Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS –
Llano Bonito, Costa Rica, 4/10/2016 – “Baixamos nossa produção de café por hectare por amadurecimento precoce do fruto e por causa das doenças”, afirmou Maritza Calderón, cafeicultora das montanhas do sudeste da Costa Rica.Sua história se repete em todo o planeta. O informe A Brewing Storm (Aproximando-se a Tempestade), publicado no dia 29 de agosto pelo Climate Institute, da Austrália, alerta que os países que tradicionalmente dominam o cultivo do café terão problemas como multiplicação de enfermidades e perda da área cultivável.
Alertas como esse ativaram nos últimos anos uma complexa engrenagem na Costa Rica envolvendo especialistas, órgãos governamentais, cooperantes e produtores organizados, com a missão de resgatar a produção cafeeira local com a melhor ciência disponível. Assim, os produtores integram novas variedades resistentes, melhores práticas de fertilizantes e um bom equilíbrio de sombra com árvores frutíferas ou com boas raízes para evitar a erosão do solo.
Na localidade de Llano Bonito de León Cortés, uma fria área montanhosa que fica 175 quilômetros a sudeste de São José, capital do país, Calderón e outros 13 produtores reunidos em um painel de capacitação relataram à IPS as mudanças em suas propriedades.“A ferrugem do café já não tem uma época específica, atrasando ou adiantando segundo o ano ou o clima”, pontuou o produtor Bienvenido Abarca, que, no entanto, se mostrou esperançoso com a capacitação.
Por mais de dois séculos o café esteve profundamente enraizado na história, na cultura e nas tradições desse país centro-americano de 3,8 milhões de habitantes. O Teatro Nacional, na capital, por exemplo, foi construído nos finais de 1800 com um imposto cobrado sobre as exportações cafeeiras.Entretanto, diante da crua luta de preços internacionais e uma pressão interna por terras para a urbanização, o país passou de 34 mil fazendas de café, em 1984, para 26 mil, em 2014, segundo dados do independente Estado da Nação 2015.
Cerca de 40 mil famílias se dedicam ao café, de acordo com o Ministério de Agricultura e Pecuária, e colhem pouco mais de 85 mil hectares do tipo arábico, a espécie cultivada no país. Representa o terceiro produto agrícola mais exportado e o oitavo no geral, embora signifique apenas 2% do mercado global.
As fazendas que restam se adaptaram, apostaram na especialização e o café da Costa Rica buscou se posicionar como produto de qualidade. Os 673 produtores de Llano Bonito, um terço deles mulheres, se reuniram na cooperativa Coopellanobonito e exportam para os Estados Unidos.
Agora devem encontrar a maneira de seguir em frente diante das alterações do clima e da elevação da temperatura. “Em nível internacional, a Costa Rica é vista como um país líder em café. Então, é necessário buscar aqui essas alternativas, disse à IPS o brasileiro Elias de Melo, especialista nesse cultivo e em sistemas agroflorestais do Centro Agronômico Tropical de Pesquisa e Ensino (Catie), com sede no país.
Com uma xícara de café nas mãos (“o melhor da Costa Rica”, afirma), Melo explicou que as zonas cafeeiras funcionam como corredores biológicos, para evitar a erosão e como sustento de milhares de famílias. “O café é social e ambientalmente fundamental para a Costa Rica. Se desaparecesse, seria terrível”, ressaltou.
Uma das soluções propostas é o projeto que Melo trouxe para Llano Bonito. Junto com a local Fundação Café Florestal, a iniciativa está visitando seis comunidades produtoras em todo o país para entender seus problemas e propor soluções em conjunto.“Queremos montar quatro fazendas-piloto, aqui em sua comunidade, que funcionem como escolas a céu aberto”, explicou aos produtores o coordenador da Fundação, Carlos Jones. Em cada uma das seis áreas que trabalham, ficarão quatro dessas unidades.
Esse projeto recebeu US$ 100 mil do mundial Fundo de Adaptação, destinado a financiar projetos para reduzir os impactos da mudança climática em países do Sul em desenvolvimento. O mecanismo concedeu à Costa Rica US$ 10 milhões para 30 projetos e será implantado pela não governamental Fundecooperación.
A cafeicultura é uma das áreas que o país aprendeu a liderar. Em 2013, propôs uma iniciativa voluntária para reduzir as emissões de gases-estufa do setor cafeeiro, chamada NAMA Café no jargão climático internacional.Agora esse NAMA também aposta na adaptação climática, explicou um dos seus impulsionadores,o gerente da área de café do Ministério de Agricultura e Pecuária, Luis Zamora. “O café pode suportar condições adversas, mas até certo ponto”, apontou à IPS.
“Como evitar que chegue ao ponto mencionado por Zamora? Com medidas de adaptação, afirmou, como plantar árvores dentro do cafezal para regular a temperatura mediante sistemas agroflorestais, coletar água ou utilizar novas variedades mais resistentes”, concordam os especialistas. Uma prática comum nas fazendas de café tem sido utilizar árvores frutíferas ou bananeiras, que dão sombra ao cafezal e oferecem inúmeras vantagens para os produtores.
“Não se pode falar de mitigação ou adaptação à mudança climática sem levar as árvores aos sistemas produtivos”, destacou Melo.As árvores, geram um microclima que evita problemas decorrentes das altas temperaturas, impedem a erosão dos solos e melhoram a filtração de água. Inclusive, uma seleção adequada dessa cobertura diversifica a colheita do produtor, representando uma medida de adaptação à mudança climática.
“Agora mesmo chegamos em casa com bananas, mandioca, taro (Colocasia esculenta – um tubérculo muito consumido na região), ciriguela (Spondias purpúrea). Tudo isso da sombra”, disse Abarca. Entretanto, as soluções para garantir a cafeicultura em um clima mais quente têm de chegar rápido, afirmou Zamora, porque “não há muito tempo para se pensar” diante do avanço da mudança climática.
Os cafezais viveram um momento delicado em 2014, quando as condições úmidas e altas temperaturas permitiram à ferrugem do café se estender pela América Central.Esses episódios obrigam os produtores a renovarem seus cafezais com novas variedades mais resistentes a doenças, como os híbridos H1, a variedade Costa Rica 95 ou a brasileira obatá.
As fazendas necessitam de apoio financeiro, alertaram Zamora e Melo, pois trocar as plantas tem custo aproximado de US$ 8 mil por hectare. A primeira colheita pode demorar até três anos para acontecer. Essas soluções que especialistas e produtores pedem com urgência devem nascer desde a base, embora estejam amparadas na ciência.
A prova é dada pela economista Milagro Saborío, que pesquisou 300 famílias produtoras sobre a mudança climática, para um projeto conjunto do Catie e da organização Conservação Internacional. As duas zonas analisadas mostraram condições culturais diferentes que obrigavam a pensar em ações específicas para elas. “Não é possível um único modelo nacional”, afirmou à IPS.
Com ela coincide o representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) na Costa Rica, Octavio Ramírez, para quem o projeto do Fundo de Adaptação deve considerar as particularidades locais se quiser ter escala nacional. “É preciso fazer a roupa sob medida, mas há coisas comuns”, enfatizou à IPS.
A FAO trabalha com produtores de café em toda a região centro-americana, explicou Ramírez, especialmente para apoiá-los na prevenção e no manejo da ferrugem. Envolverde/IPS