Uma cartilha recém-lançada aponta os caminhos para a regularização do comércio de produtos da agricultura familiar em Mato Grosso. O material foi produzido pelo projeto Redes Socioprodutivas, realizado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com o apoio do Fundo Amazônia.
A publicação “Agricultura Familiar: leis, obrigações e impostos” trata questões complexas, como o ICMS aplicado a produtos agroflorestais, a figura do Microempreendedor Individual e a aposentadoria rural, de forma acessível.
O material também ajuda a desfazer mitos que perduram mesmo entre contadores e representantes de órgãos fazendários. O principal deles é a interpretação de que as associações de produtores não poderiam obter a inscrição estadual e, com isso, emitir notas fiscais. Segundo a legislação, as organizações sem fins lucrativos podem exercer atividades econômicas, desde que não percam a finalidade social prevista em estatuto.
Desfazendo mitos
O assessor jurídico do projeto Redes Socioprodutivas e autor da cartilha, Felipe Cabral, acredita que esses mitos perduram pela dificuldade de acesso aos textos legais da Constituição e do Código Civil, pouco agradáveis e de difícil apreensão.
De acordo com o advogado, há um problema na compreensão do que seria a finalidade não lucrativa. A expressão não significa que não haverá dinheiro envolvido, uma vez que é impossível operar sem recursos. A finalidade lucrativa ocorre quando há a distribuição dos ganhos pelos sócios, em vez do reinvestimento em atividades para a manutenção da associação.
Esse ruído gera distorções na prática do dia a dia, criando um sistema irreal. Felipe acredita que o fardo recai sobre o ponto mais fraco: o agricultor que deseja cumprir as suas obrigações e não sabe os seus direitos. Ele sai do órgão fazendário com diversas imposições que não levam em conta as particularidades de sua realidade.
A produtora Marcely Oliveira, da Associação dos Produtores Orgânicos de Alta Floresta (Aspoaf), sentiu essa insegurança na pele quando se cadastrou como Microempreendedora Individual (MEI). Ela conta que sentiu medo de perder o direito da aposentadoria rural.
Marcely visitou uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e consultou a lei com o atendente. “Tem gente que deixa de fazer por que não sabe se está certo ou não.” Mas a produtora se sentiu empoderada depois de sanar todas as suas dúvidas durante o curso.
Demanda do campo
A ideia da cartilha surgiu a partir do mapeamento das cadeias de valor, realizado pelo Redes Socioprodutivas. Esse processo levou cerca de quatro meses e identificou desafios para o engajamento efetivo das organizações nas cadeias da castanha, do babaçu, dos hortifrutigranjeiros, do leite, do cacau e do café no Norte e Noroeste de Mato Grosso.
Uma das demandas apresentadas pelas 18 associações que participam do projeto foi o esclarecimento sobre o processo de regularização da comercialização de seus produtos. Alguns explicaram que não vendiam os alimentos porque não podiam emitir notas fiscais.
“A reação ao curso foi extremamente positiva. Muitos ficaram surpresos quando trouxe a informação de que uma associação pode e deve comercializar, inclusive gerando renda”, explica Felipe.
Para o advogado, a associação é um conjunto de pessoas que trabalham e lutam juntas para acessar direitos, como saúde e educação. “A ideia é sempre fortalecer o grupo.”
As demandas coletivas não seriam atendidas, por exemplo, com a imposição para o produtor emitir uma nota individualmente em prol da associação, para depois ter de arcar com problemas na declaração do imposto de renda.
O coordenador do projeto Redes Socioprodutivas, Eduardo Darvin, explica que as associações buscam o “bem viver” dos agricultores a partir de festas, reuniões, treinamentos, acesso a políticas públicas e insumos.
Para a regularização da venda dos produtos, os estatutos das associações devem refletir a sua função social. Nos próximos meses, esses documentos deverão ser revistos.
O projeto também pretende formar uma rede de contadores que compreendam as especificidades da agricultura familiar e possam fornecer apoio à regularização dos empreendimentos.
A cartilha é distribuída para agricultores, agências fazendárias e prefeituras de Alta Floresta, Paranaíta, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Cotriguaçu e Colniza. A presidente da Associação de Coletores de Castanha-do-Brasil do PA Juruena (ACCPAJ), Veridiana Vieira, já deixou a publicação disponível para os associados.
“Para a gente da ACCPAJ, o curso foi maravilhoso e a cartilha melhor ainda, pois ela trata de assuntos específicos com os quais as associações têm mais dificuldades.”
Veridiana elogia a linguagem do material: simplificada, direta e explicativa. Ela diz que ficou animada com o passo a passo para o cadastro de contribuintes do ICMS (imposto para a circulação de mercadorias). As orientações são apresentadas com imagens das diferentes telas do sistema da Secretaria de Estado da Fazenda de Mato Grosso (Sefaz/MT).
“A gente mesmo entra no sistema e tem clareza do que pode ou não pode, antes era muito nebuloso.”
Entre as respostas apresentadas pela cartilha, estão informações sobre impostos como o ICMS, a figura do Microempreendedor Individual e a aposentadoria rural. O assessor jurídico espera que os agricultores e a população se apropriem da publicação. “É a autonomia a partir da informação que promove a liberdade de ação”.
(Envolverde)