Dos US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos aos países em desenvolvimento, até agora haveria sinalização de US$ 75 bilhões, numa perspectiva considerada otimista. Reunião do Banco Mundial e FMI em Lima, Peru, aponta a necessidade de lutar contra a evasão fiscal e parar de subsidiar atividades que contribuem para o aquecimento global.
Os fundos comprometidos no combate às mudanças climáticas ainda não atingem os US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos aos países em desenvolvimento para o acordo que deverá ser fechado na Conferência do Clima de Paris, em dezembro. Mas, para resolver a equação do financiamento climático, tão urgente quanto é a necessidade de lutar contra a evasão fiscal e parar de financiar as atividades que contribuem para o aquecimento global. Essa foi a principal conclusão da reunião anual do Banco Mundial com Fundo Monetário Internacional (FMI), no último fim de semana (9 a 11/10), em Lima, Peru. O evento foi coordenado pelos governos peruano e francês, encarregados de organizar as Conferências do Clima de 2014 e 2015, respectivamente.
A reunião contou com ministros da economia e diretores de bancos centrais dos 188 países membros do Banco Mundial – do qual o Brasil detém 2,24% das ações. A delegação brasileira foi encabeçada pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy.
No encontro, foram firmados novos compromissos para o clima da parte dos bancos multilaterais de desenvolvimento. O Banco Mundial pretende aumentar seus financiamentos diretos para ações de enfrentamento às mudanças climáticas dos atuais US$ 10,3 bilhões para US$ 16 bilhões anuais, até 2020, e aumentar em ainda US$ 13 bilhões anuais seu cofinanciamento para projetos relacionados ao clima, totalizando um crescimento de US$ 29 bilhões.
“À medida que nos aproximamos de Paris, os países identificaram trilhões de dólares de necessidades relacionadas com o clima. O Banco [Mundial], com o apoio dos nossos membros, irá responder de forma ambiciosa a esse grande desafio” declarou o diretor do Banco Mundial Jim Yong Kim (saiba mais).
Outros bancos multilaterais de desenvolvimento anunciaram novos recursos. Por exemplo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pretende expandir de 14% para 30% seu financiamento de projetos de enfrentamento às mudanças climáticas.
Nas últimas semanas, diversos países divulgaram compromissos de financiamento. O Reino Unido, a França e a Alemanha comprometeram-se em dobrar a ajuda climática bilateral para 2020 para os países em desenvolvimento. A China lançou um compromisso oferecendo US$ 3,1 bilhões dentro da cooperação sul-sul para os países em desenvolvimento – mais do que a contribuição norte-americana ao Fundo Verde do Clima (veja aqui). Espera-se que os anúncios sejam seguidos de outros nas próximas semanas.
“São gestos positivos, mas ainda insuficientes. Existe um consenso de que é importante chegar a Paris com um ambiente otimista. A questão dos recursos tem sido uma obsessão dos governos peruano e francês para avançar no processo de negociação até Paris. Tem muito trabalho atrás disso”, comentou, em entrevista ao ISA, o mexicano Santiago Lorenzo, responsável de Finanças Verdes da Iniciativa Global de Clima e Energia da WWF que participou da reunião de Lima.
No caminho dos US$ 100 bilhões
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em colaboração com a Climate Policy Initiative (CPI) lançou um relatório, pouco antes da reunião de Lima, mostrando que, em 2014, houve um financiamento de US$ 62 bilhões de países desenvolvidos para países em desenvolvimento relacionado às mudanças climáticas. Desse total, 70% vieram de fontes públicas – bilaterais e multilaterais – e 30%, de fontes privadas. Isso significa um aumento de quase US$ 10 bilhões em relação ao total de 2013 (leia mais).
Os compromissos realizados pelo Banco Mundial e os Bancos de Desenvolvimento Multilaterais, mais os da França, Reino Unido e Alemanha, aumentariam esse financiamento até atingir os US$ 75 bilhões, em 2020, somando a ajuda bilateral dos governos e multilateral dos bancos e fundos, segundo Tim Gore, da Oxfam. O valor ainda está abaixo dos US$ 100 bilhões prometidos pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento para a luta contra a mudança climática em Copenhague, em 2009 (veja gráfico abaixo) (leia mais).
