Indícios são de que fenômeno deve repetir ocorrências extremas de 1982 e 1997, quando afetou não somente as características climáticas de várias regiões do planeta, mas também a economia global.
Por Zulfikar Abbany, da Deutsche Welle —
Nas últimas três décadas, as pessoas aprenderam a temer “El Niño”. Desde o evento de 1997-1998, quem nunca se defrontou com os efeitos do fenômeno meteorológico, pelo menos ouviu falar dele.
O fenômeno ocorre entre a costa oeste da América Latina e o Sudeste Asiático, mas seus efeitos podem ser sentidos em todo o mundo – atingindo Japão e a região norte do Pacífico. Várias vezes, ele levou a desastres naturais.
“Ele continua sendo uma anomalia na região equatorial, mas uma anomalia de larga escala que abrange uma parte ampla da circunferência do globo. Eventos que começam no oceano e se conectam à atmosfera são transmitidos por longas distâncias por padrões de ondas e anomalias”, explica Lydia Gates, pesquisadora do Serviço Meteorológico da Alemanha (DWD).
“El Niño” e “La Niña” são duas partes do ciclo “Oscilação Sul-El Niño”. A cada ano, acontece um ou outro. Em termos gerais, “El Niño” é caracterizado pelas temperaturas altas na superfície dos mares no Pacífico tropical, enquanto “La Niña” é caracterizada pelo frio.
Como funciona
A grosso modo, trata-se de um ciclo anual que, em alguns anos, é pouco sentido. A mudança da temperatura na superfície do mar interage com a atmosfera sobre o Oceano Pacífico e, em uma temporada extrema, verifica-se o que os cientistas chamam de “evento”.
De três a sete anos, acontece um pico: quando quantidade suficiente de água quente – em um “El Niño” – se concentra no leste do Pacífico, próximo a costa do Peru. Como um evento climático, pode-se perceber que os picos começam no final de dezembro.
“A fase madura de “El Niño” ou “La Niña” é em dezembro, janeiro e fevereiro, mas o desenvolvimento acontece antes, em março, abril ou maio. Aí você começa a observar valores anômalos de temperatura na superfície do mar no Pacífico”, diz Gates.
O evento começa no leste do Pacífico e se ramifica pelo Equador para o Oeste. Isso aconteceu de forma muito significante nos anos de 1982, 1997 e está acontecendo novamente em 2015. Alguns dizem que o evento da próxima estação deverá ser o mais forte desde 1997 e que vai durar até abril de 2016.
Gates destaca que, atualmente, existe muito calor acumulado no oceano, mas ela é cautelosa com a forma que os dados se apresentam. “Nós só podemos realmente confiar nas amostras de julho – sobre o que nós estamos observando na temperatura da superfície do mar – e neste momento esta um pouco menor do que em 1997”, diz a cientista.
“Mas considerando isto como uma condição inicial [para uma projeção de três meses], todos os modelos de [prognóstico] parecem concordar que chegará a um estado bastante elevado, como os dois maiores, em 1982 e 1997”, acrescenta Gates.
Não há uma causa única para o evento “El Niño”. É uma combinação de fatores oceânicos e atmosféricos. Por outro lado, você tem um pico anômalo na temperatura da superfície do mar no leste do Pacífico.
Esta água quente pode demorar para se acumular, uma vez que ela se desloca do Oeste. Mas, assim que acumule uma quantidade significativa, as chances de “El Niño” acontecer aumentam.
Algumas consequências
A corrente de Humbodt é fria. Em um ano normal, empurra água gelada das profundezas do Oceano Pacífico para a superfície, dando origem a um processo chamado de afloramento.
O afloramento esfria a temperatura na superfície. Este fenômeno é responsável por levar nutrientes para mais perto da superfície, permitindo que o plâncton cresça e faça as águas da costa do Peru e outros países sul-americanos férteis para atividade pesqueira.
Em um ano de “El Niño” significante, ventos alísios mais fracos causam uma queda na termoclina – quando uma camada fina de água fria se forma nas profundezas. E esta redução de temperatura reduz a efetividade do afloramento e o esfriamento da superfície do mar.
Como resultado, os bancos de pesca no leste do Pacífico são menos abundantes, os invernos são chuvosos na Califórnia, e o oeste do Pacífico é ameaçado por secas e incêndios florestais.
Efeito global
Tudo isso faria pouco sentido se não fosse a circulação atmosférica Leste-Oeste – chamada de circulação de Walker – ao longo da região do Pacífico. Os ventos alísios do leste formam parte desse movimento.
“É um ciclo no qual você tem uma região onde o ar sobe e uma região onde o ar desce novamente”, explica Gates. “Onde o ar sobe, você tem mais precipitações, e onde desce as precipitações são moderadas.”
Segundo Gates, o sistema acompanha as anomalias da temperatura da superfície do mar no Pacífico – quando a anomalia se movimenta, a atmosfera se movimenta também, mudando os eventos climáticos de um lado do Pacífico a outro. Isso acontece em uma escala extrema durante “El Niño”: portanto, é perfeitamente lógico que o fenômeno possa causar tanto incêndios como enchentes.
As anomalias vistas na Europa são pequenas em comparação com o que acontece nos trópicos. Mas, sob o ponto de vista sócio-econômico, a Europa tem de se preocupar porque “El Niño” afeta os mercados globais, a produção de alimentos e a gestão de desastres. (Carta Capital/ #Envolverde)
* Publicado originalmente pela Deutsche Welle e retirado do site Carta Capital.