A visibilidade corporativa sobre o conceito sustentável, é desproporcional, não correspondente, em descompasso entre o que diz estar fazendo, propagando, com o que realmente está sendo, ou não, feito. O discurso anda longe da prática. A realidade cotidiana demonstra, nos faz ver, perceber, sentir, registrar, que ações, de fato, sustentáveis, estão difíceis de se comprovar tal qual o prometido, acordado, escrito. Os ambientes se revelam desumanos, degradados, explorados, frágeis, rasos, em múltiplos e largos espaços de vidas, sucumbidas. Merecemos muito mais que isso.
O termo sustentável, desgastou-se nos discursos, palestras, peças publicitárias, propagandas, falas de governo, empresas e ONGs de grifes. Mas esse mesmo Sistema onde do discurso vazio, de forma competente e criativa, soube se apoderar do termo para surfar na onda do marketing verde, pintado de verde, que camufla o sujo, em greenwashing. Argumentos, provas, depoimentos, registros reais, estão por ai, em toda parte, revelando sujeiras. Se dizem que faz e não estão fazendo, concordo com o colega, jornalista e ambientalista, André Trigueiro, quando diz: “Temos obrigação, diante do nosso papel de jornalistas, mostrar por que não está sendo feito”.
É objetivo desse artigo, que integra o foco da pesquisa como especialista em Jornalismo Científico e Tecnológico, (Facom- UFBa- 2010 – 2013), despertar atenção sobre a forma como a mídia propaga, difunde. massivamente, informações sobre sustentabilidade, sem a devida sustentação do conceito. A pesquisa é reforçada com registros fotojornalísticos do cotidiano, depoimentos, em retratos de vida. Revela, em fotos e fatos, o caos na Saúde, Educação, Segurança, Transportes, Moradia. Encontra suas origens na corrupção, na impunidade, na letargia social, e no faz de conta que faz, sobre demandas historicamente reprimidas.
Qual o olhar de empresas/governos/educadores/cidadãos, sobre a preservação da vida, na Terra? De que maneira surge, ou não, uma consciência interna, pessoal/profissional, de que cada ato, individual, pode favorecer, ou prejudicar, a preservação de recursos naturais vitais como água, terra e ar? Em que nível de informação/formação as pessoas estão, ou querem estar, para entender que qualquer ato, aqui e ali, para limpar ou sujar, integrará um todo, limpo, ou sujo? E que, para isso, faz diferença descartar no ambiente, de forma errada, um guardanapo, uma ponta de cigarro, uma garrafinha plástica…
Assim como faz diferença também, o processo inverso, com o descarte correto, e consumo na Cultura dos Rs – Reduzir, Racionalizar, Repartir, Reinventar, Reutilizar, Recriar, Revolucionar, comportamentos, no cotidiano. Pequenos gestos, repetidos, replicados, que favorecem a prática do Ser, civilizado, cidadão, consciente. Valores que a vida está a nos exigir, para se adaptar às mudanças, de clima, por exemplo, e preservar à Vida, com inteligência, racionalidade, solidariedade, precaução, responsabilidade. De que maneira a Comunicação pode contribuir, ou não, para a prática de ações sustentáveis? Veja artigo aqui.
A Carta da Terra diz que “devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz. E, que para chegar a esse propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações”. Nesse contexto, imperativo reforçarmos o saber como instrumento de construção, impulsão, em jeito de viver, que reforce a condição humana como frágil, limitada, diante do poder da Natureza. A Ciência, célere, investiga sobre as intervenções humanas no ambiente. !
E, como a vida continua pautada no consumo, de ideias, fazeres e experiências, importante estar alerta sobre o cuidado necessário com a cadeia de suprimentos, onde fornecedores, distribuidores, varejistas e consumidor final, possam estar em harmonia, em sintonia, com as adaptações que o planeta, o ambiente, rural ou urbano, está a nos exigir, para a garantia da vida, em suas diversas formas.
Apesar do apelo ideológico, e do reforço diário do discurso da sustentabilidade, o conceito anda distante de práticas, ações, gestões, comportamentos, que levem harmonia, equilíbrio, entre o quê, como, e quanto, se produz, na cadeia das atividades econômicas. Nesse contexto, observamos como a Comunicação – jornalismo, publicidade, redes sociais, listas de discussões, grupos virtuais, blogs, sites – pode contribuir com informações, transversalizadas, contextualizadas histórico-socialmente observadas, para mostrar porque uma simples ponta de cigarro aqui, uma garrafa pet ali, uma latinha acolá, um projeto a mais alardeando-se sustentável, sem ser, fazem sim, e muita diferença, na construção de uma nova mentalidade, um novo jeito de pensar, fazer, se comportar, agir, mudar o que se mostra como necessário e urgente. Veja matéria sobre a distância entre discurso e realidade aqui.
