Por Jonathan Rozen, da IPS –
Nações Unidas, 29/9/2016 – Quase um mês depois que integrantes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) visitaram o atribulado Sudão do Sul, ainda não foram resolvidos os desacordos sobre as medidas concretas que permitirão melhorar a segurança nesse país africano.“Para acertar a situação no Sudão do Sul, são necessários 250 mil soldados e entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões por ano”, disse à IPS o pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança de Adis Abeba, Berouk Messfin. “Quem vai colocar essa quantia? Ninguém”, acrescentou.
Está claro que um embargo de armas e os quatro mil efetivos adicionais, duas das medidas que estão sobre a mesa atualmente, não são a panaceia para o Sudão do Sul, mas espera-se que pelo menos sirvam para pressionar as autoridades para agirem em beneficio da população civil.
Mas parece difícil porque, como explicou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em uma reunião de alto nível sobre a situação humanitária no Sudão do Sul, no dia 22 deste mês, “uma e outra vez as autoridades sul-sudanesas recorreram às armas e a uma política presa a identidades sociais para resolver suas diferenças”. Durante três dias, no início deste mês, integrantes do Conselho de Segurança fizeram uma viagem ao Sudão do Sul, após a qual divulgaram um comunicado conjunto com o Governo de Transição de Unidade Nacional, que dava a entender que haviam conseguido um acordo.
O documento estabelece o reforço dos atuais 12 mil solados da Missão de Assistência da ONU na República do Sudão do Sul (Unmiss) com outros quatro mil efetivos de uma Força de Proteção Regional, bem como a eliminação das restrições ao trabalho humanitário. Mas, posteriormente, as autoridades do país disseram que não foram dados detalhes sobre o papel da força adicional.
“Acordamos o princípio, mas os detalhes de seu deslocamento, dos países que contribuirão, esse é o trabalho que resta agora”, explicou à IPS o ministro de Assuntos Humanitários e Gestão de Desastres do Sudão do Sul, Hussein Mar Nyuot. A força adicional estará sob comando da Unmiss e recebeu aprovação da Autoridade Intergovernamental sobre o Desenvolvimento da África Oriental (Igad), que encabeça as conversações de paz nesse país.
Em função do mandato que a Unmiss já tem, de “usar todos os meios necessários” para proteger o pessoal da ONU e a população civil, o Conselho de Segurança acredita que os soldados adicionais permitirão melhorar a segurança no terreno. De fato o secretário-geral adjunto do Departamento de Operação de Manutenção da Paz da ONU, Hervé Ladsous, afirmou, na semana passada, que procuravam esclarecer “declarações contraditórias” do governo sul-sudanês.
Nesse contexto, organizações de direitos humanos, junto com o secretário-geral das Nações Unidas, reclamam que o Conselho de Segurança imponha o embargo para impedir que as partes em confronto continuem se armando.“Será mais difícil terem acesso a munições e suprimentos”, pontuou à IPS o diretor do escritório da organização Human Rights Watch (HRW) na sede da ONU, Louis Charbonneau. “Somado ao fortalecimento da Unmiss, isso representará uma diferença para os civis”, afirmou.
Porém, o governo do Sudão do Sul, cujos efetivos estiveram implicados em assassinatos motivados por questões étnicas, violações e saques não concorda com a medida.“O problema não são, de fato, as armas que chegam. Mesmo com um embargo, já há armas nas mãos da população local. As que entram não são as que causam problemas”, afirmou Nyuot. “Se querem impor um embargo, tudo bem, mas o que acontece com as armas que já estão nas mãos da população. Devemos incentivar o governo a desarmar os civis”, apontou.
O governo sul-sudanês é parte do conflito e não é imparcial, mas não é o único que questiona a efetividade de um embargo. Este “deve ser o último recurso, não estamos nesse ponto ainda”, explicou à IPS o secretário executivo do Igad, Mahboub Maalim. O problema é que nenhum embargo nem os quatro mil soldados adicionais acertarão as diferenças políticas entre os líderes sul-sudaneses, que originaram o atual conflito. “O povo precisa ter em que se agarrar, e isso é a implantação do acordo (de agosto de 2015)”, apontou.
O pacto teve “alguns problemas pelo incidente de julho, mas voltará a funcionar”, acrescentou Maalim, se referindo aos violentos choques que puseram o país à beira da guerra.Entretanto, nem todos concordam com a viabilidade desse acordo. “Há duas partes que não negociam de boa fé e que não entendem como implantar os acordos de paz que assinaram”, observou Messfin.
Na prevenção de conflitos no Sudão do Sul, tenta-se aplicar de forma estratégia o peso político, afirmou à IPS Cedric de Conning, pesquisador do Centro Africano para a Resolução Construtiva de Disputas e do Instituto Norueguês de Assuntos Internacionais. Uma força de proteção, como o reforço da missão de paz, só implantará o que já foi acordado, mas as partes seguem desconfiadas e sem se comprometerem com o processo.
Embora sejam necessárias medidas imediatas para salvar vidas, chegará um ponto em que será preciso “reiniciar” tudo e se necessitará de um novo governo. Enquanto isso, a sociedade civil denuncia um crescente repressão de suas atividades, o que indica maior enfraquecimento da resiliência social.
“Houve um ressurgimento sustentado das violações da liberdade de imprensa nos últimos meses”, indicou à IPS o correspondente do Comitê para a Proteção dos Jornalistas na África Oriental, Murithi Mutinga. “Houve vários casos de jornais fechados de forma arbitrária, os mais destacados são Nation Mirror e Juba Monitor”, detalhou.
A liberdade de imprensa pode contribuir para a busca de um fim sustentado das hostilidades, segundo o Comitê, porque a informação precisa e acessível permite à população compreender melhor a crise sem recorrer à violência. Uma sociedade bem informada também está melhor posicionada para construir um futuro pacífico.
O Sudão do Sul sofre violência permanente desde 2013, quando eclodiu o enfrentamento entre grupos leais ao presidente, Salva Kiir, e o líder opositor no exílio, Riek Machar. Os combates continuaram e chegaram aos grupos étnicos, dinka e nuer, até que se conseguiu um acordo de paz em agosto de 2015. Mas os confrontos recomeçaram em julho deste ano em Juba e deixaram 300 mortos.
Nos últimos três anos, morreram outros milhares, mais de 1,6 milhão tiveram que abandonar suas casas e outros 4,8 milhões carecem de segurança alimentar, segundo a ONU.A implantação do comunicado conjunto será revisada para avaliar os passos a seguir, mas, enquanto isso, o Plano de Resposta Humanitária carece de quase 50% dos fundos necessários para funcionar, apesar de a assistência ser necessária imediatamente.
A possibilidade de forjar um acordo permanente e duradouro, com apoio da ONU, União Africana e Igad, sem dúvidas, as autoridades locais têm. Envolverde/IPS