Política Pública

Conflito em projeto minerador do Peru

Alguns integrantes das 16 famílias camponesas que se negam a abandonar suas terras na localidade de Taquiruta, enquanto a empresa da mina Las Bambas não as indenizar de forma justa pela perda de seus currais, animais e moradias. Ao fundo, as operações do maior projeto de mineração do Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS
Alguns integrantes das 16 famílias camponesas que se negam a abandonar suas terras na localidade de Taquiruta, enquanto a empresa da mina Las Bambas não as indenizar de forma justa pela perda de seus currais, animais e moradias. Ao fundo, as operações do maior projeto de mineração do Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS

Por Aramís Castro e Milagros Salazar, da IPS – 

Lima e Challhuahuacho, Peru, 5/9/2016 – O novo governo do Peru enfrenta a herança de 150 conflitos socioambientais vinculados à indústria extrativista, em uma lista em que se destacam as reclamações da população que convive com o maior projeto de mineração da história do país: Las Bambas.

A mina de cobre a céu aberto fica no município de Challhuahuacho, no departamento de Apurímac, e é operada pela gigante asiática MMG Limited, encabeçado pela estatal chinesa Minimetals Corporation, que investiu mais de US$ 10 bilhões em seu primeiro projeto na América Latina.

O Peru, com uma economia em que a mineração tem um peso determinante, é o terceiro produtor de cobre do mundo e o quinto de ouro, e para Las Bambas, que entrou em operação em janeiro, se projeta produção inicial superior a 400 mil toneladas anuais de concentrado de cobre.

O conflito teve seu momento mais crítico em setembro de 2015, quando um enfrentamento entre moradores e forças policiais acabou com três mortos e 29 feridos. O governo anterior, de OllantaHumala (2011-2016), estabeleceu então uma mesa de trabalho para atender as demandas dos moradores. No dia 22 de agosto deste ano, foi realizada a primeira reunião dessa mesa desde que o conservador Pedro Pablo Kuczynski assumiu a Presidência, em 28 de julho.

“Não queremos conflitos. Mas se te dou a mina, também te dou condições”, disse à IPS o camponês Daniel Olivera, da comunidade de Ccayao, sobre as não atendidas demandas das localidades da área de influência da mina, com reservas de 7,2 milhões de toneladas métricas de cobre, além de molibdênio e outros minerais.

A mesa de trabalho foi instalada em fevereiro deste ano, para avançar em quatro temas: direitos humanos, ambiente, desenvolvimento sustentável com investimentos a cargo do Estado,e responsabilidade social empresarial. O único resultado até agora, segundo os representantes da comunidade do entorno da mina, de indígenas quéchua, foi o estabelecimento de uma indenização para as famílias das três pessoas mortas no enfrentamento.

A nova sessão da mesa está prevista para 7 de setembro, quando o presidente da Frente de Defesa dos Interesses da Província de Cotabambas, Rodolfo Abarca, espera que sejam discutidos “os temas de fundo”.As três áreas de trabalho da mina e as instalações para tratamento ficam a quatro mil metros de altitude na Cordilheira dos Andes, entre as províncias de Cotabambas e Grau, departamento de Apurímac.

A Frente exige um estudo independente para esclarecer a origem do conflito: as modificações aprovadas pelo Ministério de Energia e Minas (Minem) no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto, feitas sem consulta à população, apesar de seu potencial efeito sobre as fontes de água, os solos e o ar.

A mudança mais polêmica é a feita em 2013 mediante um Informe Técnico de Sustentação (ITS), no qual as autoridades admitiram o traslado da unidade de filtragem que separa o molibdênio e o cobre, de Tintaya, no vizinho departamento de Cusco, para Fuerabamba, em Cotabambas.

Duas meninas e sua mãe em uma rua de Nueva Fuerabamba, localidade para onde foram levados indígenas quéchua desalojados pela exploração da mina de cobre a céu aberto de Las Bambas, afastados de sua tradicional forma de vida, no departamento de Apurímac, na serra andina do sul do Peru. Foto:Milagros Salazar/IPS
Duas meninas e sua mãe em uma rua de Nueva Fuerabamba, localidade para onde foram levados indígenas quéchua desalojados pela exploração da mina de cobre a céu aberto de Las Bambas, afastados de sua tradicional forma de vida, no departamento de Apurímac, na serra andina do sul do Peru. Foto:Milagros Salazar/IPS

Essa mudança implicava a elaboração de novos estudos para medir o potencial impacto ambiental na nova localização, mas no ITS foi ignorado, alertaram os engenheiros ambientais que revisaram o projeto com mais de 1.500 folhas,junto com a equipe do portal peruano de jornalismo investigativo Convoca.