Realidade x Discurso marqueteiro
Temos a sensação de que velocidade da máquina, do sistema, não acompanha as contrapartidas necessárias a um modelo de desenvolvimento que traduza, reflita, a garantia de direitos como condição para querer fazer, acontecer, implantar. A impunidade favorece a letargia e mascara realidades fantasiadas pela propaganda de quem diz que faz, sem fazer, de fato.
Temos uma falsa impressão sobre o que é alardeado como desenvolvimento, quando estamos nas filas de ônibus, nos corredores dos hospitais, nas cadeias superlotadas de pobres, sem direito a julgamentos. Quando analisamos índices elevados de analfabetismo funcional; quando vemos o desperdício de alimentos em larga escala, ao tempo em vemos, também, gente passando fome, catando comida no lixo. Quando, em próprio ambiente doméstico, um irmão coloca comida a mais no prato e acaba jogando fora, por gulodice, enquanto o outro irmão, que se serviu depois, ali do lado, fica sem aquela porção que foi para o latinha de lixo, ali na pia. Tudo isso, num mesmo ambiente de vida. Princípios onde o eu, prevalece ao outro.
A mobilidade é problema sério, com riscos constantes de vida. Estradas esburacadas, escuras, inseguras, em tráfego constante, com altos índices de mortes por atropelamentos, alcoolismo e um sistema de impunidade inaceitável, para crimes recorrentes.
Como aceitar que se faça parte de uma nova classe brasileira, medida não pelo valor da felicidade, da cidadania, da civilidade, da inclusão, do grau de educação/informação/conhecimento, mas pelo nome/ano do carro, tipos de eletrodoméstico que se tem em casa? Que valores são esses onde, na Educação, por exemplo, o aluno é parte da estatística de aprovação e não a comprovação do que aprendeu/absorveu na escola, para aplicar o conhecimento no desenvolvimento de papel social que tenha escolhido, para realizá-lo, com eficiência? E, nessa lógica saber que, mesmo depois de formado, terá que esperar anos, para entrar no mercado de trabalho de forma justa, decente? Como aceitar o crescimento que atropela, visivelmente, o desenvolvimento? Como entender o discurso político governamental/empresarial que mede o tipo de vida do seu povo, não pelo que ele mostra ter absorvido, entendido e aplicado, do conhecimento acessado/disponibilizado, mas pelo que parece estar a fazer de conta pertencer a um status inventado, criado em cima de valores frágeis, descartáveis, insustentáveis, perversos, criminosos mesmo, e pior, impune e forte, como que inabalável, mas visivelmente erosivo?
Em entrevista especial, o jornalista Andre Trigueiro revela olhar crítico sobre o papel de cada um na construção de um novo modelo de vida. Veja aqui.
Cadeia de produção suja
Como se orgulhar de um sistema social montado sob projetos fictícios, inoperantes, de fachadas, planejados por uma política marketeira agressiva e ávida por visibilidade, quando sabemos, comprovamos, cotidianamente, com jornalismo investigativo, sem crachá corporativo, que as informações não são exatamente o que diz e até se mostra? Porque divulgar, socializar informações cujas estruturas não dão as contrapartidas necessárias ao que diz que está sendo feito? Informações que, sem a infra necessária ao funcionamento de uma engrenagem que possa planejar o passo a passo, com alicerces profundos no enfrentamento de desafios a curto, médio e longo, prazos, comprometem a vida cotidiana presente e futura?
Como fortalecer o altruísmo, a proatividade social, de ponta à ponta, na necessária harmonia com o viver bem, se direitos mínimos, como o acesso a boas informações, não chegam a quem precisa, para transformar? O Brasil recebe críticas externas sobre a falta de infra-estrutura em setores básicos da engrenagem econômica que estar a desenhar, projetar mundo afora. São áreas de base, como formação de mão-de-obra especializada, saúde e saneamento básico, transporte público de massa, que possa aliviar uma malha viária que só aumenta a quantidade de automóveis nas ruas, já inchadas, travadas, estressadas, inseguras.
