Política Pública

Dissidentes e denunciantes sob pressão na Austrália

Por Stephen de Tarczynski, da IPS – 

Melbourne, Austrália 29/11/2016 – O vínculo da australiana Samantha Castro com a organização de mídia sem fins lucrativos Wikileaks lhe causou problemas com a Polícia Federal Australiana. Ela acredita que os policiais também invadiram sua conta de e-mail e seu computador, além de apagar os contatos de seu telefone.

“Investem todo esse tempo e esforço para me perturbar psicologicamente com a esperança de que deixe de fazer o que estou fazendo”, afirmou Samantha, uma coordenadora de operações da organização Amigos da Terra que em 2010 foi cofundadora da Aliança de Cidadãos Australianos da Wikileaks, atualmente conhecida como Aliança de Denunciantes, Ativistas e Cidadãos (Waca).

A Wikileaks divulga documentos e arquivos oficiais e censurados relacionados com guerra, espionagem e corrupção. Apesar de ter ganho vários prêmios destinados à liberdade dos meios de comunicação, também provocou a ira de diferentes governos, incluindo o da Austrália.

A ativista explicou que trabalhar com o fundador da Wikileaks, o australiano Julian Assange (que permanece refugiado desde 2012 na embaixada do Equador em Londres, a fim de evitar sua extradição para os Estados Unidos), chamou a atenção das autoridades sobre ela.

Samantha acredita que foi seu vínculo com a organização de Assange que provocou a invasão de sua casa em 2014, ação que atribui à polícia. “A razão foi a informação e o conhecimento (que tinha) quando estava com a Wikileaks”, disse à IPS. Embora não faltasse nada da casa, suas chaves estavam alinhadas na mesa da cozinha junto a um telefone que havia sido aberto. Samantha considerou o caso como um indício de que estava sendo vigiada, mas não denunciou o caso às autoridades policiais.

“Soube imediatamente. Foi um sinal muito claro de que queriam que eu soubesse que sabiam”, destacou a ativista, acrescentando que passou “muito tempo” procurando por microfones em sua casa. Embora a polícia não faça comentários sobre suas operações em curso, é necessária uma ordem judicial para vigiar uma pessoa. A IPS entende que também é necessária a aprovação de um juiz para entrar em uma residência e colocar de maneira encoberta um aparelho de escuta.

“Senti a ira do estado de vigilância desde que fundamos a Waca”, contou Samantha. Não só os ativistas de organizações não governamentais como a Waca se sentem pressionados. Existe a sensação de que está diminuindo o espaço para que a sociedade civil em geral expresse sua discordância ou denuncie abusos. Aqueles que o fazem se arriscam ao vilipêndio público, à perda econômica e à prisão.

Em sua visita à Austrália, em outubro, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Michel Forst, expressou sua surpresa diante da situação. “Me assusta ver a crescente evidência de uma série de medidas cumulativas que geram simultaneamente uma enorme pressão sobre a sociedade civil australiana”, disse naquela oportunidade.

 Sob as leis de segurança nacional da Austrália, as empresas de telecomunicações devem guardar os metadados dos australianos durante dois anos. Foto: Stephen de Tarczynski/IPS

Sob as leis de segurança nacional da Austrália, as empresas de telecomunicações devem guardar os metadados dos australianos durante dois anos. Foto: Stephen de Tarczynski/IPS

 

Entre as questões às quais se referiu, destacam-se a retirada de fundos de organizações ambientais e indígenas e as leis contra os protestos e a favor do segredo, “particularmente nas áreas de imigração e segurança nacional”. Em 2015, o procurador-geral George Brandis qualificou os ambientalistas que recorrem às ações legais para promover sua causa de “ativistas verdes radicais que se envolvem em demandas para paralisar importantes projetos econômicos”.

O Estado da Tasmânia, segundo Forst, “priorizou os interesses empresariais e governamentais sobre os direitos democráticos dos indivíduos protestarem pacificamente”. Do mesmo modo, uma lei aprovada em março no Estado de Nova Gales do Sul prevê que os manifestantes correm risco de passarem até sete anos na prisão por interferir com atividades de mineração.

Há pouco mais de um ano foram aprovadas leis de retenção da dados, supostamente por razões de segurança nacional, que obrigam as empresas provedoras de serviços a guardarem os metadados das atividades de telecomunicações realizadas pelos australianos durante dois anos. Vinte e um organismos estatais podem ter acesso aos dados e solicitar uma ordem de informação jornalística para identificar a fonte confidencial de um repórter.

Paul Murphy, diretor-geral da Aliança de Meios de Comunicação, Artes e Entretenimento, um sindicato de jornalistas, diz que a ética da profissão requer que esses profissionais protejam a identidade de suas fontes. “Os jornalistas devem trabalhar de maneira mais inteligente para garantir que as pessoas corajosas possam contar suas histórias com confiança e o jornalismo de interesse público continue desempenhando seu papel vital em uma democracia sadia e funcional”, ressaltou.

Tampouco se salvaram aqueles em cargos superiores. A professora Gillian Triggs, presidente da independente Comissão de Direitos Humanos da Austrália, recebeu críticas de vários ministros do governo desde a publicação, em 2015, de seu informe sobre a saúde mental e física de crianças detidas.

O então primeiro-ministro, Tony Abbott, declarou que o documento tinha motivações políticas e que a comissão “deveria estar envergonhada de si mesma”, enquanto o ministro da Imigração, Peter Dutton, afirmou que grande parte do conteúdo era “obsoleto ou questionável”.

Em outubro, outro ministro exortou Triggs a “se manter fora da política e apegar-se aos direitos humanos”, enquanto o atual primeiro-ministro, Malcolm Turnbull, confirmou, no dia 16 deste mês, que o contrato da professora não será renovado quando terminar, em meados do próximo ano.

Apesar de tudo, Triggs se defendeu, um fato que o professor e ativista Brian Martin considera que pode inspirar outros “que queiram resistir”. Mas também tem uma contraparte: “pode-se dizer que os ataques claros, como aquele contra Triggs, são uma advertência aos demais para que tenham mais cuidado”, pontuou. Em 2015 também foi aplicada a polêmica Lei da Força Fronteiriça, que Forst descreve como “sufocante”.

Em junho foi cancelado o contrato com um psicólogo com grande experiência nos centros de processamento de imigração extraterritoriais da ilha Manus, em Papua-Nova Guiné, e de Nauru, depois que falou sobre as atrozes condições nos acampamentos destinados aos solicitantes de asilo. As disposições da lei em matéria de confidencialidade preveem pena de prisão de dois anos para o funcionário de imigração e proteção fronteiriça que divulgar “informação protegida”, obtida no transcurso de seu emprego. Envolverde/IPS