Por Thais Carrança , BBC News Brasil –
Sob efeito da pandemia do coronavírus, a economia brasileira encolheu 4,1% em 2020, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (3/3).
O recuo interrompe sequência de três anos de baixo crescimento registrada entre 2017 e 2019. No ano anterior à crise sanitária, o PIB (Produto Interno Bruto) havia avançado apenas 1,4%.
A queda do PIB no ano passado foi a maior desde 1990, quando a economia encolheu 4,4%, sob efeito do Plano Collor, que confiscou a poupança dos brasileiros numa tentativa frustrada de conter a hiperinflação.
A perda de 2020 superou os recuos de 3,5% e 3,3% registrados respectivamente em 2015 e 2016, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) e início do governo Michel Temer (MDB).
A queda só não foi pior porque a injeção de recursos pelo auxílio emergencial e outras medidas econômicas de resposta à crise evitaram que as projeções mais pessimistas se concretizassem – ao fim de junho do ano passado, os analistas chegaram a prever uma queda de 6,6% no PIB em 2020, com os mais pessimistas ousando falar em um baque de 10%.
A paralisação da atividade econômica durante parte do ano, como forma de conter a propagação do vírus, provocou a terceira maior queda já registrada pela economia brasileira em 120 anos – período para o qual existem estatísticas confiáveis.
Desde 1900, só foram registradas perdas maiores do PIB naquele 1990 de confisco da poupança e em 1981, quando a atividade econômica encolheu 4,3%, no auge da crise da dívida externa provocada em parte pelos elevados gastos da ditadura militar na década anterior com investimentos em infraestrutura.
O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos por um país em um determinado período de tempo, em geral, um trimestre ou ano.
O indicador é acompanhado de perto pelos analistas porque é um importante termômetro da saúde da economia e está relacionado com a qualidade de vida da população, já que uma atividade econômica fraca resulta em menos empregos e menor geração de renda.
Uma década mais perdida que a ‘década perdida’ de 1980
Com a queda de 4,1% do PIB no ano passado, a década que se encerra em 2020 é oficialmente a de menor crescimento médio anual em 120 anos, calcula o economista Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas)
“2020 tem uma coisa muito particular, que é uma pandemia na qual a economia foi ‘desligada'”, diz Considera. “Mas é preciso lembrar que a economia não vinha bem.”
Segundo o economista, mesmo sem contar 2020, entre 2011 e 2019, a economia registrou um crescimento médio de 0,7% ao ano. Se o país tivesse crescido no ano passado os 2% que o mercado previa antes da pandemia, a década teria um avanço médio de 0,9% ao ano. Com o resultado divulgado nesta quarta pelo IBGE, o crescimento médio anual é de 0,3%.
“Ou seja, temos um desastre total em qualquer situação, com ou sem pandemia”, afirma Considera.
O coordenador do Monitor do PIB lembra que, nos anos 1980, chamados de “década perdida” pelas sucessivas crises econômicas e baixo crescimento, o avanço médio anual do PIB brasileiro foi de 1,6%. Na década de 1990, o crescimento médio ficou em 2,6%. Entre 2001 e 2010, a média anual foi de 3,7%.
“Nessa década de agora, o crescimento médio foi de 0,3% ao ano. É a pior década de todos os tempos. Não teve década igual a essa nos últimos 120 anos”, conclui.
Os 5 maiores tombos do PIB antes de 2020
Se não há década recente que se compare com esta que se encerrou em 2020, os anos de tombo no PIB são muitos na história do Brasil. Em alguns deles, foram fatores externos que causaram prejuízo à nossa economia. Em outros, o estabaco da atividade econômica se deveu primordialmente ao engenho e obra dos gestores nacionais.
Relembre as cinco maiores quedas da economia brasileira antes do ano de pandemia.
