Por Phoebe Braithwaite, da IPS –
Nações Unidas,23/9/2016 – A nadadora síria Yusra Mardini, que integrou a equipe de Atletas Olímpicos Refugiados nos jogos Rio 2016, abriu a reunião de alto nível sobre refugiados, convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, demonstrando uma esperança que foge à maioria de meninos e meninas refugiados.No dia 19, os Estados Unidos foram um dos principais países a obstruir a Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) que proibiria a detenção de todo menor refugiado.
Essa decisão prejudicou o compromisso assumido por Washington no dia seguinte, de reassentar 110 mil refugiados em 2017. Pouco mais da metade dos 65,3 milhões de pessoas deslocadas é de crianças, das quais a maioria, cerca de 25 milhões, não está escolarizada, o que pode deixar toda uma geração atrasada. A cúpula organizada por Obama, realizada no dia 20, foi a segunda reunião de alto nível sobre refugiados e migrantes, após a convocada para o dia anterior pela ONU, durante a Assembleia Geral da ONU.
Os Estados membros não chegaram a um acordo, no dia 19, sobre uma estratégia para reassentar um em cada dez refugiados no mundo. Obama convidou os chefes de Estado e de governo a assumirem compromissos individualmente. O convite se concentrou em “novos compromissos significativos”, sejam lugares de reassentamento ou contribuições econômicas.
No contexto da cúpula, 52 países e organizações se comprometeram a entregar US$ 4,5 bilhões em assistência humanitária, a duplicar o número de pessoas reassentadas, seja como refugiadas ou outras vias legais, a melhorar o acesso a educação para um milhão de crianças e oferecer opções de trabalho para um milhão de refugiados.
“Essa crise é uma prova de nossa humanidade comum, seja cedendo às suspeitas e ao medo e construindo muros, ou nos olhando de outra forma”, apontou Obama em seu oitavo e último discurso na Assembleia Geral como presidente dos Estados Unidos, claramente se referindo à campanha de terror que realiza o candidato do opositor Partido Republicano, Donald Trump.“Essas meninas vítimas do tráfico e de torturas poderiam ser nossas filhas”, ressaltou Obama.
Entretanto, seu governo é responsável pela detenção de menores sem acompanhantes adultos e de mulheres jovens procedentes da América Central, um espinho no que chamam de seu “quintal dos fundos”.Obama deve receber “felicitações por tentar compartilhar a responsabilidade em escala global”, destacou à IPS Kevin Appleby, diretor do Centro de Estudos Migratórios, com sede em Nova York.“Mas deve ser consistente com todos os grupos de refugiados. O governo não volta todo seu esforço para a proteção desse fluxo migratório particular”, acrescentou, se referindo aos refugiados centro-americanos.
“Para nós, não há nenhuma dúvida de que a detenção de menores não resolve nada e acaba castigando as pessoas mais vulneráveis, que nada tiveram a ver com a criação da situação que os obriga a fugir. Estamos extremamente decepcionados pelo fato de se ter diluído o texto sobre a detenção de menores no documento final”, opinou à IPS Hannah Stoddart, diretora de comunicações da organização War Child.
“Vemos que as crianças que não fogem de situações de conflito correm um risco muito maior de serem detidas, e nossa mensagem é muito clara e diz que nenhuma criança deve ser criminalizada por fugir dos horrores da guerra, por seus pais ou pelo status legal de seus pais”, enfatizou Stoddart. A Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual os Estados Unidos são um dos poucos países não signatários, diz que “nenhuma criança deve ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária”, e também que a detenção de um menor deve ser “pelo menor tempo apropriado”.
Na cúpula de Obama, a promessa de priorizar a educação dos refugiados foi aplaudida, mas somente 50% de meninos e meninas nessa situação cursam o ensino primário e apenas 22% o secundário. As crises prolongadas colocam em risco gerações inteiras. A organização War Child lamentou que os mais de US$ 129 milhões comprometidos pela Grã-Bretanha se destinem à dissuasão, pois seria “melhor investi-los em educação e na proteção das crianças que fogem de conflitos e da perseguição”.
O governo britânico já constrói um muro na cidade francesa de Calais, para impedir a passagem de refugiados e imigrantes. Um adolescente afegão de 14 anos morreu atropelado por um caminhão quando tentava entrar no território britânico, apesar de ter direito de estar ali, como a maioria das 900 crianças sem acompanhantes adultos atualmente perdidos em Calais.
Por sua vez, o diretor da Liga Palestina para os Direitos Humanos, Salim Salamah, observou que um dos aspectos mais importantes de garantir a escolarização das crianças é que seus pais estejam empregados. Ele é um palestino nascido e criado em um acampamento de refugiados da Síria, que foi obrigado a pedir refúgio na Suécia um ano antes de obter o diploma de advogado na Universidade de Damasco.
Alguns esforços prosperam, como o caso dos sírios do acampamento jordaniano de Zaatari, que há pouco conseguiram permissão de trabalho. Mas é preciso muito mais, pois somente na Jordânia há 670 mil refugiados sírios e nove em cada dez vivem com apenas US$ 87 por mês.Entre outubro de 2013 e agosto de 2015, cerca de 102 mil crianças sem acompanhantes adultos chegaram aos Estados Unidos, procedentes do México e de outros países da região, como El Salvador, Honduras e Guatemala.
Obrigados a fugir da violência das gangues, da extrema pobreza e de Estados incapazes ou reticentes em protegê-los, o número de menores que viajam sozinhos é notoriamente maior do que o fluxo regular de pessoas que chegam aos Estados Unidos desde a década de 1980. “A proteção de menores não deve depender do status migratório de seus pais”, apontou Megan McKenna, diretora de comunicações da organização Kids in Need of Defense (Kind), dedicada a fornecer serviços legais a menores. “É uma questão de proteção infantil, não um problema migratório, nem um problema de controle policial”, disse à IPS.
Segundo o Programa de Menores da América Central, apenas as crianças cujos pais têm status legal nos Estados Unidos obtêm permissão para ficar nesse país. Várias organizações de direitos humanos denunciam que seis em cada dez centro-americanos que chegam aos Estados Unidos têm argumentos válidos para pedir asilo, mas costumam ser tratados como migrantes econômicos e não como refugiados.
No dia 20, Obama declarou na ONU que “os Estados Unidos são uma superpotência rara na história da humanidade, porque até agora têm sido capazes de pensar além de seus próprios interesses”. Mas, segundo Appleby, “no que se refere aos refugiados da América Central, está mais do que claro que sua política responde a interesses nacionais”.
“Tudo que se ouve dizer sobre ajudar e salvar as pessoas no Mar Mediterrâneo, em termos de reunificação familiar, nosso governo é culpado de não cumprir”, enfatizou Appleby, acrescentando que “os Estados Unidos gastam milhões de dólares com a detenção de famílias em cárceres privados e pagando às autoridades mexicanas para que impeçam e detenham o fluxo de migrantes”.
É preciso prestar mais atenção na cumplicidade de Washington com os problemas que afetam a região, desde sua política externa, desde seu papel após o golpe de Estado em Honduras, em 2009, contra o governo democrático do presidente Manuel Zelaya, até a guerra contra as drogas.
“Sinto muito”, declarou Appleby, “mas Obama deportou mais pessoas do que todos seus antecessores e separou mais famílias do que qualquer dos presidentes anteriores. Assim, terei que objetar suas palavras porque o que pratica de fato não condizcom suas ações”. Envolverde/IPS