Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 8/2/2017 – “Se não jogarem conosco, reduziremos ou cortaremos a assistência”, essa é a regra não escrita com que a maioria dos doadores ocidentais ameaçam as nações em desenvolvimento quando não fazem o que eles querem na Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1990, o Iêmen, então membro não permanente do Conselho de Segurança, se negou a votar a favor de uma resolução proposta pelos Estados Unidos para expulsar o Iraque do Kuwait, um golpe que ficará para sempre na memória institucional das Nações Unidas.
Quanto emitiu seu voto, o embaixador norte-americano se voltou para o do Iêmen e lhe disse a famosa frase: “Este será o não voto mais caro que jamais fará”. Quase no dia seguinte, Washington decidiu cortar cerca de US$ 70 milhões da assistência ao desenvolvimento e militar que dava ao Iêmen, então um estreito aliado. Em sua entrevista coletiva inaugural, a nova embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, ameaçou de forma implícita os Estados membros que desafiarem Washington votando contra as resoluções que propuser e provavelmente também se votarem a favor das que forem contra Israel.
“Nosso objetivo é demonstrar valor na ONU e a forma de demonstrar valor é mostrando nossa fortaleza, nossa voz, e apoiar nossos aliados, e assegurarmos que, em troca, eles nos apoiem”, afirmou Haley. “Anotaremos os nomes dos que não nos apoiam e faremos observações para uma resposta de acordo”, alertou. O editorial do jornal The New York Times, intitulado Trump insulta a diplomacia ao acaso, publicado no dia 5 deste mês, descreve os comentários de Haley como “abrasivos”.
No jargão diplomático, “anotar os nomes” é uma ameaça implícita que significa fazer uma lista negra de países que desafiam os Estados Unidos, especialmente nas votações. Quando o presidente Barack Obama desagradou o presidente eleito Donald Trump, ao rejeitar seu pedido para vetar uma resolução do Conselho de Segurança que declarava ilegais os assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados, o novo mandatário questionou a efetividade da ONU, qualificando-a de “clube onde as pessoas se reúnem para falar e passar um bom tempo”.
No dia 23 de dezembro, quando foi aprovada a resolução 2334, com 14 votos a favor e nenhum contra, graças à abstenção dos Estados Unidos, Trump lançou sua ameaça: “No que diz respeito à ONU, as coisas serão diferentes a partir de 20 de janeiro”, quando assumiria oficialmente a Presidência.
Por sua vez, Haley declarou na audiência para confirmação de seu nome no cargo perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado, em janeiro: “O que aconteceu com a resolução 2334 significa basicamente que ser aliado dos Estados Unidos não significa nada, e, se somos bons aliados e sempre os apoiamos, mais países vão querer ser nossos aliados, e os que nos desafiarem vão pensar duas vezes”.
A pressão política costuma ser feita nos bastidores da ONU ou nas capitais dos países, mas a regra poderia mudar com Trump. Tem sido comum os Estados Unidos fazerem sentir seu peso nas Nações Unidas, especialmente desde o governo de Ronald Reagan (1981-1989), ameaçando tanto adversários como aliados que não se ajustem às suas prioridades no fórum mundial, recordou Stephen Zunes, professor de política e estudos internacionais na Universidade de São Francisco.
Somente durante o governo de Obama (2009-2016), os Estados Unidos praticaram um estilo diplomático menos contencioso, apesar de ser um caso à parte em questões fundamentais como controle de armas, direito humanitário internacional e o conflito palestino-israelense, pontuou Zunes, analista político para o projeto Política Exterior em Foco, do Instituto de Estudos Políticos de Washington.
“Não há dúvida de que, tanto em termos ideológicos como em seu estilo de participação, a era Trump provavelmente seja a menos diplomática e a que mais despreze a ONU, em comparação com os governos anteriores e possivelmente com nenhum outro membro na história do Conselho de Segurança”, observou Zunes. O único ponto positivo é essa atitude fazer alguns aliados agora decidirem defender sua posição com maior firmeza, fomentando um maior pluralismo na ONU, acrescentou.
Por sua vez, Mouin Rabbani, do Instituto de Estudos Palestinos e assessor político da Al-Shabaka: a Rede de Política Palestina, concordou e disse à IPS que não é nada novo os Estados Unidos usarem seu poder para coagir tanto amigos como inimigos para marcar a linha de Washington na ONU.
Um dos primeiros exemplos dessa forma de proceder é o das Filipinas, cujo embaixador na ONU fez um apaixonado discurso em 1948 contra a Resolução 181 da Assembleia Geral, que recomendava a divisão da Palestina, mas que, depois, votou a favor de três gestões realizadas pelo então presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman (1945-1953), perante seus superiores.
“Essas táticas foram usadas de forma consistente para promover os interesses norte-americanos no fórum mundial e frequentemente também os israelenses”, recordou Rabbani. Tampouco é novo que os Estados Unidos se retirem das agências da ONU. O governo de Jimmy Carter (1977-1981), por exemplo, se retirou da Organização Internacional do Trabalho, e o de Reagan da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Há pouco, foi aprovada uma lei nos Estados Unidos que obriga o governo a cortar fundos para qualquer agência das Nações Unidas que aceitar a Palestina como membro da mesma, o que representa uma retirada, nos fatos, segundo Rabbani. Washington se retira de forma voluntária das agências da ONU que são importantes para seus interesses, a fim de servir aos de Israel e atentar contra os direitos palestinos, apontou.
“A diferença de enfoque do governo Trump é sua total vulgaridade, como reflete o discurso inaugural de Haley, no qual ameaçou anotar os nomes dos que não fizerem o que ela disse e apontá-los para represálias”, enfatizou. “Mas, para ser justo com ela, o representante do ex-presidente George W. Bush (2005-2008), John Bolton, se comportou, no geral, como um rato, e ao fim de seu mandato foi amplamente aplaudido”.
Também se teme que Trump considere seriamente se retirar totalmente da ONU. “Sem dúvida, está na lista de desejos de seu principal estrategista, Steve Bannon, mas é pouco provável que o faça”, opinou Rabbani. “Provavelmente, castigue duramente não só os Estados membros, mas também a ONU e suas agências quando não conseguir o que quer, ou o que Israel quer. Ao anunciar sua intenção de realizar grandes cortes de fundos desde o começo, sua influência provavelmente diminua”, acrescentou. Envolverde/IPS