*Rita Nardy é bióloga e jornalista
Reinventar o modo de pensar produção, consumo e descarte, desenvolvendo um modelo circular de desenhar e consumir produtos e serviços, é a proposta da economia circular, do berço ao berço.
Tradicionalmente, um produto é pensado a partir da identificação de uma demanda de mercado. Depois de constatada uma necessidade ou desejo dos consumidores, um produto é desenhado cuidadosamente para preencher esta lacuna ou para aprimorar um nicho existente.
Cada detalhe – dos materiais, modelo de distribuição, público-alvo ao preço final – é esmiuçado para garantir o sucesso e a rentabilidade do lançamento. Muitas vezes, e cada vez mais, empresas que levam a sério a governança consideram e avaliam também os custos de energia, água, materiais, gestão de resíduos, poluentes, entre outras questões. Indicadores ambientais e sociais e não apenas econômicos são acompanhados.
Algumas vezes o interesse pela sustentabilidade é endógeno. Em outras, a pressão das leis, de pares e concorrentes ou dos consumidores é o impulso para ações mais responsáveis. De todo modo, quando se trabalha na lógica da responsabilidade social, o processo de produção busca identificar e minimizar seus impactos negativos. No entanto, como o design do produto inicialmente parte de uma estratégia de mercado como drive, basicamente, os custos e os dilemas de incorporar dimensões além da econômica no processo são constantes e crescentes ao longo da cadeia do produto (ou do serviço).
Alguns dilemas poderiam ser relacionados à própria criação do produto: como minimizar impactos de embalagens em um produto Premium? Uma embalagem leve, que minimiza impactos de emissões de gases de efeito estufa, agradaria clientes exigentes? E as cores: é possível ter uma paleta que use corantes de menor impacto? Ou tratamos a poluição gerada, ao final do processo?
Outros desafios nascem dos avanços na legislação, como o que acontece com a evolução da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Os custos de coleta, seleção e reciclagem crescentes podem ser divididos ao longo da cadeia?
Ainda: os materiais utilizados na fabricação de um determinado produto têm impacto na biodiversidade? Sendo assim, ter projetos de manejo para minimizar este impacto e investimentos feitos para apoiar ações em unidades de conservação ambiental serão suficientes?
Esses e muitos outros dilemas surgem e são resolvidos com foco na entrega do produto final, pensado e desenhado cuidadosamente para atender ao mercado. O foco está na entrega, que precisa ser garantida. O processo acompanha a lógica linear de produção.
A estratégia acima descrita parte de uma lógica industrial que tenta se adequar ao modelo sustentável de desenvolvimento, mas que, no entanto, não o tem como parte integrante. Assim, os dilemas são inerentes ao processo de criação e aplicação das ideias.
Dentro de empresas, o desafio é constante. As áreas de marketing, inovação, meio ambiente, suprimentos e sustentabilidade tentam se entender e promover um processo conjunto. Mas os conflitos persistem.
Evidentemente, é preciso lucrar para garantir a própria perenidade da empresa. Mas, cada vez mais, questões sistêmicas e reticulares demonstram a necessidade de repensar a estratégia de desenvolvimento de produtos e o próprio modelo do negócio. Os riscos do aquecimento global e o impacto das mudanças climáticas surgem como o exemplo mais dramático desse quadro.
Neste contexto, a proposta da economia circular vem sugerir uma mudança importante de foco, que poderá ajudar a reconciliar muitos dos dilemas da adoção de um modelo de sustentabilidade na produção.
Investir no desenvolvimento de novas práticas e estratégias de negócio que desafiem a lógica dos modelos consagrados, já trilhados, não é tarefa fácil em um cenário competitivo, sujeito a alterações constantes e de grandes riscos, como o que se apresenta no momento atual.
Por outro lado, apesar da busca pelo menor risco, e talvez justamente pela incerteza vivida no contexto socioambiental e econômico contemporâneo, nunca se falou e buscou tanto a inovação. Criar, adaptar-se, gerar mudanças e impactos positivos, em um mundo em transição. Este é o desafio da atualidade.
* Rita Nardy é bióloga e jornalista e faz parte da Società, empresa que atua em projetos em rede, para a sustentabilidade. É também pesquisadora no Centro de Pesquisas Internacional Atopos (ECA-USP) e conselheira independente da ponteAponte, empresa social focada no desenvolvimento de projetos colaborativos que potencializam o impacto social de seus parceiros.