do Observatório do Clima –
A negociadora emiradense Hana AlHashimi deu a letra na quarta-feira (12), véspera do encerramento da conferência do clima de Bonn: “Se estivesse indo bem, não seria Bonn”. A profecia foi cumprida no dia seguinte. Nesta quinta-feira (13), a SB60, que reuniu negociadores de 196 países na ex-capital alemã, terminou sem entregar o que precisava.
Para sermos justos, a lista de tarefas de Bonn era longa. Bonn precisava avançar um programa de trabalho em agricultura; destravar duas regulações cruciais do mercado de carbono; produzir textos que pudessem ser negociados na COP29, a conferência do clima de Baku, sobre a meta global de adaptação e o Programa de Trabalho em Transição Justa; e, por último, mas mais importante do que tudo, precisava encaminhar o tema crucial do ano, a nova meta de financiamento climático.
Conhecido pela sigla NCQG (Nova Meta Quantificada Coletiva), esse é o principal item da agenda da COP29. Ele definirá quanto dinheiro os países desenvolvidos precisam prover aos países em desenvolvimento para financiar o cumprimento das suas metas climáticas e a adaptação à mudança do clima, além de lidar com as perdas e danos decorrentes dos eventos extremos que já não podem ser evitados.
No final do ano, em Baku, será preciso finalizar a meta, que valerá para o período de 2026 a 2030 e substituirá os pífios US$ 100 bilhões por ano prometidos para 2020-2025 pela conferência de Paris. Era esperado que saísse da SB60 um texto com os elementos mínimos de negociação do NCQG, mas isso não aconteceu: a única coisa que foi produzida nas quatro sessões de discussão entre os países foi um compilado de visões de ricos e pobres (por óbvio, mutuamente excludentes) que, depois de muitas idas e vindas, caiu de 63 páginas para 35 páginas.
Na substância não houve nenhum acordo: enquanto os pobres exigiam “trilhões” de dólares por ano em recursos públicos e a fundo perdido, os ricos insistiam em mobilizar financiamento privado, empréstimos e em rachar a conta com nações emergentes, como China, países árabes e Brasil. As mesmas posições eram repetidas em todas as salas de negociação em dias diferentes. Europeus e americanos sugeriram até que fossem deletadas do texto referências à Convenção do Clima (já que ela estabelece responsabilidades diferenciadas para países ricos, que têm mais obrigações).
As conversas sobre o chamado “quantum”, o total de dinheiro a ser mobilizado, ficaram para encontros de alto nível, entre ministros e chefes de Estado, a acontecer depois de Bonn. No mês que vem, em Baku, chefes de delegação farão um “retiro” para tentar resolver o trabalho que ficou pendurado e avançar nas discussões políticas. O Azerbaijão também deve nomear pares de ministros neste semestre para fazer consultas e tentar destravar a negociação.
O fiasco da conversa sobre finanças causou um efeito-dominó em Bonn. Discussões sobre a implementação das recomendações do Balanço Global (a orientação produzida na conferência de Dubai, no ano passado, para a formulação dos planos climáticos nacionais, as NDCs) não avançaram porque havia uma componente de financiamento na implantação das NDCs; a meta global de adaptação, da mesma forma parou no elemento financeiro. E assim por diante.
“O resultado das negociações de clima de Bonn é um reflexo de uma luta de décadas para que as nações ricas cumpram suas obrigações e ajudem os países em desenvolvimento a agir contra a crise climática. Até que esse impasse seja solucionado, todos os outros temas permanecerão reféns”, disse Tasneen Essop, diretora-executiva da Climate Action Network, a maior rede ambientalista do planeta.
“Perdemos mais uma oportunidade de avançar em Bonn, só que a atmosfera não vai esperar; a janela de oportunidade para limitar o aquecimento global a 1,5oC, como manda o Acordo de Paris, está quase fechada. Isso põe pressão adicional sobre a COP30, em Belém, e sobre a necessidade de liderança brasileira no processo internacional. Só que isso não vai acontecer com o presidente Lula dizendo que não pode ‘perder a oportunidade’ de abrir novas fronteiras de óleo e gás”, disse Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do OC.
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 120 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática.