O desafio maior é inserir a Agenda 2030 nas prioridades das instituições privadas e públicas.
Por Claudio Fernandes*
Nesta sexta-feira 25, na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, presidentes e autoridades de alto nível de 193 países, incluindo a inédita presença de um papa, irão discursar sobre a nova Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e lembrar o que representaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) na mitigação de graves problemas mundiais.
Na septuagésima sessão da Assembleia Geral da ONU, os Estados membro adotarão a resolução que representa o consenso político possível para, nos próximos 15 anos, tratar graves problemas que afetam o mundo. Erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade entre e intra países, atingir equidade de gênero, regular o crescimento desordenado das cidades, acabar com a epidemia de Aids, garantir educação básica para todas as crianças e estancar completamente o desmatamento, fazem parte da lista de compromissos sociais, econômicos e ambientais assumidos nos dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas.
Mesmo considerando as dificuldades do processo de negociação do acordo, o maior desafio começa agora, que é o de inserir a agenda de desenvolvimento sustentável nas prioridades das instituições privadas e públicas para que, de fato, seja possível articular políticas nacionais, estaduais e municipais orientadas pelos ODS, ou como será também conhecida, pela Agenda 2030.
E está claro que, neste processo de implementação, a adequação dos orçamentos públicos dos países e a forma como trabalham com a sociedade civil serão dois aspectos fundamentais para o sucesso desta empreitada.
No caso do Brasil, para alocar recursos a partir de 2016 já é necessário agir agora, alinhando o Plano Plurianual, por exemplo, e começando a preparar as estruturas de acompanhamento dos ODS. Este será o principal indicador sobre o interesse sincero do governo em honrar os compromissos assumidos na Assembleia Geral pois, para além dos tradicionais discursos que serão feitos na ONU, é preciso compromisso generalizado do governo no sentido de levar esse debate para todas as comunidades e populações afetadas pelas desigualdades.
Para isso será fundamental mudar a lógica de financiamento e incentivos que fomentam os parâmetros de sustentabilidade.
Neste sentido, uma das expectativas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil, um coletivo com cerca de 60 organizações que acompanha a agenda do pós-2015, é a criação de uma Comissão Nacional para tratar dos ODS. Esta demanda é fruto de um maduro processo de diálogo e foi apresentada inúmeras vezes por este GT ao governo brasileiro ao longo das negociações da agenda Pós 2015.
Esperamos que esta comissão seja anunciada pela presidente Dilma Rousseff já na sua fala de abertura da Assembleia Geral, e que sua composição contemple espaços múltiplos para participação qualificada da sociedade civil, tenha representações multissetoriais dos governos federal, estaduais e municipais e que, principalmente, tenha eficiência deliberativa.
Outra questão importante é que a disputa com os defensores do utilitarismo neoliberal, que tanto tencionou o processo de negociação, continuará a ser um empecilho, agora na implementação, pois formalmente a Agenda 2030 insiste que o crescimento econômico deve vir acompanhado de distribuição de renda e respeito ao meio ambiente e às populações vulneráveis – abordagem visivelmente distante do contexto brasileiro.
Mas esta é a solução exigida não apenas para o Brasil, mas para todos os países frente ao diagnóstico de que as políticas alinhadas à desregulação financeira, ao endividamento público, ao aumento da poluição causada por emissão de gases orgânicos, à expansão da desigualdade social, ao aumento da pobreza, às guerras, à fome, entre tantos outros desequilíbrios contemporâneos, não estão funcionando.
De fato, os dados produzidos pelas agências da ONU, por organizações da sociedade civil e pela academia apontam que, se não houver uma mudança global urgente de paradigmas nas gerações atuais, o futuro das próximas gerações estará comprometido de forma irremediável. O mantra atual nos corredores e salas de reunião da ONU é de que, por exemplo, “esta é a última geração que pode fazer alguma coisa para reverter as causas das mudanças climáticas”, um problema que, finalmente admitiu-se, é efeito colateral do modelo de produção e consumo dominante do mundo.
