Política Pública

Desigualdade, subemprego e menos trabalho

Por Bahel Kamal, da IPS – 

Roma, Itália 26/1/2017 – Os prognósticos para este ano apresentam um futuro desanimador com o aumento do desemprego e um número maior de trabalhos precários, além de maior desigualdade social, com 1,4 bilhão de pessoas em alguma forma de emprego vulnerável. O desemprego poderá afetar 3,4 bilhões de pessoas este ano devido à deterioração das condições do mercado profissional em países emergentes, particularmente na América Latina e no Caribe, alerta um novo informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Um prato de feijão na Suíça custa 0,4% da renda diária média. Já no Malawi, esse mesmo prato representa quase 41%, segundo um relatório divulgado este mês pelo Programa Mundial de Alimentos. Foto: PMA África ocidental

 

Por outro lado, nos países ricos, o prognóstico é de que o desemprego diminuirá, especialmente no norte, sul e oeste da Europa, bem como nos Estados Unidos e no Canadá, de acordo com o documento World Employment and Social Outlook: Trends 2017 (Emprego no Mundo e Perspectiva Social: Tendências 2017). Os 1,4 bilhão de pessoas que trabalham em empregos vulneráveis representam 42% dos empregados em 2017, alerta o documento divulgado pela OIT no dia 12 deste mês.

“Nos países emergentes quase um em cada dois trabalhadores ocupa um emprego vulnerável e, nos países em desenvolvimento, esse nível sobe para mais de quatro em cada cinco trabalhadores”, destacou Steven Tobin, economista principal da OIT e principal autor do informe. “Estamos diante de um duplo desafio: reparar os danos causados pelas crises econômica e social mundiais e gerar empregos de qualidade para as dezenas de milhões de pessoas que a cada ano se incorporam ao mercado de trabalho”, afirmou o diretor-geral da OIT, Guy Ryder.

O crescimento do produto interno bruto registrou em 2016 seu menor nível dos últimos seis anos, e bem abaixo das projeções de 2015, aponta o documento. “Os analistas ainda ajustam suas estimativas para baixa referentes a 2017, e persiste a incerteza pela situação da economia global, por isso os especialistas se preocupam com a possibilidade de a economia não conseguir empregar um número suficiente de pessoas e que o crescimento não gere benefícios inclusivos e compartilhados”, pontua o informe.

Segundo o documento, desde 2009 aumenta em todas as regiões do mundo a proporção de pessoas ativas dispostas a emigrar em busca de trabalho. A tendência é mais forte na América Latina, Caribe e países árabes. A OIT também aponta numerosas desigualdades sociais que criam barreiras para o crescimento e a prosperidade.

Em particular, a brecha de gênero incide no mercado de trabalho. Por exemplo, no norte da África as mulheres têm o dobro de probabilidade do que os homens de não ter emprego. “A brecha se amplia muito mais nos países árabes”, detalha o documento. As várias desigualdades registradas nos diferentes setores de população sugerem, segundo a OIT, um aumento do risco de descontentamento e mal-estar social em todas as regiões.

Jovens albaneses regressam ao seu país, após ficarem sem trabalho no estrangeiro devido à crise econômica mundial. Para muitos deles, reingressar no mercado profissional local é uma árdua tarefa. Um projeto conjunto da Organização Internacional do Trabalho e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento os ajuda a enfrentar o desafio. Foto: ONU

 

“O crescimento econômico continua decepcionando e é inferior ao esperado, tanto em seu nível como em seu grau de inclusão. Isso desenha um quadro preocupante para a economia mundial e sua capacidade de criar empregos suficientes, muito menos empregos de qualidade”, observou Ryder. “A perspectiva de um alto nível de empregos vulneráveis, associada a uma evidente falta de progresso na qualidade dos empregos, mesmo em países onde os números agregados melhoram, é alarmante”, acrescentou.