Mesmo que paire a suspeita desde as ONGs de que esses números sejam muito otimistas, o indicador positivo é a constatação de uma tendência crescente do financiamento climático, analisa Santiago Lorenzo.
O presidente da França, François Hollande, já havia mencionado, em setembro, na Assembleia Geral da ONU, que um dos principais elementos para avaliar o sucesso do acordo que deverá ser fechado na Conferência do Clima de Paris, em dezembro, seria “o comprometimento no financiamento dos países mais pobres e em desenvolvimento tal e como foi anunciado em Copenhague [de US$ 100 bilhões]”.
Dinheiro para o clima nos paraísos fiscais
Em Lima, foi ratificada uma iniciativa da OCDE no marco do G 20 para evitar a evasão fiscal. A iniciativa chamada de Erosão da Base e Transferência de Benefícios (BEPS, nas sigla em inglês) mostra que até 10% da arrecadação mundial de impostos sofre evasão fiscal, o que envolve entre US$ 100 e US$ 240 bilhões. “As multinacionais não pagam impostos onde operam e deslocam lucros por meio de paraísos fiscais, isso precisa ser resolvido para termos um plano real que ponha fim à sangria fiscal que penaliza os países pobres”, comentou Winnie Byanyima diretora executiva da OXFAM.
Enquanto acontecia a reunião de Lima, em Paris jovens ativistas da organização Amigos da Terra realizavam ações pacíficas contra os bancos envolvidos na evasão fiscal e lavagem de dinheiro nos paraísos fiscais.
“Existe dinheiro para o clima. Ele está nos paraísos fiscais” afirmou Gabriel Mazzolini, da ONG Amigos da Terra em Paris. A organização está confiscando de maneira pacífica até a COP de Paris cadeiras de sucursais de bancos que tenham casos de fraude fiscal e de evasão de dinheiro nos paraísos fiscais. As cadeiras serão custodiadas por personalidades globais como Susan George ou Patrick Viveret e serão devolvidas quando os bancos devolvam os recursos aos cidadãos. Em escândalo divulgado no começo do ano, o HSBC teria fraudado US$ 180 bilhões, lembra Mazzolini. (veja abaixo o vídeo da ação em Paris).
A procura de recursos para o clima terá de lidar com as assimetrias do sistema econômico mundial. Ninguém menos que Christine Lagarde, diretora do FMI, fez um chamado em Lima aos ministros das Finanças para o combate à desigualdade. A América Latina é a região mais desigual do mundo, onde 1% do segmento mais rico da população detém 41% da riqueza, lembrou Lagarde.
Subsídios às energias fósseis
O FMI e o Banco Mundial fizeram um chamado em Lima para o avanço nas duas medidas econômicas mais importantes para realizar a transição à uma economia de baixo carbono no longo prazo: reduzir os subsídios nas energias fósseis e incrementar o preço do carbono. Já as ONGs demandaram que estas medidas se implementassem levando em conta seu impacto sobre os mais pobres.
Segundo a OCDE, anualmente são destinados em todo mundo US$ 200 bilhões para subsidiar o uso das energias fósseis, ou seja, o dobro do valor prometido para o combate às mudanças climáticas (saiba mais).
Segundo a Bank Track Initiative, existe uma responsabilidade dos bancos privados na indústria do carvão, que é o setor que mais emissões de gás de efeito estufa gera: 8 gigatoneladas anuais de CO2 . Entre 2005 e 2014, US$ 500 bilhões foram investidos em carvão no mundo. A produção mundial do setor cresceu 69% desde 2000. Por isso, a iniciativa solicita assinaturas de cidadãos para realizar um chamado aos bancos para que realizem compromissos de retirar investimentos do carvão antes da COP-21 de Paris (assine).
“Aqueles atores que estão deixando os combustíveis fósseis estão tendo maiores lucros econômicos”, afirmou Anthony Hobley, da Carbon Tracker. “Hoje os valores das empresas petrolíferas estão em queda. O movimento de desinvestimento nos mostra que o mundo está mudando”, comenta ele, em entrevista para Skynews (leia mais).
Entenda mais sobre finanças e clima aqui e aqui.
* Por Carlos García Paret e Juliana Splendore, especial para o ISA de Paris.
** Publicado originalmente no site ISA.