Para entender a crítica sobre o ‘modelo’, basta observar como os padrões de desejo foram se tornando hegemônicos, condicionando o significado social do indivíduo, capturando as subjetividades frente a simbologias repetidas em cada espaço social, reproduzidas em uma imensa rede de canais em que mensagens subliminares – comprar, adquirir, acumular para depois descartar e repor – é na prática o coração do crescimento econômico a-qualquer-custo para se alcançar esse tipo de ‘prosperidade’.
Em nome de cifras macroeconômicas e prazeres individuais, vidas e territórios são atropelados pela cadeia de fornecimento global (Global Supply Chain) – pouco regulada e nada transparente – para a dinamização dos centros de consumo do mundo.
A importância dessa resolução a ser aprovada pela ONU é que ela dialoga diretamente com a realidade atual do planeta, dos países e das pessoas, caracterizada por desarranjos sociais, econômicos e ecológicos, algo sem precedentes na história recente. E propõe soluções possíveis frente à percepção de que todas as crises se acumulam e se sobrepõem, impulsionadas por uma multiplicidade dos interesses de países, grupos e pessoas poderosas para a manutenção de suas posições hegemônicas.
Um dos exemplos dessa queda de braço entre países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, no contexto da Agenda 2030, foi o processo de negociação da terceira Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em julho, em Addis Ababa, Etiópia.
A Conferência, parte do processo pós-2015, deveria ter resultado na identificação das fontes de recursos e meios de implementação dos ODS, estimada atualmente entre 3 e 6 trilhões de dólares por ano. Mas, apesar de a conferência ter pautado a criação de um mecanismo de facilitação tecnológica e de um sistema para seguimento de sua implementação, ela não indicou as fontes de financiamento adicionais para o desenvolvimento sustentável.
Sem clareza sobre de onde sairão os recursos financeiros além dos mecanismos atuais de cooperação e investimentos diretos, claramente insuficientes, abriu-se a porta para que a iniciativa privada seja protagonista em serviços e infraestrutura, que antes eram responsabilidades do Estado.
A questão aqui é que já temos exemplos de como parcerias-público-privadas funcionam no Brasil. Por isso, implementar a Agenda 2030 vai demandar um monitoramento rigoroso dessas parcerias para realmente colocar a sustentabilidade no cerne desse formato de contratualismo político e econômico.
A agenda para o desenvolvimento sustentável também, ao contrário do que se anuncia e se pratica no Brasil, clama aos países adotarem políticas tributárias progressivas, buscando desonerar a população com redução de impostos regressivos sobre o trabalho e a produção.
Mesmo a Agenda de Ação resultante de Addis Ababa sugere buscar mecanismos inovadores de financiamento, ainda que não explicite que os tributos sobre transações financeiras no mercado de capitais é uma das medidas mais indicadas.
Assim, implementar os compromissos acordados nos próximos 15 anos vai exigir coragem de todos os países porque o modelo da economia mundial há muito vem se consolidando como uma ditadura financeira. Os orçamentos públicos dedicam a maior fatia dos recursos para cobrir juros de dívidas crescentes, enquanto políticas de austeridade e redução de investimentos diretos esfriam as atividades econômicas, colocando em risco a estabilidade dos países e comprometendo a empregabilidade de gerações futuras.
No Brasil, frente à atual crise econômica, o governo federal precisa trabalhar com a ideia de justiça fiscal e progressividade tributária como a célula nevrálgica tanto para a mobilização de novos recursos, como para dar continuidade à redução de desigualdades sociais e econômicas, inclusive com diminuição de riquezas extremas.
Isto seria o início de uma possível democracia econômica promovida pelo poder soberano do Estado em coletar e alocar recursos públicos de forma justa, eficiente e responsável.
O compromisso da Agenda 2030 está pactuado na ONU, mas seu resultado só o tempo e os indicadores dirão. E neste caso dirão mesmo, pois a Agenda tem um processo de monitoramento que inclui a sociedade civil. O desafio não é pequeno, o trabalho enorme e, somente em conjunto, será alcançado a contento.
* Claudio Fernandes é economista, assessor da Gestos-Soropositividade, Comunicação e Gênero, co-coordenador da campanha TTF Brasil e membro do GT da SC para o Pós 2015. Convidado do GR-RI.
** Publicado originalmente no site CartaCapital.