Enquanto para o Minem e a mineradora Las Bambas essas modificações eram menores e de impactos “não significativos”, para os especialistas representavam mudanças importantes que exigiam uma análise melhor.O ITS faz parte dos processos de simplificação de requerimentos aprovados em 2013 pelo governo de Humala, mediante o decreto 054-2013-PCM, com o objetivode acelerar os investimentos privados no país.

Entre essas simplificações está a de não exigir a participação da cidadania para admitir mudanças nos estudos ambientais, por supor que eles modificam componentes auxiliares do projeto ou ampliações para melhoras técnicas.Os engenheiros ambientais informaram o Convoca, segundo disseram seus jornalistas à IPS, que, no caso de Las Bambas, o ITS foi usado para justificar modificações com rapidez, sem a elaboração de estudos específicos que previnam potenciais impactos ambientais, e para evitar a consulta à população.

O ITS também abriu caminho para que não se exigisse mais que os minerais sejam transportados por um mineroduto, uma grande tubulação que protege o traslado dos metais, que agorapodem ser levadosem caminhões, que desde janeiro levantam uma grande poeira que agita a reclamação da população. Por e-mail à Convoca, a empresa argumentou que são utilizados “contêineres selados” e o caminho é molhado antes da passagem dos caminhões.

Com a eliminação do minerotudo também foram sepultadas as expectativas dos moradores das 20 comunidades camponesas e outras quatro pequenas localidades de quatro municípios, que esperavam alugar ou vender as terras que seriam percorridaspela tubulação que figurava no EIA original. “Foi um balde de água fria. É muito triste”, lamentouOlivera, cuja comunidade fica na área que o mineroduto atravessaria.

Para os engenheiros ambientais, seria necessário um estudo do impacto ambiental gerado pelo transporte dos minerais em caminhões e não por uma tubulação protegida. Também destacaram a necessidade de um estudo de impacto na saúde decorrente do transporte da unidade de filtragem, “já que se processará e produzirá, além de cobre, molibdênio, que é prejudicial à saúde humana”, porque gera disfunções no fígado e tipos severos de artrite.

O Minem afirmou, também por e-mail, que essa realocação “da unidade de molibdênio, bem como a área de filtragem e o armazém de concentrados”, qualificavam-se para um ITS porque mantêm o plano de manejo aprovado para a unidade. Além disso, assegurou que diminuiu a área de influência do projeto e foi aprovado recircular a água do processo de mineração, “convertendo-se este último em uma melhora”.

A empresa declarou que antes de apresentar seu informe “fez a identificação e avaliação dos impactos que seriam gerados em cada caso e que não seriam significativos”. Em seu discurso de posse, o presidente Kuczynski afirmou que exigiria o cumprimento de toda norma ambiental e respeitaria a opinião de todos os cidadãos em relação ao impacto de um projeto.

Mas o ex-vice-ministro de Gestão Ambiental, José de Echave, apontou à IPS que “não há mecanismos de participação da sociedade”, apesar de a população não estar contra o projeto.Segundo a Defensoria do Povo, existem 211 conflitos sociais abertos no Peru, dos quais 150, equivalentes a 71%, têm como epicentro o território onde são desenvolvidos projetos extrativistas e incluem um componente ambiental

Echave pontuou que o governo deverá identificar estratégias para monitorar os conflitos sociais e manejá-los por meio do diálogo com as instituições do Estado.

O acesso à terra também está por trás do conflito social em Las Bambas. Na localidade de Taquiruta, dentro do povoado de Fuerabamba, 16 famílias vivem a poucos metros do centro de operações de Las Bambas e resistem em deixar suas casas e terras enquanto a empresa não lhes pagar o que consideram “justo”. Os minerais estão sob suas casas.

Eles são os únicos que ainda não partiram. Há pouco mais de dois anos, mais de 400 famílias foram para um novo assentamento, a 30 minutos da comunidade, batizado como Nova Fuerabamba. Echave considera que o governo deve implantar uma lei de reordenamento territorial sustentável para prever potenciais conflitos pelo acesso aos recursos naturais. Envolverde/IPS

*Com a colaboração de Alicia Tovar (Lima).