O Brasil tem, em média, 95 milhões de hectares a espera de ações de restauração e de pagamento por serviços ambientais. Desses, 74 milhões de hectares (entre 68 e 81) aguardam pagamento referente ao excedente de vegetação nativa preservada em Reservas Legais. Já uma média de 21 milhões de hectares (entre 19,3 e 22,6) em Reserva Legal (RL) e em Área de Preservação Permanente (APP) refere-se ao déficit que carece de ações de recuperação.
Das áreas que precisam de ações, algo entre 16 e 19 milhões de hectares correspondem a RL (porcentagem de cobertura nativa que cada propriedade deve conservar) e de 3,0 a 3,4 milhões a APP (áreas ao redor de cursos d’água, prioritárias para a restauração e preservação dos recursos hídricos).
Esses e outros dados são apresentados na 3ª edição do ‘Panorama do Código Florestal’, do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Realizado com tecnologia desenvolvida pela Universidade, o estudo calculou os requisitos do Código Florestal e, como resultado, o nível de conformidade para cada um dos mais de 7 milhões de imóveis rurais registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) – ferramenta que reúne informações das propriedades rurais, compondo uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, e de combate ao desmatamento, para o cumprimento do Código Florestal (Lei Nº 12.651/2012).
O estudo aponta ainda que, após 2008, 26% do desmatamento em imóveis rurais ocorreu em Área de Preservação Permanente ou em propriedades com Reserva Legal abaixo da porcentagem mínima estabelecida pelo Código Florestal, cujo percentual varia conforme o bioma e o tipo de vegetação. Os estados com maior índice foram, respectivamente: Rondônia, Acre, Pará, Roraima e Amazonas, todos dentro da Amazônia Legal, região que preocupa a equipe de cientistas por causa do crescimento de registros do CAR sobrepostos a terras públicas sem destinação.
Registros sobrepostos
O crescimento dos registros sobrepostos a outras categorias fundiárias, em especial às terras públicas sem destinação foi um dado alarmante para os pesquisadores. Na Amazônia Legal, área mais crítica, as sobreposições desse tipo aumentaram de 12,4% para 18,3% no último ano, sendo 13.433 registros sobrepostos a unidades de conservação, 2.360 a terras indígenas e 206.495 a terras públicas sem destinação.
O estudo relaciona a sobreposição à ineficiência e ao uso indevido do Cadastro Ambiental Rural que permitem, segundo os pesquisadores, declarações fraudulentas, muitas vezes usadas para esconder desmatamento ilegal, déficits de reserva legal ou mesmo para grilagem de terras, sobretudo de unidades de conservação, terras indígenas ou de povos e comunidades tradicionais, e principalmente de terras públicas sem destinação. Os estados com mais registros sobrepostos a áreas protegidas são, primeiramente, o Pará, seguido de Rondônia, Amazonas, Roraima e Tocantis.
“Em 2024, após 12 anos da revisão do Código Florestal, quase nada avançou, principalmente quanto ao uso do CAR como instrumento principal para o cumprimento do Código Florestal. Esse período tem sido marcado por contratempos e limitações. A alteração legislativa afrouxou exigências relacionadas à conservação ambiental e flexibilizou medidas de fiscalização, incluindo a concessão de anistia a desmatadores ilegais, cancelamento massivo de autos de infrações e a redução da necessidade de recuperação de vegetação nativa”, revela Britaldo Soares Filho, coordenador do estudo.
Deficiências do CAR
A Instrução normativa nº 2 de 2014 do Ministério do Meio Ambiente detalha os requisitos técnicos do Cadastro Ambiental Rural, dando o início ao prazo de um ano, prorrogável por mais um, para inscrição no CAR, contado a partir de maio de 2014. Apesar da data ter sido prorrogada diversas vezes, o registro permanece aberto chegando a novembro de 2024 a mais de 7,3 milhões, número impulsionado pela obrigação a partir de 31 de dezembro de 2017 (Art. 78-A) para acesso ao crédito agrícola, exigências cartoriais, mas também, segundo os pesquisadores, devido ao uso fraudulento para grilagem de terra.
O registro no CAR, primeiro passo para a regularização, é um processo de autodeclaração por meio do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) ou sistema estadual equivalente. No entanto, devido à predominância do processo manual baseado na interpretação visual, a análise e a validação dos registros têm enfrentado atrasos significativos, com apenas 1,8% (dos 7,3 milhões) com análise concluída até o momento.
O estudo aponta que o software que sustenta a operacionalização atual está inadequado para lidar com as demandas de cadastro e monitoramento do uso da terra de um país com as dimensões do Brasil. “Trata-se de um software obsoleto, com interface pouco amigável, que opera offline sem integração de base de dados cartográficos, e limitado ao uso de imagens de satélite de qualidade inferior a outras de livre acesso disponíveis atualmente. Além disso, é um software proprietário, com código fonte fechado e indisponível. Os estados e o governo federal são incapazes de atualizá-lo, muito menos integrá-lo a outros sistemas federais. Apesar do Brasil dispor de tecnologia e inteligência territorial gratuitas por parte de Instituições, a exemplo do modelo desenvolvido pelo CSR/UFMG, essa verificação abrangente ainda não é feita pelo Sistema atual.”, afirma Soares Filho.
“Nesse aspecto, boa parte dos casos de sobreposição do CAR a outros imóveis, bem como o cancelamento de registros fraudulentos, poderia ser resolvida. Essa falta de progresso impacta negativamente a implementação de outros mecanismos-chave para ajudar os proprietários rurais a alcançarem a conformidade legal, tal como o Programa de Regularização Ambiental (PRA), o Mercado de Cota de Reserva Ambiental (CRA), além de mecanismos financeiros de pagamentos por serviços ambientais ou mesmo a rastreabilidade agrícola, uma exigência cada vez maior de mercados internacionais.”, reforça.
O estudo completo está disponível em https://csr.ufmg.br/radiografia_do_cf/wp-content/uploads/2024/12/policy_brief_pt_3ed.pdf.