Por Patricia Grogg, da IPS –
Havana, Cuba, 12/1/2017 – O governo cubano enfrenta o desafio de aprofundar suas reformas e estendê-las ao plano político, em um ano em que se prepara a substituição de 2018, entre novas dificuldades econômicas e o provável retrocesso no degelo com os Estados Unidos. Muitos analistas em Cuba evitam fazer conjeturas e preferem esperar que o novo presidente norte-americano, Donald Trump, assuma, no dia 20, e comece a adotar medidas, alegando que uma coisa é a campanha eleitoral e outra é governar.
Em todo caso, qualquer que seja o rumo da nova administração em Washington, haverá impacto nesse país caribenho, separado por apenas 120 quilômetros da costa norte-americana. Esteban Morales, economista e estudioso dos vínculos cubano-norte-americanos, não acredita que Trump se deixe levar pela linha de acabar com os negócios já iniciados com Cuba. “Mas também creio que nosso país está preparado para suportar uma volta ao passado”, opinou à IPS.
Por sua vez, o ativista social Isbel Díaz estima que Cuba “não deveria subordinar sua política interna ao inquilino da Casa Branca, seja Obama ou Trump. E afirmou à IPS que, se Havana for coerente com seu próprio discurso de independência, terá que assumir esse desafio”. A chegada de Trump à Casa Branca afasta as esperanças de que o Congresso dos Estados Unidos, controlado pelo Partido Republicano, ceda às demandas para acabar com o embargo contra Cuba, considerado por Havana como o principal obstáculo para seu desenvolvimento e a plena normalização dos laços bilaterais.
Esse cerco econômico, vigente desde 1962, freia a chegada ao país de investimentos estrangeiros nos volumes que necessita (cerca de US$ 3 bilhões ao ano), junto com causas de ordem interna, como as dilações excessivas no processo negociador e preconceitos que o presidente Raúl Castro pediu para serem superados. Se Trump decidir vetar as diretrizes executivas de seu antecessor, o democrata Barack Obama, que nos últimos dois anos flexibilizou as restrições do embargo, não apenas Cuba será afetada, mas também setores empresariais norte-americanos interessados em investir ou que já negociam seu desembarque no país.
“Não creio que Trump tenha um argumento sólido para proibir novamente as empresas aéreas de voarem para Cuba, nem os cruzeiros que chegarão este ano. Ou que discuta com (as empresas hoteleiras) Marriot e Starwood para que saiam de Cuba” (depois de serem autorizadas a operar estabelecimentos locais), apontou à IPS o economista cubano Omar Everleny Pérez Villanueva. “Mas, se Trump agir contra toda lógica, Cuba deverá ter a sua própria lógica”, acrescentou esse especialista, que recomenda acelerar a aprovação de propostas de investimentos procedentes de Espanha, França, Itália, Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Alemanha e Holanda, entre outros.
Desse ponto de vista, entre outras medidas também se deveria avançar na descentralização da produção, ampliação de atividades a serem desempenhadas pelo setor privado, aumento das cooperativas, aprovação de pequenas e médias empresas e que estas possam fazer alianças com o setor estatal como fornecedores.
José Gómez Barata, colunista do jornal mexicano Por Esto, mostrou o pouco abordado campo político das transformações em várias de suas crônicas que circulam na internet. Em sua opinião, os progressos registrados sob o governo de Obama permitem que Cuba esteja melhor posicionada para enfrentar qualquer alternativa. Villanueva defende o aprofundamento e a dinamização das transformações. “A extensão do ambiente de reformas para os campos político, institucional e jurídico parece inadiável. Sem eles é difícil avançar na economia. Os temas constitucionais e eleitorais não podem esperar”, destacou.
Em um discurso no parlamento, em setembro, o presidente Castro reiterou a opção socialista do modelo cubano. “Não vamos nem iremos para o capitalismo. Isso está totalmente descartado, assim consta de nossa Constituição, e manteremos”, declarou Raúl Castro na última sessão do ano do parlamento cubano. Entre os que costumam ler nas entrelinhas, essa menção alentou esperanças de que a reforma da Constituição não está longe. Em seu texto, vigente desde 1976, foi introduzido, em 2002, um artigo que declara “irrevogável” o socialismo e o sistema político e social de Cuba.
O tema constitucional está na mesa desde que, em 2011, o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC) acordou limitar a um máximo de dois períodos consecutivos a permanência nos cargos dos principais dirigentes estatais e governamentais e estabeleceu teto de idade para ocupá-los (60 anos no comitê central do PCC e 70 em cargos de direção).
Para instituir esse e outros aspectos do processo de atualização do modelo de desenvolvimento, é preciso modificar a Constituição mediante um referendo, embora Castro, de 85 anos, tenha afirmado que, em seu caso, não esperaria essa mudança para deixar a Presidência após cumprir, em 2018, o segundo mandato, para o qual foi reeleito em 2013. Especialistas no tema incluem entre as mudanças constitucionais que requer a realidade atual do país e de sua sociedade, a separação dos poderes do Estado, com ênfase em uma reestruturação e um fortalecimento do parlamento unicameral, e uma “inequívoca” independência do poder judicial.
No próximo ano, deverão ocorrer eleições gerais para renovar a Assembleia Nacional e o governante entregará o comando a quem esse órgão do Poder Popular designar como presidente do Conselho de Estado, o máximo órgão do poder local, e cujo líder ostenta a chefia do Estado e do governo. Não se descarta que Raúl Castro mantenha seu posto como primeiro secretário do PCC.
Um forte candidato para suceder o presidente é Miguel Díaz-Canel, atual primeiro vice-presidente do Conselho de Estado, a quem o mandatário elogiou por sua tenacidade e sistemática no trabalho, espírito autocrítico, constante vinculação com o povo e alto senso de trabalho coletivo. Seu cargo atual lhe confere a responsabilidade de substituir em suas funções o presidente do Conselho de Estado em caso de ausência, doença ou morte. Segundo Castro, é uma maneira de preservar, sem interrupções de nenhum tipo, a continuidade e estabilidade da nação.
Nascido em 22 de abril de 1960, Díaz-Canel começou sua carreira política na União de Jovens Comunistas, a continuou no PCC e, entre 2009 e 2012, foi ministro da Educação Superior. A idade média dos 31 membros atuais do Conselho de Estado é 57 anos e mais de 60% nasceram depois da vitória da Revolução. Díaz-Canel encabeça a fornada de novos dirigentes cubanos, que deverão ganhar as posições às quais ascenderem pelo desempenho que tiverem ao colocar em prática a atualização do modelo e pela popularidade e pelo prestígio que alcançarem perante os cidadãos.
Segundo vários analistas, não poderão governar Cuba como fizeram Fidel Castro, falecido em 25 de novembro, e seu irmão Raúl Castro, pois não têm a legitimidade carismática nem a autoridade que tiveram aqueles como líderes da geração histórica. Esse grupo também tem o desafio de propiciar “um modelo mais coletivista e democrático de direção, ampliar os espaços públicos de deliberação política” e uma participação mais ativa da sociedade. Para eles, a institucionalidade do país é crucial. Envolverde/IPS