Por Mario Osava, IPS –
RIO DE JANEIRO, 13 de julho de 2020 (IPS) – O transporte elétrico, ainda limitado na América Latina, apesar de seus benefícios urbanos, pode se expandir durante a recuperação econômica pós-pandemia, diz Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).
Se houver grandes investimentos na necessária reativação da economia, eles devem fazer parte de “uma transição para uma economia verde, em uma agenda para o futuro”, como alguns países europeus já decidiram, disse Maluf, que também é diretor de Brasil da empresa chinesa BYD, maior fabricante mundial de veículos 100% elétricos.
“A transição para a mobilidade elétrica movida a energia limpa está começando a gerar um interesse crescente entre os governos e também entre os cidadãos”, observa o relatório “Mobilidade elétrica 2019: status e oportunidades de colaboração regional na América Latina e no Caribe”, divulgado em espanhol em 2 de julho pela ONU Meio Ambiente.
Isso se reflete no “surgimento de diferentes grupos da sociedade civil dedicados a esse setor e compostos por entusiastas, adotantes e empreendedores”, segundo o relatório, que aponta para um impulso maior no transporte público nos 20 países estudados.
Em uma região que se urbanizou rapidamente, com 80% da população vivendo em áreas urbanas e onde o número de grandes cidades subiu, os veículos elétricos estão melhorando o meio ambiente, o transporte, a qualidade de vida e a saúde coletiva, além de abrir novas possibilidades econômicas e geração de empregos e inovações tecnológicas.
O transporte é responsável por 22% das emissões da região de poluentes climáticos de curta duração e 15% dos gases de efeito estufa, de acordo com o relatório do escritório regional da agência, também conhecido como Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A eletrificação de 100% do transporte urbano impediria 180.117 mortes de 2019 a 2050 na Cidade do México, 207.672 em Buenos Aires e 13.003 em Santiago, eliminando os gases e o material particulado emitido por veículos convencionais, estima o relatório.
A eficiência da eletricidade, muito superior à dos combustíveis fósseis nos veículos, oferece uma grande vantagem econômica a médio prazo.
O veículo elétrico é mais caro por causa da bateria, que pode custar quase metade do total de um ônibus que pode percorrer 200 quilômetros sem recarregar, disse Iêda de Oliveira, diretora executiva da Eletra, empresa de ônibus elétricos fundada em 1988 em São Bernardo do Campo, perto da metrópole brasileira de São Paulo.
A diferença de preço, ela disse à IPS por telefone, é recuperada em poucos anos devido à economia de energia e manutenção, uma vez que os motores elétricos têm menos peças e se desgastam menos.
As vantagens econômicas são acentuadas em países que, como o Chile, dependem de petróleo importado e, portanto, sofrem os efeitos de oscilações internacionais de preços e flutuações nas taxas de câmbio.
O Chile se destaca na eletrificação de seu transporte urbano. A Rede Metropolitana de Mobilidade de Santiago tinha 386 ônibus elétricos até o final de 2019. Haverá quase 800 até o final de 2020. BYD (Build Your Dreams) é o maior fornecedor de ônibus elétricos no Chile, Maluf disse à IPS por telefone de São Paulo.
Além disso, o Chile estabeleceu uma meta de eletrificar toda a sua frota de transporte público e 40% do transporte privado até 2050, como parte da Estratégia Nacional de Eletromobilidade aprovada em 2016.
A Colômbia também se destaca, com 483 ônibus elétricos em operação ou encomendados em Bogotá e outros 90 nas cidades de Cali e Medellín até o final de 2019. A meta nacional para 2030 é ter 600.000 veículos elétricos de todos os tipos, segundo o PNUMA relatório.
Costa Rica e Panamá são outros países da região que adotaram planos nacionais de mobilidade elétrica. Argentina, México e Paraguai estão elaborando suas próprias estratégias.
O Brasil, que poderia liderar esse processo mesmo como fabricante de veículos elétricos, está “atrasado” em eletrificação, disse Maluf, acrescentando que “a BYD vendeu 1045 ônibus na América Latina em 2019, apenas quatro por cento dos quais foram para o Brasil”.