A vida foi banalizada, não há prioridade política para as mudanças em Educação e Segurança. A indignação está por ai. Veja aqui desabafo do Bispo do Rio de Janeiro.
Problemas que estão interdependentes e que por isso precisam de visão estratégica de políticas transversalizadas no fato, não no discurso. Problemas que estão relacionados, intricados a outros, como Segurança, Trabalho, Moradia Educação com o real objetivo de aprendizagem como instrumento de transformação social. Na Habitação, as cidades incham as periferias sem estruturas mínimas de saneamento, responsável por uma cadeia complexa para a garantia da saúde como sinônimo de Vida, com conforto, segurança e inteligência na hora de construir. No país das matrizes limpas, naturais, estamos ainda na contramão da história mundial, quando vemos países como Alemanha, França e Estados Unidos e outros, querendo acabar com suas usinas nucleares e nós, brasileiros, desperdiçando e acabando com matrizes limpas como água, vento, sol e tudo o que delas resultam para a produção de energia alternativas, limpas, renováveis.
Divulga-se, propaga-se em discursos, um modelo de produção agrícola que valoriza e potencializa a agricultura familiar. Na prática esse discurso é paradoxal à realidade quando vemos ações desvinculadas dos grandes créditos do agronegócio, da monocultura de commodities, que exporta tudo de bom e esquece-se da população interna, a que produz e cuida das riquezas da nossa cultura. Nas comunidades tradicionais, onde povos como quilombolas, indígenas, fundos de pasto, pequenos agricultores, cuidam da terra. Eles plantam e colhem mandioca, por exemplo, mas vendem tudo o que de bom produzem. Sufocados pela propaganda, consomem salgadinhos cheios de corantes e produtos químicos, nocivos à saúde, quando poderiam estar comendo bolos, beijus, biscoitos, mingaus, cuscuz e mais de cem tipos de iguarias feitas a partir dessa rica e diversa planta/raiz chamada mandioca.
São paradoxos que travam o desenvolvimento, em nome de um falso, e aparente, crescimento. Na série, premiada, SECA SERTÃO ADENTRO podemos constatar qual distante anda o discurso, da realidade, em foco investigativo, em campo minado , sem retaguardas .
Degradação de praias, matas, mangues, rios, mares, caatinga, cerrado revelam a insustentação das matrizes naturais. Ações criminosas, escondidas em publicidade fantasiosa. A falta de investimentos, associada a uma cultura de desperdício, mal uso, corrupção, desvios e diversos outros desmandos administrativos, mostram cenários entravados, por falta de infra-estrutura. Temos por exemplo, os cinco modais: rodoviário, aeroportuário, aquaviário, portuário e dutoviário, com problemas de ponta à ponta. O número de acidentes nas estradas, brasileiras, congestionadas, sem manutenção, revelam insegurança e tornam-se assassinas mesmo. O Brasil é um dos piores países do mundo no ranking de mortes no transito. Veja nesse link, pescado em pesquisa no google.
Descaso com a infra-estrutura
A quantidade de carros, carretas, caminhões, noite e dia, de norte a sul do Brasil, é problema que afeta a mobilidade urbana e rural e toda uma dinâmica associada, para cumprir prazos de entrega de mercadorias. O combate ao desperdício, a diminuição de gargalos logísticos que impedem o desenvolvimento sustentável no Brasil, é demanda reprimida. Há problemas constantes nos aeroportos, faltam linhas aéreas, contêineres, frequência de navios na navegação de cabotagem, vagões ferroviários, terminais marítimos, hidroviários e ferroviários, e conhecimento logístico, com gastos nos deslocamentos da produção, desperdício e perdas por danos e avarias nos transportes, além de dificuldades no uso da intermodalidade e da multimodalidade. A malha ferroviária existente ainda do século passado, com locomotivas de 25 anos a 25 km/hora, sofre das falhas no processo da privatização. Grandes obras ferroviárias estão com atrasos históricos nos cronogramas, inviabilizando sistemas mais eficientes , seguros e de baixo custo.