1) Plano Collor e a queda recorde de 4,4% no PIB em 1990
Neste início de 2021, veículos de imprensa reportaram uma aproximação entre o ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A notícia de que Collor estaria dando conselhos econômicos ao atual mandatário causou calafrios em quem guarda na memória o estrago provocado pelo “caçador de marajás” na economia.
É da gestão Collor a maior queda do PIB brasileiro nos últimos 120 anos: um recuo de 4,4% registrado em 1990.
“Aquele ano foi muito especial na nossa trajetória – o que não significa bom”, diz Vinícius Müller, doutor em história econômica e professor do Insper. “Havia toda uma expectativa criada, porque tínhamos o primeiro presidente eleito por voto direto desde 1960. Isso gerava um ambiente no país de alguma euforia. Mas havia um vetor contrário, que era a hiperinflação.”
O país entrou na década de 1980 com a inflação acima dos 90% ao ano. Em 1982, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) rompeu a marca simbólica do 100% ao ano e chegou aos quatro dígitos em 1989, quando o índice encerrou o ano em alta de 1.973%.
Ao longo daquela década, foram executadas ao menos três tentativas de estabilizar a inflação: os planos Cruzado (1986), Bresser (1987) e Verão (1989), que adotaram como estratégia comum o congelamento de preços. E tiveram como resultado compartilhado o fracasso.
Então Collor e sua ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, tiveram a ideia inovadora de tentar conter a inflação através do “confisco” das poupanças, contas correntes e outros ativos financeiros dos brasileiros, com objetivo de limitar os recursos em circulação na economia.
“Logo no início do ano, foi como se a economia tivesse sido desligada. Foi um baque muito forte, um choque recessivo”, lembra Claudio Considera, da FGV.
“Esse choque, por mais que tenha imediatamente gerado uma queda na inflação, foi de prazo muito curto. O que gerou um repique posterior, com a volta da inflação ainda mais forte, e uma desconfiança imensa dos agentes, com empresas, investidores e consumidores revendo todos os seus planos de gastos. Isso acabou sacrificando o início dos anos 1990”, diz Müller, do Insper.
2) Crise da dívida externa e o recuo de 4,3% do PIB em 1981
A segunda maior queda do PIB brasileiro foi em 1981, como resultado da crise da dívida externa latino-americana, que culminaria na declaração de moratória (ou calote, na linguagem popular) pelo México em 1982.
“No final dos anos 1970, o governo [do general Ernesto] Geisel dobrou a aposta dos governos militares de endividamento externo, alto investimento público em grandes obras e proteção de alguns setores e empresas”, lembra Müller.
“A partir de 1979, essa aposta no endividamento externo se mostrou muito ruim, porque, naquele ano, acontece o segundo choque do petróleo e uma mudança na política de juros dos Estados Unidos que atraiu recursos para lá”, diz o professor.
“Com isso, recursos internacionais que antes financiavam uma parte dos investimentos no Brasil acabaram secando.”
A saída de recursos dos países emergentes dificultou a rolagem da dívida pública brasileira, que se tornou maior, mais cara e de prazo mais curto. Com isso, a capacidade de pagamento do governo brasileiro passou a ser questionada. Para financiar a dívida, o governo aumentou o dinheiro em circulação, dando início ao processo hiperinflacionário que marcaria a década.
“Em 1979, a economia estava começando a ficar inflacionária. O ministro [do Planejamento, Mário Henrique] Simonsen queria fazer um processo de ajuste para evitar a inflação”, lembra Considera, da FGV. “Todo mundo foi contra, tiraram o Simonsen e colocaram [Antônio] Delfim Netto, que antes estava na Agricultura.”
Com Delfim Netto no Planejamento, a economia avançaria mais de 9% em 1980, mas boa parte desse crescimento seria perdido entre 1981 e 1983, com a crise da dívida externa.
3) Crise do governo Dilma e as quedas do PIB de 2015 e 2016
Os últimos anos do governo Dilma Rousseff, mergulhados na crise política que levaria ao impeachment da ex-presidente, têm dois lugares no topo da lista de maiores quedas do PIB brasileiro.
