Dal Marcondes entrevista o pesquisador  Carlos Afonso Nobre, um principais cientistas climáticos do Brasil – Este diálogo foi realizado no âmbito da pesquisa para a criação do Caderno de Bioeconomia para o Centro Sebrae de Sustentabilidade.

Precisamos redefinir o conceito de bioeconomia aplicável à nossa condição em particular. A Europa quer produzir materiais a partir de poucos elementos naturais.  Principalmente para substituir a economia do carvão, do petróleo, do aço. É voltada a uma bioeconomia de combate à crise climática. A Alemanha planeja que 30% de sua economia venha de organismos biológicos, como a madeira para substituir materiais de construção, como o aço, por exemplo. Principalmente porque a madeira retira carbono da atmosfera.

Devemos buscar uma bioeconomia que zere o desmatamento e que restaure áreas degradadas.

Entrevista em vídeo CARLOS NOBRE  

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O Brasil tem uma diferença de realidade, Aqui 50% de nossas emissões são diretamente relacionadas ao desmatamento. Nossa maneira de enxergar a emergência climática tem de ser diferente. Nossa bioeconomia tem de ser indutora de zerar o desmatamento. O Brasil se diferencia da maioria dos países do mundo por sua riqueza em biodiversidade. Somos o número um nisso. Devemos buscar uma bioeconomia que zere o desmatamento e que restaure áreas degradadas. A recuperação de um hectare de floresta, seja na Amazônia ou na Mata Atlântica retira 15 toneladas de carbono por ano da atmosfera.

Precisamos construir a bioeconomia em um modelo inovador, em que outros países tropicais possivelmente seguirão o Brasil. Em outras áreas nós copiamos do mundo, mesmo no agronegócio, onde trazemos produtos de outros países sem valorizar os produtos internos. Essa bioeconomia de floresta em pé não existe em nenhum lugar do mundo. Precisamos desenvolvê-la. Se nós não criarmos essa nova bioeconomia outros aproveitarão nossa biodiversidade.

Essa bioeconomia de floresta em pé não existe em nenhum lugar do mundo. Precisamos desenvolvê-la.

Em visita ao Ver o Peso, em Belém podemos ver milhares de produtos de toda a Amazônia, mas é uma dimensão turística e de pouco valor agregado. 150 metros depois, em um supermercado, quase nada dessa diversidade está nas gôndolas.

Um exemplo do potencial dos produtos da Amazônia é a cadeia do Assaí, que já conseguiu tirar quase 300 mil pessoas da pobreza, tem a castanha e o cacau também, mas ainda são poucos. Precisamos de mais. A Mata Atlântica também é um rico manancial de espécies. No cerrado também há uma rica biodiversidade, além da caatinga, o semiárido mais rico do mundo. No tempo todos esses biomas se conectaram centenas de milhares de anos atrás e ampliaram a biodiversidade de cada local.

Inovação, ciência e tecnologia, empoderamento das populações que vivem nesses biomas são as premissas necessárias para a criação de uma nova economia baseada em biodiversidade.

Inovação, ciência e tecnologia, empoderamento das populações que vivem nesses biomas são as premissas necessárias para a criação de uma nova economia baseada em biodiversidade. Agregação de valor, industrialização, ciência moderna.

O Brasil é o terceiro país que mais forma doutores no mundo, estamos formando mais de 20 mil doutores por ano. Atrás apenas de Estados Unidos e China. 13º país em produção de artigos científicos, mas poucos são os que estão trabalhando para gerar essa bioeconomia. Precisamos criar financiamento e linhas de pesquisa nessa direção. Há necessidade de políticas públicas, mas também de um setor privado inovador. O setor econômico precisa ter coragem e não só copiar o que vem de fora.

Nos países desenvolvidos as empresas privadas são quem mais investem em ciência aplicada. No Brasil é o setor público. Precisamos desafiar o capital privado a inovar.

O Brasil tem assistido um grande desenvolvimento de startups na área financeira e de tecnologia, isso tem sido um sucesso. É preciso que se estimule o fluxo de conhecimentos e recursos para o estudo e promoção de conhecimentos e produtos que gerem valor a partir da informação genômica do país.

O papel das pequenas empresas para esse desenvolvimento é essencial. A inovação e o risco sempre ficam com as pequenas empresas.

O papel das pequenas empresas para esse desenvolvimento é essencial. A inovação e o risco sempre ficam com as pequenas empresas. As grandes apenas entram no jogo depois que está provado que dá para ganhar. São milhares de pequenas empresas e startups que vão propiciar o milagre da bioeconomia. Estimativas de fundos de venture capital mostram que apenas uma em onze iniciativas dá certo. Mas, quando dá certo, a geração de riqueza é exponencial.

Quando se junta o investimento em pesquisa e novos negócios e os doutores que estão sendo formados no Brasil há uma feliz junção de interesses. No Brasil hoje apenas 15% dos doutores vão para o setor privado, os outros mais de 80% vão para o setor público. Na Coreia do Sul o número é inverso, Há 40 anos os indicadores da economia coreana eram menores do que o Brasil no mesmo período. Hoje é uma das economias mais inovadoras do mundo!

O ecossistema de inovação não é feito apenas de acadêmicos, mas também por pessoas criativas e que têm uma veia empreendedora capaz de mobilizar os conhecimentos e os capitais necessários. O que políticas públicas devem fazer é ampliar a disponibilidade de recursos para pesquisas de conhecimento aplicado e de capitais para investimento. Isso pode ser feito com recursos públicos ou com incentivos para a aplicação de investimentos privados.

Carlos Nobre – Carlos Afonso Nobre é engenheiro formado pelo ITA e Doutor em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). O pesquisador é conhecido internacionalmente por seus estudos que relacionam a ação antrópica na Amazônia às alterações climáticas globais.

(Envolverde)