Com os problemas de transportes existentes, o Brasil acaba desperdiçando bilhões de reais, são acidentes nas estradas em pontos conhecidos, roubos de carga, ineficiências operacionais e energéticas. Problemas de atraso de investimentos nas obras do Metrô e VLT- Veículos Leves sobre Trilhos, intensificam um modelo perverso de mobilidade ou falta dela, nos centros urbanos congestionados, parados, estressados, violentos, gerados pela dificuldade de deslocamento das pessoas. Transporte coletivo urbano de massa, com segurança e qualidade, não foi prioridade nesse modelo econômico. O acesso o sonho de ter um carro, até antes de uma casa, transformou o veiculo no grande vilão urbano, poluidor do ar, arma de matar gente e um dos principais problemas para de saúde pública, através dos altos índices de acidentes.
Pesquisa publicada na Revista Portuária – Economia e Negócios revela, em detalhes, os problemas, em cada modal.
Falta de cuidado, com perdas provocadas pela falta de logística no escoamento da produção, da origem até a mesa, coloca o Brasil como o país que mais desperdiça, no mundo. Desconexão entre o que, e como, produz, para sustentar quem trabalha. Nesse cenário é paradoxal informações que ressaltam a sobre diminuição de pobreza, ascensão da classe C ao mercado de consumo, com crescimento da renda, expansão de fronteiras econômicas, através de commodities.
O Brasil exporta matéria prima , que depois é reintroduzida no mercado interno através da massiva comercialização de produtos chineses, por exemplo, onde a qualidade é duvidosa e tem matriz de produção com histórico de exploração de mão de obra e impacto socioambiental.
É esse modelo, que exporta soja, aço, petróleo, e importa, descartáveis, em forma de plástico, comidas artificiais, e milhares de produtos, da chamada cultura do 1,99. Seria sustentável essa prática econômica que leva o melhor, e barato, e compra o pior, e caro? Onde está o “sustentável”?Como continuar operando com um modelo onde a dignidade humana é jogada fora, todos os dias, sem planejamento e valorização dos recursos?
O impacto desse sistema é perverso, criminoso, antigo e não inteligente! Não acompanha o desenvolvimento de um parque tecnológico à disposição no mercado e enfrenta a resistência de empresários que ainda calculam mal a relação entre custos e benefícios, com visão de longo prazo e alcance social. Práticas que deveriam ser substituídas para a construção de uma Economia Circular, de matrizes limpas, harmoniosas entre o lucro, bem estar, justiça, cidadania, inclusão. Apesar de diversos diagnósticos negativos sobre os problemas gerados pela falta de investimentos e eficiência na aplicação de recursos para a infra estrutura, o Brasil ainda não investe e muito menos, fiscaliza o que é investido para o funcionamento de cadeias produtivas eficientes.
No passado, a origem foi a crise fiscal e baixo crescimento da economia. Qual a justificativa hoje? Como sétima economia e entre os 20 maiores exportadores mundiais o Brasil parece não olhar para dentro, para o seu povo. As dificuldades encontradas para o desenvolvimento sustentável estão relacionadas, travadas, a modelos de crescimento à qualquer custo. Com entraves internos que se repetem, sem solução, com burocracia excessiva, tecnologias de alto carbono e educação de faz de conta, o país de recente da má formação de mão de obra, carência de técnicos como engenheiros, médicos, professores e outros profissionais que possam inovar e agregar valor a produtos e serviços. O desafio é formação de cadeias produtivas harmoniosas, limpas, sustentáveis, de fato.
Lutas e retrocessos
O proativismo feminino social, revelado nas últimas décadas, mostra a relação direta de problemas, com o acúmulo de atividades no campo de atuação da mulher.
Responsável direta pelo provimento familiar em famílias de baixa renda, principalmente, a mulher se ressente de direitos, que já deveriam estar garantidos. Veja artigo replicado nas mídias sociais sobre avanços e retrocessos da mulher, entre o mercado e a família No link http://www.mercadoetico.com.br/arquivo/protagonismo-feminino-e-retrocessos-sociais/
* Liliana Peixinho é jornalista, ativista, pós graduada em Jornalismo Científico e Tecnológico, e em Mídia e Responsabilidade Sócio Empresarial. Fundadora da REAJA – Rede Ativista de Jornalismo Ambiental; do Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente; da RAMA-Rede de Articulação e Mobilização Ambiental; do Mídia Orgânica, e Catadora de Sonhos. Apresentou o trabalho acadêmico “PROATIVISMO JORNALISTÍCO SOCIOAMBIENTAL X DISCURSO MARKETEIRO INSUSTENTÁVEL” na Especialização em Jornalismo Científico e Tecnológico- Facom- UFBA – 2010-2013.