Como símbolo da inércia do poder público, destacou-se reiteradamente o naufrágio do navio Haidar, em 2015, em que morreram mais de 4 mil bois, demonstrando a absoluta falta de preparo das autoridades ambientais em enfrentar acidentes. Mesmo com o ajuizamento de ação civil pública pelo MPF, o processo ainda corre na Justiça Federal. A maior reclamação é pela falta de punição aos responsáveis e a demora na reparação dos danos às comunidades afetadas e ao meio ambiente.
Os posicionamentos das dezenas de representantes das comunidades versavam tanto sobre vazamentos industriais e a precariedade dos bairros junto às áreas industriais, como em relação à insegurança fundiária. Ficou patente a urgência de se consolidar a demarcação e registro das terras dos povos e comunidades tradicionais – territórios quilombolas, assentamentos agroextrativistas e outras modalidades fundiárias – para se superar o caos fundiário instalado. A maioria clama por um plano emergencial que efetivamente enfrente os problemas que se mostram recorrentes.
Para o procurador federal Bruno Valente, organizador do evento, este se mostrou como oportunidade para o levantamento de diferentes reclamações nas inúmeras temáticas – da poluição da água, do ar, sonora e das dificuldades nos assentamentos humanos na área de influência do polo. Comentou, ainda, a importância de discutir um licenciamento ambiental para o Distrito Industrial como um todo. Esta também é a posição da Dra. Eliane Moreira, do Ministério Público Estadual, que lembra que na maior parte dos licenciamentos ambientais não se observou a resolução No 237 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), em que o município deve atestar a viabilidade do empreendimento.
Para Manuel Amaral, do IEB, organização da sociedade civil que atua há quase uma década em Barcarena, o primeiro esforço de sua ação foi buscar organizar as demandas locais, criando um espaço público para discussão e qualificando os diferentes atores para se inserirem neste processo. Como comentou, foi constituído um “coletivo da sociedade civil que busca um caminho para o desenvolvimento; e, viu-se a necessidade de ampliar o escopo de atividade, resultando no lançamento do Fórum de Diálogo Intersetorial (FIB)”.
A maior parte dos especialistas (conservação, poluição, saúde, questão fundiária etc. – vejam o programa) exortou para a necessidade de tratar cientificamente as questões, especialmente no que se refere a monitorar os diferentes agentes potencialmente poluidores e buscar respostas para as principais questões levantadas pelas comunidades. Uma das posições unânimes posiciona-se pela urgente necessidade das políticas públicas levarem a sério o conjunto de pesquisas cientificas nas diferentes áreas. Isto é ainda mais relevante antes que se iniciem novos empreendimentos, como os novos terminais portuários para a exportação de grãos, e outras expansões previstas. Para Amaral, do IEB, uma das preocupações é que os problemas tendem a aumentar em função dos novos investimentos privados.
Diversas foram as referências ao fato de Barcarena receber, proporcionalmente, muito mais recursos que a imensa maioria dos municípios do Brasil, e ainda assim não possuir serviços públicos correspondentes, especialmente em relação a saneamento básico. Um dos caminhos para acompanhar o uso de recursos públicos, como salientou Manuel Amaral, do IEB, é por meio de um conjunto de indicadores de sustentabilidade, ao mesmo tempo que se promove maior engajamento da sociedade em acompanhar de perto a gestão pública. Em todas as especialidades abordadas, apontou-se que a maior parte dos problemas gerados resultam da falta de políticas públicas consistentes e contínuas, destacando-se a falta de sincronia entre os órgãos federais, estaduais e municipais.
Entrevistamos o Dr. Marcel Theodoor Hazeu, que pesquisa deslocamentos forçados, migração e mobilidade de trabalho relacionada às transformações sociais provocadas pela chegada da indústria e das construções dos portos. Ele afirma que, para se superar tal problemática, deve-se questionar as formas de atuação das indústrias, até o ponto de impedir a chegada de determinadas empresas, garantir os direitos sociais, e investir em um desenvolvimento que valorize a população local. Questiona, por exemplo: “investe-se muito em novos portos para exportação, mas não se investe em portos para pescadores, o que traz grandes navios, impedindo que os pescadores possam pescar. A disputa é tanto na terra, onde as pessoas as perdem tanto pra plantar quanto pra viver, como a base agrícola é de coleta, quanto na água, onde não se pode mais pescar”, explica.
A conservação da floresta
O Instituto Peabiru foi convidado a organizar um debate sobre a Conservação da Floresta, em que participaram os pesquisadores: Dra. Gracialda Ferreira (Universidade Federal Rural do Pará), Dr. Juarez Pezzuti (Universidade Federal do Pará) e Dra. Regina Oliveira (Museu Paraense Emílio Goeldi). Para estes debatedores, a situação é grave pela falta de ordenamento fundiário. O que surpreende é como um distrito industrial de tamanha importância não conte com unidades de conservação. O caos fundiário colabora, ainda, para ameaçar as poucas áreas com vegetação em razoável estado de conservação que poderiam ser transformadas nestas unidades. Assim, houve concordância da urgência de se criarem estas áreas, tanto de uso sustentável como de proteção integral e que considerem, ainda, tanto os ambientes fluviais, como os terrestres, com destaque às várzeas e as áreas insulares.
Para João Meirelles, do Instituto Peabiru, para se consolidar um programa de conservação para o Polo Industrial, envolvendo Barcarena e Abaetetuba e entorno, é preciso: 1. Elaborar um “Mapa único” com os dados dos órgãos fundiários e ambientais e do Cadastro Ambiental Rural, e apresentá-lo urgentemente em consulta pública para discussão; 2. Concluir os processos de demarcação e registro de territórios quilombolas, assentamentos e outros usos sociais de terras públicas, pondo um fim à discussão sobre a propriedade; 3. Executar o Zoneamento ecológico-econômico a nível municipal; 4. Mapear os remanescentes de vegetação nativa e de áreas aquáticas e sítios arqueológicos indicadas à proteção; 5. Instituir os Sistemas Municipais de Unidades de Conservação (SMUC); e 6. criar as unidades de conservação públicas e estimular a criação de unidades privadas, seja pelas industrias e portos, seja por proprietários rurais.
Confira aqui as apresentações de João Meirelles (Peabiru), Dra. Gracialda Ferreira (UFRA), Dra. Regina Oliveira (Goeldi) e Dr. Juarez Pezzuti (UFPA) sobre a conservação da floresta.
Ficou patente a necessidade de se realizar eventos abertos como estes nas sedes dos municípios de Barcarena e Abaetetuba, permitindo a mais cidadãos acompanharem este debate, especialmente agentes públicos locais. Quem provavelmente bem resuma o que pode contribuir a este processo é Manuel Amaral, do IEB, que propõe a imediata construção de indicadores de monitoramento da sustentabilidade, mecanismos para o maior engajamento da sociedade e, por fim, a criação de fundos sociais e comunitários, capazes de fortalecer a organização social local e mitigar e reparar danos e impactos socioambientais e econômicos.
Veja aqui a programação do evento e convite do MPF.