Por Washington Novaes –
Em que resultará, na prática, projeto de lei do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ) que passou pelo Senado e determina ao IBGE, já responsável pelo cálculo anual do valor do produto interno bruto (PIB) nacional, que passe a divulgar também o “PIB Verde”? No cálculo deste, diz o projeto, será “considerado o patrimônio ecológico, além de dados econômicos e sociais (Eco-Finanças, 24/4). Parecer do relator Felipe Maia (DEM-RN) diz que “o PIB não retrata a verdadeira riqueza do País”.
Na discussão decidiu-se também que o novo indicador deverá “levar em consideração o Índice de Riqueza Inclusiva” (IWR), criado pela Universidade da ONU e anunciado pela instituição já em 2012, durante a conferência Rio+20, no Rio de Janeiro, que fazia um balanço do que acontecera após a Rio-92, quando foram aprovados textos importantes, como a Agenda 21 global e a Convenção do Clima. Ao apresentar seu indicador, a universidade esclareceu que um dos principais fatores a considerar seria o uso e redução de recursos naturais em cada país. Por esse caminho, exemplificou, o PIB norte-americano entre 1990 e 2008, calculado até ali, em lugar de ter um aumento de 37%, baixaria paras 13%, com a perda de recursos naturais; a China cairia de 422% no mesmo período para 45%; o Brasil, de 31% para 18%, pelas mesmas razões.
A criação desse índice fez lembrar estudos do economista Robert Constanza e mais dez cientistas na Universidade da Califórnia, algumas décadas atrás, sobre o valor dos serviços prestados gratuitamente pela natureza – como a fertilidade do solo, a regulação do clima e do regime hidrológico, entre outros – se tivessem de ser substituídos por ações humanas. Valeriam três vezes mais que o PIB global na época, disseram. Hoje, estudo do Fundo Mundial da Natureza (WWF) estima que só os oceanos têm um valor de US$ 24 trilhões e produzem a cada ano um rendimento econômico calculado em US$ 2,5 trilhões.
E agora, como será? Há quase três anos, na Rio+20, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, já enfatizava em seu pronunciamento a “exaustão do sistema econômico e social planetário”, num mundo onde mais de 800 milhões de pessoas passavam fome e quase 40% da população vivia “abaixo da linha de pobreza” – com a agravante de que até 2050 teremos mais 2 bilhões de pessoas no mundo. Mas a proposta de transformar o Programa das Nações para o Meio Ambiente (Pnuma) em agência da ONU – como as do trabalho, da saúde, com poderes de ditar regras universais – foi rejeitada já nessa ocasião. Da mesma forma, rejeitou-se a proposta de eliminação de todos os estímulos ao uso de combustíveis fósseis.
Não faltavam estudos nem advertências. Já na Rio-92 o secretário-geral do evento, o canadense Maurice Strong, dizia: “Cada um de nós deve comportar-se como se tivesses dois passaportes, um de cidadão das nossas nações, outro de cidadão do mundo”. Porque as décadas anteriores já evidenciavam que tudo no planeta está relacionado, todos os problemas, aconteçam onde acontecerem. E se não fôssemos capazes de “mudanças radicais em nossos modos de viver”, esses novos tempos marcariam “o início do declínio da espécie humana na Terra”. Os dirigentes dos Estados Unidos e de Cuba, George H. W. Bush e Fidel Castro, a poucos passos de distância um do outro, ouviram, atentos.
A gravidade dos diagnósticos levou a um salto da consciência social no mundo. Mas não levou ainda a passos indispensáveis e mais que urgentes, como compromissos de cada país de reduzir suas emissões de poluentes que agravam as mudanças climáticas – o prazo para que o façam se esgota no fim do ano, com mais uma reunião da conferência, em Paris. O Brasil mesmo não apresentou sua nova proposta para as reduções obrigatórias por aqui. A legislação para proteger a biodiversidade no País também está no limbo. E o que se aprovou aqui há poucas semanas “fere a Convenção de Nagoya”, como advertiu o secretário-geral do Pnuma, o brasileiro professor Bráulio Dias, na hora em que a biodiversidade vai sendo perdida no País (onde estão de 15% a 20% do total planetário, uma riqueza incalculável).
Na Amazônia, dizem nossos cientistas, já devastamos 1,2 milhão de quilômetros quadrados (só no último mês de março, 58 quilômetros quadrados). Cerrado e Amazônia poderão ver desmatados mais 59 milhões de hectares até 2020, segundo o WWF (19/3). As perdas na Amazônia afetam chuvas e disponibilidade de água em outras partes do País. No Cerrado, cai velozmente a reserva subterrânea de água para o fluxo dos rios. Segundo a revista Nature publicou no início de abril, a redução do número de espécies poderá chegar a 17% se as condições adversas seguirem no modelo atual.
Nesse quadro, lembra a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU, 14/4), o mundo precisará de 60% mais de alimentos em 2050, quando hoje a escassez já afeta 40% da população mundial e afetará dois terços do total em meados do século. Como se fará se, com os métodos atuais, a agricultura já responde por 70% do uso da água no planeta? Precisaria de mais 20%. Como fazer? Inclusive no Brasil, onde a “crise da água” não se resolverá só com medidas paliativas, como tem advertido a própria ministra do Meio Ambiente (Eco 21, março de 2015). Temos de avançar rapidamente para a redução das perdas (média nacional de quase 40%) nas redes de distribuição; para maior eficiência nos sistemas de irrigação; para o reúso da água; para a punição do desperdício; para o controle do uso de água subterrânea, principalmente em poços não licenciados, que já está até provocando o rebaixamento do solo em tantas áreas.
São muitos caminhos. E cálculos do “PIB Verde”, assim como as avaliações do Índice de Riqueza, podem ajudar-nos muito a enfrentar decididamente as aflições de agora. Sem perder mais tempo. Nem fazer de conta que são apenas retóricas vazias. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde).
* Washington Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, turma de 1957, e jornalista há 53 anos.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.