Por Orlando Milesi e Mario Osava, da IPS –
Santiago, Chile, e Rio de Janeiro, Brasil, 13/2/2017 – Primeiro a partir do Brasil, e depois, da América Latina. Então se expandiu pelo mundo um modelo de luta contra a fome e a má nutrição com alcance global e êxitos dentro e fora da região, segundo um elogio feito ao seu grande promotor, José Graziano da Silva, hoje diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Graziano é um dos Latino-Americanos Globais 2016, aqueles que têm uma influência em nível mundial, em uma lista elaborada pela edição internacional da revista América Economia, na qual também estão o papa Francisco, o empresário Carlos Slim, o escritor Mario Vargas Llosa, a promotora de microcrédito María Otero, o restaurador Gastón Acuario, o jornalista Jorge Ramos, e o poeta Rafael Cadenas.
“Trata-se de alguém que é um dos mais constantes e perseverantes no tema da segurança alimentar, desenvolveu todo o tema da vida rural e por isso o relacionamos”, afirmou à IPS o diretor de meios digitais da publicação, Lino Solís de Ovando. A América Economia, cuja edição internacional é editada em Santiago e tem oito edições nacionais ou sub-regionais, além de uma grande plataforma digital, busca com esta “medição inédita” confeccionar “a lista de 25 homens e mulheres mais influentes”, explicou.
Ovando acrescentou que nem todos estão necessariamente “na primeira fileira do teatro”, mas todos eles são “os que realmente geram mudanças” globais a partir de suas atividades. Graziano – diretor-geral da FAO desde 2012, onde permanecerá até 2019, depois de ser reeleito para um segundo mandato em 2015 – foi o impulsionador no Brasil do Programa Fome Zero, que executou parcialmente, mas que traçou um novo modelo mundial.
“Os reconhecimentos às pessoas são reconhecimentos de suas ideias e das causas às quais dedicaram suas vidas. Nesse caso se trata de um reconhecimento do desenvolvimento rural e da luta contra a fome na América Latina e no mundo”, declarou Graziano, no dia 9 deste mês, sobre sua inclusão na lista de figuras latino-americanas com influência mundial.
Ministro especial de Segurança Alimentar (2003-2006) durante os primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), “Graziano teve um papel decisivo ao buscar estratégias de combate à fome que combinavam ações estruturais com as emergenciais”, disse à IPS Adriano Campolina, diretor executivo da Action Aid International, organização humanitária com sede central em Johannesburgo, na África do Sul.
“Seus esforços se traduziram em crédito para a agricultura familiar, melhora na alimentação escolar e políticas de transferência de renda, entre outras iniciativas”, destacou Campolina. Em sua estratégia “teve a sabedoria de identificar na sociedade as alternativas eficazes e emancipadoras do combate à fome”, traduzindo-as em políticas públicas e “reconhecendo que muitas soluções estavam nas experiências de sucesso que movimentos sociais e organizações não governamentais vinham desenvolvendo”, ressaltou.
Coube a Graziano colocar em marcha “o mais importante programa do governo de Lula, o Fome Zero, que teve plena aceitação em todos os segmentos da sociedade brasileira, inclusive dos que se opunham ao Partido dos Trabalhadores”, recordou à IPS Frei Betto, que ajudou a desenhar e impulsionar o programa, como assessor especial da Presidência.
“O Fome Zero compreendia mais de 60 programas complementares, incluindo reforma agrária, sindicalização, agricultura familiar, captação de recursos hídricos e outros”, com um caráter “emancipador”, contou Frei Betto. A administração caberia “à sociedade civil organizada em Comitês Gestores, que foram implantados em mais de 2.500 municípios, metade do total existente no Brasil, durante a gestão de Graziano”, acrescentou este escritor católico e assessor de movimentos sociais.
Mas, em 2004, o governo decidiu concentrar os esforços na transferência de renda, com o Bolsa Família, “de caráter compensatório”. Isso levou Frei Betto a deixar o cargo, enquanto Graziano permaneceu como assessor do presidente até ser designado, em 2006, como representante regional da FAO para a América Latina e o Caribe.
“A substituição do Fome Zero pelo Bolsa Família”, de subsídios diretos, se deveu a pressões de prefeituras que desejavam controlar o cadastro de beneficiários para fins eleitoreiros, apontou Frei Betto. “Felizmente, Graziano foi reconhecido internacionalmente, eleito e reeleito para dirigir a FAO, levando a outros países a proposta e a experiência do Fome Zero”, ressaltou.
“Na FAO, Graziano teve a coragem política de reconhecer o papel primordial da agricultura familiar e camponesa, das mulheres agricultoras, da agroecologia e da agricultura sustentável na erradicação da fome”, pontuou Campolina. Valorizar essas correntes em lugar de priorizar a agricultura de latifúndios e transnacionais que abusam de agrotóxicos, constitui “a mudança de modelo que permite combater as causas estruturais da fome”, acrescentou.
Para o diretor da Action Aid International, “a liderança de Graziano fortaleceu a luta pelo acesso a terra e a território, pela sustentabilidade e pelo fortalecimento dos agricultores e agricultoras familiares, que produzem 80% dos alimentos no mundo”. Francisco Menezes, economista e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, do Brasil, destacou que um legado de Graziano é ter conseguido que no país, na América Latina e no mundo, a “prioridade passou a ser a segurança alimentar como objetivo”.
O próprio Graziano se mostrou esperançoso na V Cúpula da Comunidade de Estados Caribenhos e Latino-Americanos (Celac), realizada em janeiro, quanto a que “América Latina e Caribe poderiam ser a primeira região em desenvolvimento a erradicar completamente a fome”. Para isso, destacou que é necessário que seus governos reforcem a implantação do Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome, elaborado pela Celac com apoio da FAO, e que tem por meta acabar com o problema na região até 2025.
Ovando também ressaltou como positivo na gestão de Graziano na FAO o fato de ter focado no tema da obesidade e do sobrepeso, que já afetam 360 milhões de pessoas na região, segundo um estudo dessa agência da ONU apresentado no mês passado. Em seu ranking Latino-Americanos Globais 2016, a América Economia também destaca o trabalho do diretor-geral da FAO na promoção da cooperação Sul-Sul, com o intercâmbio de soluções e experiências entre os países das diferentes regiões do Sul Global, em busca da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável. Envolverde/IPS