ODS 15

Exportação de animais vivos expõe mais um lado da crueldade humana

Em 19 de fevereiro de 2020, uma notícia inusitada rodou o mundo. Na manhã daquele dia, a Cidade do Cabo, capital legislativa e cartão postal da África do Sul, foi tomada por um odor nauseante. Correu na cidade o boato de que o sistema de esgoto havia transbordado. A fonte do "Grande Fedor", como ficou conhecido o episódio, no entanto, era outra e o que ela ocultava deixou o mundo chocado.

Exportação de animais vivos expõe mais um lado da crueldade humana

O cheiro do sofrimento: incidente na África do Sul com bois embarcados no Brasil expõe a realidade da exportação de animais 

por George Sturaro, gerente de investigações da Mercy For Animals (MFA) –

O mau-cheiro exalava de um navio que havia atracado no porto da cidade para reabastecimento. A embarcação Al Kuwait transportava 19 mil bois vivos, que haviam sido embarcados no outro lado do Atlântico Sul, no porto brasileiro de Rio Grande, para serem exportados ao Iraque. Após quase nove dias de viagem, esse curral flutuante estava carregado de dejetos produzidos pelos animais.

O Conselho Nacional de Sociedades para a Prevenção da Crueldade contra Animais (NSPCA, na sigla em inglês), que adentrou à embarcação, descreveu assim a situação: “As cenas no navio eram repugnantes, com um acúmulo extremo de fezes e urina, e os animais não tinham outra opção a não ser descansar em baias com seus próprios excrementos”. Além de animais mortos, foram encontrados a bordo outros machucados e doentes, e alguns tiveram que ser eutanasiados. Um surto de conjuntivite bovina havia eclodido, porém, não havia medicamentos na embarcação para contê-lo. Tampouco havia suficiente assistência médica: apenas dois veterinários, auxiliados por quatro peões, acompanhavam os 19 mil bois.

Após quase nove dias de viagem, esse curral flutuante estava carregado de dejetos produzidos pelos animais.

Esse incidente não constituiu um caso isolado, mas um exemplo dramático de um problema sistêmico. Enquanto o “Grande Fedor” poluía o ar da Cidade do Cabo, chegou à costa israelense um navio proveniente da Irlanda com 3,3 mil bois literalmente cobertos de esterco. Muitos dos animais estavam cegos devido à exposição a níveis elevados de amônia. Na cidade portuária de Santos, no Brasil, ocorreu um episódio das dimensões do “Grande Fedor” em 2018. O embarque de 25 mil bois no navio Nada, uma operação que durou cerca de uma semana, gerou grande transtorno devido ao intenso mau cheiro que exalava dos dejetos dos animais. Uma inspeção na embarcação revelou cenas tão chocantes quanto aquelas dos recentes incidentes na África do Sul e Israel. Notícias como essas só não são mais frequentes porque os navios que transportam animais vivos realizam operações em portos localizados longe de grandes centros urbanos. Além disso, raramente organizações de proteção animal são autorizadas a vistoriar as embarcações. Aspecto definidor do transporte marítimo de animais vivos, o confinamento de animais em baias imundas dentro de navios-currais durante longos períodos afeta 2 milhões de bovinos e um número igualmente perturbador de ovinos anualmente, segundo dados da FAO.

Convencido de que não é capaz de assegurar a saúde e o bem-estar dos animais exportados vivos por mar, o governo da Nova Zelândia anunciou a proibição da atividade em 2021.

Com justificativas semelhantes, os governos de Luxemburgo e Alemanha anunciaram em 2022 a proibição da exportação de animais vivos para fora da União Europeia. A próxima proibição deve vir do Reino Unido, onde um projeto de lei tramita favoravelmente na Câmara dos Lordes. Austrália e Irlanda restringem as operações durante os meses de verão no hemisfério Norte a fim de evitar uma das principais causas de sofrimento e morte de animais: o estresse térmico. Em contraste, na América do Sul, região de origem de cerca de 45% dos bovinos exportados vivos por via marítima, não há nenhum avanço legal comparável.

Esse cenário pode mudar em breve. Do Brasil, o maior dentre os exportadores de animais vivos do subcontinente, vêm notícias animadoras. Em 2023, um juiz de primeira instância proferiu sentença determinando o fim das exportações de animais vivos no país, argumentando que tal atividade é incompatível com nosso atual estágio civilizatório, além de violar preceitos constitucionais. Embora não possua efeitos imediatos, a sentença constitui uma grande vitória. Na frente legislativa federal, há uma articulação para a aprovação de um projeto de lei que visa proibir a exportação de animais vivos em todo o território nacional. Para impulsionar a iniciativa, a Mercy For Animals lançou a campanha Exportação Vergonha, que visa conscientizar e mobilizar a população. Como resultado, já angariou mais de meio milhão de assinaturas em uma petição pelo fim da exportação de animais vivos. (Mercy For Animals (MFA)

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