Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 24/1/2017 – No contexto atual, em que oito homens concentram a mesma riqueza que a metade mais pobre da humanidade, observa-se que, em geral, as mulheres são as que estão em pior situação: seriam necessários 170 anos para receberem o mesmo salário que os homens. A população feminina, que costuma se empregar nos setores mal remunerados, sofre grande discriminação trabalhista, assume uma desproporcional carga de trabalho não remunerado, e costuma se encontrar na base da pirâmide, segundo a Oxfam Internacional, uma coalizão de 19 organizações que trabalha em 90 países.
Em seu informe Uma Economia Para 99%, apresentado no dia 16 deste mês, a Oxfam se refere a como as grandes corporações e as pessoas super-ricas avivam a atual crise de desigualdade. A coalisão entrevistou trabalhadoras de uma fábrica de roupas no Vietnã, que trabalham 12 horas por dia, seis dias na semana, e ainda assim têm de se contentar com o dólar por hora que recebem por fabricarem roupas para as grandes marcas mundiais. Mas “os gerentes-gerais dessas empresas estão entre as pessoas mais bem pagas do mundo”, destaca o documento.
“As mulheres são maioria nos empregos que são menos seguros e pagam pior, ao mesmo tempo em que assumem grande parte da responsabilidade das tarefas de cuidado não remuneradas”, explicou Anna Ratcliff, responsável de mídia e da campanha Even it Up (Acabemos com a Desigualdade Extrema) da Oxfam. “Não é um acidente: nosso atual modelo econômico depende desse fornecimento de trabalho barato ou gratuito”, ressaltou.
Ratcliff apontou à IPS que, quando são cortados os serviços públicos porque as grandes corporações e as pessoas mais ricas não pagam os impostos correspondentes, as mulheres costumam ser as mais prejudicadas. Por exemplo, quando a educação não é gratuita, é a população feminina que fica de fora. “As mulheres sofrem discriminação em suas famílias e também a institucional, pois as elites política e econômica estão dominadas por homens. As oito pessoas mais ricas são homens, bem como 89% das que são multimilionárias”, observou.
Ratcliff opinou que é necessário gerir as economias de forma que as mulheres possam ter as mesmas oportunidades que os homens. “Por exemplo, assegurando um acesso equitativo a educação, oferecendo melhores serviços de cuidados infantis, além de mais acessíveis, investindo em serviços e infraestrutura básica, e combatendo normas sociais relacionadas com o papel das mulheres na sociedade”, prosseguiu.
As camponesas estão entre os mais pobres dos pobres e, apesar de sua contribuição fundamental e de constituírem metade dos trabalhadores rurais, são as maiores vítimas da desigualdade. “Se as mulheres tivessem o mesmo acesso a recursos que os homens, haveria cerca de 150 milhões de pessoas a menos com fome no mundo”, indicou Neven Mimica, comissário de Cooperação Internacional e Desenvolvimento da União Europeia (UE), também estimando que a produção agrícola aumentaria quase um terço.
Segundo Mimica, “costuma-se dizer que educando uma mulher se educa toda uma geração. O mesmo ocorre quando as empoderamos em diferentes setores, não só mediante o acesso a conhecimento, mas também a recursos, oferecendo igualdade de oportunidade e voz”. “Entretanto, as estatísticas atuais mostram que estamos atrasados nessa área”, lamentou o representante da UE, por ocasião de uma reunião de alto nível realizada em dezembro.
A organização desse encontro ficou a cargo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Comissão Europeia, Presidência eslovaca do Conselho da UE, e contou com colaboração do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Ifad), Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da ONU Mulheres.
Além disso, segundo o comissário, “sabemos que as meninas e os meninos têm melhores perspectivas de futuro se suas mães são saudáveis, têm tranquilidade econômica e educação, em especial nos primeiros mil dias de vida”. Segundo a FAO, nos países em desenvolvimento, as mulheres representam, em média, 45% dos trabalhadores rurais, sendo 20% na América Latina e até 60% em algumas regiões da África e da Ásia. “E são muito trabalhadoras. Na África e Ásia Pacífico costumam trabalhar entre 12 e 13 horas a mais por semana do que os homens”, destaca a agência.
Em geral, elas têm menos probabilidades do que os homens de ter o controle da terra, e o solo de seus terrenos costuma ser de má qualidade: menos de 20% dos proprietários de terras são mulheres. “As camponesas geram ganhos produtivos e reinvestem até 90% de sua renda na família, dinheiro gasto em alimentação, saúde, educação e atividades geradoras de renda, o que ajuda a romper o ciclo da pobreza”, segundo a FAO.
Conseguir a igualdade de gênero e empoderar as mulheres “não é só fazer o que é correto, mas é um elemento fundamental na luta contra a extrema pobreza, a fome e a má nutrição”, afirmou o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, na reunião de alto nível. “As mulheres são o pilar de nosso trabalho na agricultura” e representam 45% da força de trabalho rural nos países em desenvolvimento, e até 60% em algumas regiões da África e Ásia, destacou Graziano. E acrescentou que os dados ressaltam a importância de as trabalhadoras rurais terem as mesmas oportunidades.
Nessa reunião de alto nível, a ministra de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Eslováquia, Gabriela Matecná, que presidiu o Conselho da UE no segundo semestre de 2016, pontuou que “a brecha de gênero custa caro à sociedade em termos de produção agrária, segurança alimentar e crescimento econômico”. E apontou que, apesar de as mulheres serem quase metade dos trabalhadores rurais, são proprietárias de menos de 20% das terras. Além disso, a população feminina representa 60% das pessoas que sofrem fome de forma crônica.
“Quando se investe em um homem, investe-se em uma pessoa. Quando se investe em uma mulher, investe-se em uma comunidade”, enfatizou o presidente do Ifad, Kanayo F. Nwanze. “Uma e outra vez vemos que a igualdade de gênero abre as portas para que comunidades inteiras reforcem a segurança alimentar e nutricional e melhorem seu bem-estar social e econômico. Empoderar as mulheres é, certamente, empoderar a humanidade”, acrescentou.
“Só com o empoderamento das camponesas poderemos destravar a força do sistema de alimentação global. É fundamental dar apoio para que criem resiliência, construam empresas mais fortes e promovam a segurança alimentar no longo prazo”, observou Denise Brown, diretora de emergências do PMA.
Por sua vez, a diretora de programa da ONU Mulheres, María Noel Vaeza, afirmou que “fechar a brecha de gênero na agricultura vai gerar múltiplos dividendos em matéria de desenvolvimento, como igualdade de gênero para as mulheres rurais, segurança alimentar e redução da pobreza, melhor gestão climática e sociedades mais pacíficas”. Envolverde/IPS
* Este é o segundo de três artigos sobre o alarmante aprofundamento da desigualdade no mundo.