“O Chile é um exemplo disso; já era um grande importador de ônibus convencionais da indústria brasileira ”, disse Oliveira, que lidera o Grupo de Veículos Pesados da ABVE, além de liderar a Eletra. “Por causa da miopia, o Brasil perdeu o mercado latino-americano para a China.
“Precisamos de uma política pública de transporte elétrico, que não seja apenas uma questão ambiental, mas também econômica, porque o Brasil pode ser um líder, dada a nossa grande frota, nossa indústria nacional de peças de reposição e nossa tecnologia nacional”, disse ela.
Objetivos claros, financiamento disponível, tributação mais favorável que leve em conta benefícios ambientais, sociais e de saúde, incentivos à produção local de baterias e expansão da infraestrutura de recarga devem fazer parte dessa política, disse Oliveira.
Depender de baterias importadas provou ser uma armadilha. De repente, eles se tornaram escandalosamente caros devido à desvalorização de 35% da moeda brasileira, o real, este ano, apontou.
Para ela, a corrida por baterias de maior capacidade não é o único caminho a seguir. Outra opção é criar mais estações de carregamento e usar baterias menores. “Expandir a infraestrutura e usar baterias menores faz mais sentido, se você puder carregá-las com mais frequência”, disse Oliveira.
Maluf afirmou que alegar que não existem estações de carregamento suficientes para argumentar contra o aumento do número de veículos elétricos no Brasil não é mais justificado. Existem pelo menos duas rotas de veículos elétricos, uma na rodovia mais movimentada do país, entre o Rio de Janeiro e São Paulo, e existem estações de carregamento espalhadas em outros lugares.
Além disso, as baterias podem ser carregadas rapidamente hoje, em meia hora e em apenas 15 minutos, 70% da capacidade pode ser alcançada, disse ele.
A falta de familiaridade com a tecnologia é o principal fator para conter a propagação da eletromobilidade, disse Maluf.
Há também resistência e pressão política de interesses arraigados no setor de transporte, como o setor automotivo tradicional, produtores de etanol, distribuidores de combustível e empresas de ônibus urbanos.
No entanto, a eletrificação está progredindo em diferentes áreas. Motocicletas, bicicletas e scooters elétricas estão crescendo rapidamente nas cidades que estão se adaptando a novas modalidades.
O transporte de carga também está gradualmente aderindo à nova tendência. A “reforma” de caminhões para substituir motores a diesel por motores elétricos é o novo negócio em expansão da Eletra.
No Brasil, veículos elétricos híbridos predominam.
O relatório da ONU sobre Meio Ambiente reconhece apenas 2045 veículos elétricos registrados no Brasil até outubro de 2019. Mas conta apenas com veículos elétricos plugáveis e exclui híbridos que funcionam com um motor de combustão interna e um motor elétrico que utiliza energia armazenada em baterias, responsáveis por mais de 90% da frota eletrificada.
As estatísticas da ABVE contam com um total de 30.092 veículos elétricos registrados de 2012 a junho de 2020. O número de veículos registrados subiu três vezes em 2019 em relação ao ano anterior, para 11.858. Os híbridos representaram 95,4% do total em 2018.
Diversidade de opções é o melhor caminho, dadas as necessidades e vantagens locais, argumentou Oliveira. Adicionar uma pequena bateria a um trólebus, por exemplo, oferece flexibilidade que reduz o custo operacional, disse ela.
Novos modelos de negócios também promovem soluções. Compartilhamento de carros, aluguel de veículos, geradores elétricos e associação de distribuidores de energia ao transporte urbano são algumas alternativas.
O modelo chileno que separa o proprietário dos ônibus dos operadores é interessante, pois atrai fundos de investimento para a compra de veículos em larga escala, a custos mais baixos e facilita soluções para conflitos, disse Maluf.
Traduzido por Ana Maria Vasconcellos, da Agência Envolverde
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