Política Pública

Confronto por comércio e migração

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Cidade do México, México,  26/1/2017 – O México entrou na fase mais complexa de sua relação com os Estados Unidos em muitas décadas, com o comércio e a migração como os principais fatores de confrontação, e críticas ao governo por sua resposta à crise. O republicano Donald Trump, presidente norte-americano desde o dia 20 deste mês, marcou como uma de suas prioridades renegociar o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), em vigor desde 1994 entre os dois países mais o Canadá, e ameaça abandonar o acordo se não conseguir o que pretende.

No dia 23, o presidente mexicano, o conservador Enrique Peña Nieto, delineou em um ato especial os dez objetivos  na nova relação com Washington, incluídos o respeito ao fluxo de remessas e investimentos para o México, deportação ordenada de ilegais e intercâmbio comercial dentro do TLCAN. Além disso, afirmou que a negociação com seu vizinho se baseará nos princípios de soberania nacional, respeito ao estado de direito, visão construtiva e propositiva, integração norte-americana e negociação integral dos temas dentro da relação bilateral.

Pena Nieto e Trump se encontrarão no dia 31 deste mês, em Washington, o que poderá enviar um sinal quanto a que a proposta mexicana de “diálogo e negociação” possa suavizar o plano do magnata norte-americano de impor um muro, inclusive físico, ao seu vizinho ao sul do rio Bravo. De Los Pinos, sede da Presidência mexicana, se tratou de enviar a mensagem a Trump, de que sua oferta é de uma relação de “ganhar-ganhar”, diante de um pacote de medidas econômicas e sociais que geraria um nexo de “perder-perder”.

No ato, o ministro das Relações Exteriores, Luís Videgaray, recordou que em Estados como o da fronteiriça Califórnia, as exportações para o México garantem 566 mil empregos, situação que se repete em outros, como Indiana, Pensilvânia e Texas, onde 880 mil postos de trabalho dependem das vendas ao vizinho. Quatro dias antes de Trump assumir, Peña Nieto decretou a repatriação temporária de capitais para pessoas e empresas, em troca de benefícios tributários, em uma tentativa de preservar os investimentos no país, diante da anunciada onda protecionista proveniente do norte.

Entretanto, Enrique Dussel, coordenador do Centro de Estudos China-México da estatal Universidade Autônoma do México, destacou que os argumentos de Trump não são “econômico-comerciais”, mas “políticos” e, portanto, as respostas devem ir nessa direção. Esse tema “não é compreendido na dimensão correta. Se alguém, como alguns funcionários mexicanos, busca convencer Trump de que o TLCAN tem coisas boas, não está entendendo do que se trata”, apontou à IPS.

Dussel lamentou que o México, “não está preparado e está institucionalmente muito debilitado” para renegociar o TLCAN, pois “não há uma proposta mexicana de se modernizar, e o país está em uma postura defensiva, uma má estratégia”. O tratado, se argumenta aqui, rende lucros para as indústrias têxtil, tecnológica e automotiva, e para a agroexportação, mas, em troca, colocou em números vermelhos setores fundamentais como a agricultura.

“A avaliação da renegociação teria que ser muito transparente e vigorosa. Qualquer subvenção para os produtores norte-americanos se refletiria no México, de maneira desproporcional, para não ficar em desvantagem”, disse à IPS o ativista camponês Alfredo Acedo. “O governo teria que dar mostras de atuação forte em relação aos interesses dos produtores mexicanos”, apontou o também porta-voz da não governamental União Nacional de Organizações Regionais Camponesas Autônomas.

Com cartazes duros, manifestantes mexicanos protestaram, no dia 20 deste mês, diante da embaixada de Washington na Cidade do México pela chegada à Presidência dos Estados Unidos do direitista Donald Trump. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Devido à sua proximidade e ao TLCAN, os Estados Unidos são o principal sócio comercial desse país. O México, nos últimos 20 anos, se concentrou em sua relação com os Estados Unidos, em detrimento da ligação com outros países, e assim o saldo da balança comercial é bem pouco diversificado e também é deficitário. Segundo dados oficiais preliminares, nos primeiros 11 meses de 2016, o México exportou para o mundo US$ 340,697 bilhões, dos quais US$ 275,858 bilhões tiveram os Estados Unidos como destino. Já as importações totalizaram US$ 353,860 bilhões, sendo US$ 163,719 bilhões procedentes do vizinho do norte.

Durante a campanha eleitoral que levou Trump à Casa Branca, o magnata fez do México seu objetivo preferido de ataques e promessas. Entre elas, a de completar um muro fronteiriço, renegociação do TLCAN, deportação de pelo menos dois milhões de ilegais com antecedentes penais, e altas taxas sobre empresas norte-americanas que fabricarem no México. Trump estuda um imposto sobre as remessas que os ilegais nos Estados Unidos enviam para suas famílias, destinado a financiar um muro separando os 3.200 quilômetros da fronteira compartilhada.

“A ameaça é pior do que pensávamos. O problema é a incapacidade e a falta de vontade do governo mexicano para enfrentar Trump”, opinou à IPS a especialista Laura Carlsen. Antes de tomar posse, Trump conseguiu que pelo menos duas grandes empresas cancelassem investimentos milionários no México, sob pena de impor taxas de entrada altas sobre seus produtos. Inclusive, ameaçou impor uma tarifa de 30% aos produtos mexicanos que entrarem nos Estados Unidos, enquanto o imposto atual para as importações desse país é, em média, de 1,5%.

“O governo diz estar preparado, mas não há nada. Sua resposta é discursiva. Não esperamos maior proteção”, observou à IPS a ativista María García, da Coalizão Binacional Versus Donald Trump. Nos primeiros 11 meses de 2016, as remessas enviadas ao México por migrantes nos Estados Unidos totalizaram US$ 24,63 bilhões, quase o mesmo nível das enviadas no ano anterior, quando somaram US$ 24,70 bilhões, segundo dados oficiais

Em agosto, Peña Nieto convidou Trump para uma visita ao México com a intenção de sensibilizar o milionário presidente sobre os pontos de vista do país, mas sem sucesso. Dias depois, Videgaray – o artífice da malograda visita – renunciou ao Ministério da Fazenda. Este mês, o presidente mexicano o resgatou para a pasta das Relações Exteriores, por sua boa relação com o entorno do novo presidente.

Tal nomeação encerra a ideia de que a diplomacia mexicana se limitará à relação bilateral, na qual tentará lidar com o incômodo mandatário e suas promessas eleitorais. Dussel sugeriu a aproximação com outros mercados, como a China, segundo sócio comercial mexicano. “Há dezenas de propostas e avaliações da relação com Pequim. Tomara que alguém opte por se voltar à China. É preciso ver quais coisas funcionam e quais necessitam de revisão”, destacou.

Acedo propôs recuperar a soberania alimentar, fortalecer o mercado interno, desestimular as importações e fomentar o consumo de produtos nacionais. “Nossa proposta passa pela construção de uma resistência nacional e binacional. Rechaçamos atos de imposição e arbitrariedade” destacou Carlsen. Envolverde/IPS