Em 2015, a economia encolheu 3,5% e, no ano seguinte, 3,3%.
Em conjunto, o tombo de quase 7% em dois anos supera o baque da pandemia do coronavírus.
Vinícius Müller, do Insper, lembra que essa crise teve origem em outra, a crise financeira internacional de 2008, ainda no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Lula e Dilma deram uma reposta à crise de 2008 que foi entendida à época como adequada, com medidas de estímulo à demanda, de gastos públicos e medidas protecionistas, que geraram imediatamente um alívio à recessão que vinha dos Estados Unidos”, lembra o economista.
“O problema é que essas medidas de estímulo ao consumo e proteção a alguns setores foram muito alongadas pelo governo Dilma. Isso gerou uma pressão muito grande nas contas públicas”, destaca Müller. Ao mesmo tempo, com a inflação voltando a crescer, Dilma tenta controlá-la através da intervenção em preços administrados, como energia elétrica e combustíveis.
“A combinação desses fatores gerou desequilíbrio no sistema de preços e uma desconfiança muito grande dos agentes econômicos. Some-se a isso os protestos de 2013, a deflagração da Operação Lava Jato no ano seguinte e o processo de impeachment da presidente, e isso ampliou ainda mais a desconfiança dos investidores, principalmente dos estrangeiros. Tudo isso afetou a economia”, observa o professor.
4) Queda de 3,3% em 1931, na rabeira da Grande Depressão de 1929
Ainda no “top 5” das maiores quedas do PIB brasileiro está o recuo de 3,3% registrado em 1931, um resultado direto do colapso financeiro de 1929.
“A queda de 1929 faz com que a economia mundial deixe de comprar determinados produtos do Brasil. A receita de exportação de café, por exemplo, cai fortemente e isso traz problemas para a balança de pagamentos brasileira”, lembra Considera, da FGV.
“Nossas exportações eram café, basicamente. Com menos renda das vendas externas, isso prejudicou o consumo de maneira geral.”
5) Tombo de 3,2% do PIB em 1908, no rescaldo do ‘Pânico de 1907’
Por fim, completam a lista de cinco maiores “anos perdidos” da economia brasileira o longínquo ano de 1908, quando a economia tombou 3,2%, com a chegada ao Brasil dos efeitos do pânico dos banqueiros de 1907, que também começou uma forte queda da Bolsa de Nova York.
“A crise de 1908 é parecida com a de 1931”, considera Müller, do Insper.
“O Brasil vinha, há alguns anos antes de 1908, tentando se aproximar do modelo das finanças e do comércio internacional chamado de ‘padrão-ouro’, numa tentativa de ganhar credibilidade”, lembra o professor.
“Esse esforço tinha um custo, que era um controle muito grande das contas públicas e dos gastos do governo, e o abandono de algumas medidas de incentivo à exportação de café, que eram consideradas em desacordo com os arranjos internacionais.”
“Em 1907, estávamos passando por esse processo, quando houve uma grande crise no mercado acionário nos Estados Unidos. Alguns bancos quebraram por lá, e essa crise, assim como a de 1929, resvala em países que eram compradores do nosso café, nossos credores ou quem investiam no Brasil. Com isso, teve um enxugamento muito grande da nossa venda de café e da nossa possibilidade de receber investimentos e renovar nossas dívidas.”
Para realizar esse levantamento histórico, a reportagem da BBC News Brasil utilizou a série do PIB desde 1900 disponibilizada pelo professor Nelson Barbosa, também do Ibre-FGV, disponível neste link.
Os dados de 1900 até 1946 se baseiam em uma estimativa do economista Claudio Haddad. A partir de 1947, os números são do Sistema de Contas Nacionais, incialmente calculado pela FGV e posteriormente assumido pelo IBGE, nos anos 1970.
Já os números mais recentes foram atualizados pela série histórica do PIB disponibilizada pelo Banco Central e pelo IBGE.
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