A OIT pediu cooperação internacional e coordenação de esforços para oferecer estímulo fiscal e investimentos públicos para impulsionar de imediato a economia global e evitar o aumento previsto de desemprego, o que afetaria dois milhões  de pessoas. Essa situação aumentará mais a desigualdade, uma tendência já caracterizada no informe Uma economia para 99%, divulgado pela Oxfam Internacional no dia 16 deste mês. No tocante ao mercado de trabalho, a organização alerta que no mundo “as pessoas ficam para trás”.

Esse documento enfatiza que “seus salários ficam estagnados, apesar de os empresários levarem para casa bônus de US$ 1 milhão. São reduzidos seus serviços de saúde e educação, enquanto as corporações e os super-ricos deixam de pagar impostos; suas vozes são ignoradas, enquanto os governos cantam no ritmo das grandes empresas e da elite endinheirada”.

Desde que jovens, homens e mulheres, protestaram em 2011 pela falta de emprego e pelo baixo nível de vida, a Tunísia impulsionou uma série de mudanças políticas e sociais. Mas o mercado de trabalho só piorou, dificultando suas possibilidades de encontrar uma colocação formal. Foto: ONU

 

“Os benefícios do crescimento econômico não são distribuídos de forma equitativa em nossas sociedades”, disse Anna Ratcliff, responsável de mídia e pela campanha Acabemos Com a Desigualdade Extrema, da Oxfam. “Grande parte da renda gerada nos últimos 30 anos foi acumulada pelos donos do capital e pelos que estão no alto da pirâmide. Os trabalhadores de muitos países viram seus salários estagnados e como não aumentaram, nem perto nem tão rápido como os ganhos dos capitalistas”.

Para maximizar os lucros de seus acionistas, as grandes corporações burlam o pagamento de impostos e assim reduzem os salários dos trabalhadores e o que pagam aos produtores, e investem menos em seus negócios, gastando milhares de milhões de dólares em lobbies para que as regras estejam a seu favor, explicou Ratcliff. Essa situação afeta as pensões, os direitos trabalhistas e a segurança no trabalho em todo o mundo, além de atingir mais duramente mulheres e jovens, que estão concentrados nos empregos precários e têm salários menores, acrescentou.

“Se não enfrentarmos a desigualdade, os trabalhadores de todo o mundo pagarão o preço com maior insegurança e salários menores”, alertou a representante da Oxfam.

Um estudo do Programa Mundial de Alimentos (PMA) revela que um simples prato de comida no Malawi é muito mais caro do que na cidade suíça de Davos, quando se compara uma renda média diária. A análise faz parte de uma nova iniciativa do PMA, chamada Hot Dinner Data (Dados de Uma Comida Quente), lançada no dia 13 deste mês, bem antes da abertura, no dia 17, do Fórum Econômico Mundial, a cúpula que reúne governantes, dirigentes políticos e autoridades econômicas nessa cidade da Suíça.

O estudo “reflete as distorções no poder aquisitivo entre ricos e pobres na tentativa de atenderem suas necessidades básicas”, disse Arif Husain, chefe de economia do PMA. Os dados revelam que nos países em desenvolvimento as pessoas chegam a pagar cem vezes mais do que nas nações ricas por uma refeição básica. E em condições mais extremas, por exemplo, nas regiões em conflito, esse custo pode ser 300 vezes maior.

Se pegarmos o exemplo de um prato de feijão, alimento padrão em muitos países e para muitas culturas, observa-se que na Suíça custa 0,88 francos suíços (cerca de US$ 0,87), o que representa 0,41% de uma renda média diária. “Esse valor é cem vezes superior no Malawi, onde uma pessoa precisa gastar 41% de sua renda diária para comprar o mesmo prato. Na Índia e na Nicarágua seria preciso pagar entre 10 e 15 vezes mais do que na Suíça”, detalhou Husain. Envolverde/IPS

* Este é o último artigo da série sobre o alarmante aprofundamento da desigualdade no mundo.