Economia

O senso histórico da reforma tributária

Por Marcos Woortmann, cientista político e coordenador de advocacy do Instituto Democracia e Sustentabilidade, IDS

Mudanças estruturais na economia historicamente são impostas via mercado, ou são gestadas por políticas públicas que visam atingir a eficiência econômica pelo apoio e adaptação das empresas. A inovação tecnológica busca reduzir custos e aumentar lucros, alterando então a economia. Assim tem sido a história econômica desde o início da humanidade.

Nos séculos XVIII, XIX e XX, a economia precisou adaptar-se e reconhecer os direitos sociais dos trabalhadores, como hoje temos as mudanças climáticas que impelem novas transformações. Mas o que diferencia aquela época dos tempos de hoje? Séculos atrás os operários se organizaram, e pessoas escravizadas exigiram seus direitos também nas cortes. O argumento primeiro foi a dignidade, mas o segundo foi a própria força da realidade que não podia mais ser ignorada.

É preciso nos perguntarmos quais forças e argumentos atuam para a transição rumo a uma economia verde no Brasil do século XXI. Não existem (ainda) milhares de pessoas nas ruas ou revoluções, como antes. Mas existem secas prolongadas, enchentes cada vez mais constantes, ondas de calor, racionamento de água e multidões de migrantes que fogem para as cidades.

Como hoje, algumas das maiores mudanças da história foram iniciadas por alterações climáticas de apenas 1 ou 2 graus. As cruzadas foram precedidas de anos de seca e fome no Oriente Médio, que enfraqueceram o coração do mundo islâmico. As invasões mongóis por toda Ásia e Europa foram consequência de anos de invernos muito rigorosos, em que não havia pasto para os cavalos comerem. A atual guerra civil na Síria também começou após anos de seca atípica, fora dos regimes climáticos tradicionais, e o mundo mudou por isso, todas as vezes.

O que as nossas e as futuras gerações irão testemunhar nas próximas décadas, se a história seguir esse mesmo padrão, serão mudanças em escala global. A política e a economia irão mudar com o mundo, e isso não será uma escolha. A escolha que temos como país e enquanto brasileiros é de outra natureza: se seremos protagonistas destas mudanças, ou apenas expectadores delas. Cabe ao Brasil de hoje a decisão entre mudanças impostas por crises dolorosas, ou mudanças decisivas, mas conduzidas  numa transição justa, humana, pensada e feita a muitas mãos.

A economia e a população brasileira já sentem na pele as mudanças climáticas. Apenas em MG, BA, RS, SP e RJ, desde 2014 a União já repassou a municípios, segundo dados levantados pelo IDS, um total de R$ 2.892.959.752 de reais, quase 3 bilhões de reais destinados a remediar desastres climáticos. Esse problema se repete e se agrava ano a ano, com custos crescentes em vidas e recursos escassos.

É inaceitável continuarmos a dar os recursos que deveriam ser gastos na prevenção destes desastres para indústrias poluentes que agravam ainda mais esse cenário, na forma de subsídios, investimentos públicos, subvenções e isenções tributárias. Esses recursos não podem seguir beneficiando setores poluentes da economia que agravam as mudanças climáticas, afetando o princípio de isonomia a que todos os setores da economia têm direito, mas, sobretudo, afetando diretamente os compromissos internacionais do Brasil.

Será preciso adaptar toda nossa economia, dos transportes à indústria, da produção de energia à produção de alimentos, tornando resilientes as cadeias econômicas, incentivando a inovação e prevenindo quebras de safra, escassez de alimentos e a inflação, que tão duramente atinge os mais vulneráveis. Isso deve ser feito em diálogo com a sociedade e a iniciativa privada, e apenas assim o Brasil fará valer seus compromissos constitucionais e perante a comunidade internacional.

A janela histórica em que vivemos hoje será lembrada com orgulho como aquela que o Brasil soube aproveitar e tornou-se referência no mundo, ou, de forma envergonhada, será lembrada como mais uma oportunidade perdida. Podemos auxiliar um mundo em duríssima transformação, fornecendo alimentos cultivados com tecnologias que preservam água e carbono nos solos, sem o risco altíssimo da falta dos fertilizantes e derivados de petróleo, tão vulneráveis às guerras e sanções econômicas. Podemos produzir energia limpa e incluir social e economicamente os municípios e comunidades mais vulneráveis, dedicando recursos a pequenas e médias empresas, e setores inovadores da economia verde. Esse é um futuro. A alternativa será enfrentar o custo de não havermos feito essas escolhas, colhendo mais violência e degradação das nossas instituições, e possivelmente perdendo nossa democracia, ainda mais frágil do que gostaríamos de admitir.

Nós desejamos um Brasil de paz, socialmente justo, saudável e sustentável. Sem sustentabilidade, não pode haver inclusão social, nem paz. A Reforma Tributária é o primeiro grande passo para uma transformação econômica que não seja imposta por crises dolorosas e sofrimento desigual, mas que seja gestada com razão, justiça, respeito à ciência e cuidado com as pessoas. Essa é a escolha que irá marcar a história do nosso país pelas próximas décadas.

O mundo já está mudando, como todos que acompanham as notícias internacionais podem perceber. O Brasil poderá ocupar seu lugar de destaque como potência de paz e estabilidade nesse novo mundo em transformação, e o Governo Federal e o Congresso Nacional detém as chaves disso. Nós todos iremos viver no mesmo país que será criado por essa escolha, ou pela falta dela.  (IDS)