Por Amanda Lelis, do Instituto Mamirauá –
A pesquisa científica sobre aspectos biológicos e ecológicos de animais silvestres apresenta um desafio: a detecção e captura desses animais em ambiente natural. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, no Amazonas, pesquisadores do Instituto Mamirauá encontraram uma técnica eficiente para a captura de pacas (Cuniculus paca), com a colaboração dos moradores de comunidades locais. O método foi descrito em artigo divulgado recentemente na revista científica internacional Wildlife Biology.
Hani Bizri, pesquisador do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, destaca que a maioria das informações biológicas conhecidas sobre as pacas vem do estudo em cativeiro. De acordo com o pesquisador, a falta de métodos apropriados para captura dos animais, dificulta a coleta de dados científicos que possam auxiliar no desenvolvimento de estratégias de conservação.
A paca é um roedor de grande porte que pesa em média 8 kg. “Apesar do seu tamanho, existe uma grande dificuldade de se obter dados científicos sobre a espécie, pois é um animal estritamente noturno, bastante elusivo e que vive em buracos na terra”, explica Hani.
“A partir da captura, podemos, por exemplo, usar radio-colares para monitorar o deslocamento dos indivíduos, podemos obter amostras de sangue, pelo e pele para pesquisas sobre zoonoses e reprodução”, contou Hani. Após a captura para a coleta de dados, os animais são novamente devolvidos à vida livre, em ambiente natural.
Durante a realização da pesquisa, foram testadas três técnicas em campo, comparando a relação de eficácia e custo das metodologias. O método apresentado no artigo pelos pesquisadores demonstrou resultados mais eficientes e baratos que técnicas científicas convencionais. Esse método foi desenvolvido a partir da adaptação e padronização científica da técnica executada por moradores locais, e realizado com aporte dos conhecimentos tradicionais de caça para subsistência na Amazônia.
Hani ressalta que dois assistentes de pesquisa tiveram participação importante para a pesquisa, que são moradores da comunidade Ubim, localizada na Reserva Amanã. O pesquisador ressalta que “apesar da caça afetar as populações de paca na Amazônia, esta atividade também pode servir como um auxiliador do desenvolvimento de estratégias de conservação para a espécie. Isso porque os moradores locais, de alguma forma, conseguem detectar e se aproximar dos animais para abatê-los”.
A proposta do trabalho foi a utilização de cães para a detecção das pacas na floresta, técnica tradicional de caça na Amazônia. “Discuti bastante essa técnica junto com os moradores locais, que me auxiliaram na padronização do método a partir do conhecimento tradicional sobre a espécie. Nós usamos dois cães de caça da comunidade, que identificavam as locas e expulsavam as pacas para a água, onde capturávamos com redes. O trabalho mostrou que a técnica de caça foi bem mais eficiente, 4 vezes mais do que as gaiolas com iscas usadas em outros locais, demonstrando o grande valor do conhecimento tradicional para aprimorar a ciência. Os moradores locais sentiram-se muito valorizados e também entraram como autores do trabalho”, reforçou Hani.
O pesquisador ressalta que, apesar de ser considerada como “pouco preocupante” pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), a paca sofre ameaças localmente. “Ela se encontra em algum grau de ameaça em metade das listas vermelhas estaduais no Brasil, sendo que os principais fatores para isso é a perda de habitat e a caça. A paca é um animal bastante caçado especialmente na Amazônia, servindo como um importante alimento para os moradores das comunidades locais. Entretanto, na maioria dos trabalhos neste bioma a caça de paca é considerada insustentável”, disse Hani.
Metodologia e resultados
Foram realizadas expedições de campo entre agosto de 2013 e outubro de 2014, englobando o período de seca e cheia na região. Foi delimitada uma área de 10 hectares, onde foram aplicados os três métodos de captura: técnica de caça tradicional com cães, instalação de redes em tocas e instalação de armadilhas com iscas.
O primeiro método obteve75% de sucesso na captura dos animais detectados, enquanto apenas uma paca foi capturada com a instalação das redes e nenhuma com as armadilhas, que ainda capturou dois animais que não eram contemplados na pesquisa e também se destacou como o método mais caro.
Na utilização da técnica de caça tradicional, dois cães treinados previamente por moradores locais ajudaram na detecção dos animais, expulsando-os para fora das tocas, momento em que eram capturados por rede. As buscas aconteceram durante a manhã. Para diminuir os riscos de zoonoses ou ferimentos entre os animais, os cães foram tratados e acompanhados de perto durante a atividade.
No segundo método testado, foram instaladas redes sobre buracos de fuga das tocas após. A equipe percorria as áreas demarcadas pela pesquisa para encontrar o animal, seus rastros ou sua toca. Após a instalação das redes, os animais são expulsos das tocas com o movimento de galhos e ramos. Essa técnica já era sugerida em outros estudos com a espécie.
No outro método, foram instaladas 55 armadilhas camufladas no ambiente, com iscas feitas com uma mistura de banana, mandioca e inhame. As armadilhas eram revisadas durante a noite. Esse método também é indicado para realização de pesquisas com pequenos mamíferos.
Os resultados positivos da pesquisa demonstram que a técnica bem-sucedida pode contribuir para outras pesquisas com a espécie. “Esta técnica é bastante eficiente e poderá ser aplicada em todo o bioma amazônico para obter dados antes impossíveis de se conseguir em campo, como informações reprodutivas e de saúde dos animais e a densidade populacional, e essas informações podem subsidiar estratégias de conservação adequadas para garantir uma exploração sustentável da espécie”, completou Hani.
A pesquisa contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para o pagamento de bolsas. Além de Hani, também assinam o artigo Louise Maranhão e João Valsecch, do Instituto Mamirauá, e Luiz Whashington da Silva Araújo e Wigson da Silva Araújo, moradores da Reserva Amanã. (Instituto Mamirauá/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site do Instituto Mamirauá.