fome passa necessariamente pela mitigação e adaptação às alterações climáticas. Os eventos extremos, já presentes, afetam os mais vulneráveis ​​à insegurança alimentar”, disse Recine, nutricionista com doutorado em Saúde Pública e professora da Universidade Pública de Brasília.

“Eventos extremos estão gerando nova fome”, alertou Menezes, lembrando as enchentes no sul do Brasil em maio e uma nova seca na Amazônia que afeta a pesca e paralisa os barcos. “Sair do Mapa da Fome exige adaptação às emergências climáticas”, concluiu.

Imagem de destaque: Ricardo Stuckert/PR

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