Política Pública

Gâmbia declara que não sairá do TPI

Por Lindah Mogeni, da IPS – 

Nações Unidas 19/12/2016 – É possível que o Tribunal Penal Internacional (TPI) tenha um respiro depois do anúncio da saída de vários países africanos, a julgar pela declaração do presidente eleito de Gâmbia, Adama Barrow, de que não será necessário seu país abandonar o Tribunal. Gâmbia, junto com Burundi e África do Sul, anunciaram sua saída do TPI, depois dos rumores de que Namíbia e Quênia fariam o mesmo. É possível que a situação dos direitos humanos em Gâmbia, durante os 22 anos de governo do presidente Yahya Jammeh, tenha colocado o país na mira da corte.

Na época, o argumento para abandoná-lo foi que o TPI tinha preconceitos institucionalizados contra os negros, especialmente os africanos. Além disso, a intenção de se retirar seguiu uma série de reclamações por parte de Gâmbia para que a União Europeia assumisse sua responsabilidade pela morte de milhares de migrantes africanos que tentavam chegar às suas costas. Porém, Barrow elogiou o TPI por defender a boa governança, algo que ele aspira para Gâmbia.

Na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o chanceler de Burundi, Alain Nyamitwe, alegou que “razões com fins políticos levaram o TPI a atuar nos casos africanos”. De fato, o Tribunal anunciou em abril seu plano de lançar uma investigação sobre várias violações de direitos humanos relacionadas com as próximas eleições em Burundi, com o argumento de inconstitucionalidade utilizado pelo presidente Pierre Nkurunziza para permanecer no poder por outro mandato.

A gambiana Fatou Bensouda é promotora do Tribunal Penal Internacional. Foto: Manuel Elias/ONU

 

O anúncio de que a África do Sul se retiraria do TPI foi considerado um golpe particular, pois é um dos membros fundadores e um de seus maiores partidários. A saída aconteceu depois que esse país se negou a deter o presidente sudanês, Omar Al Bashir, a pedido do TPI, quando visitou essa nação para participar da cúpula da União África (UA), em 2015. Isso levou o TPI a acusar o governo sul-africano de não cumprir os procedimentos de cooperação, o que, posteriormente, fraturou sua relação.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse ao Conselho de Segurança que as saídas do TPI poderiam passar “uma mensagem equivocada sobre o compromisso desses países com a justiça”. Alguns membros da UA chamam o caso de êxodo do TPI, desde que começaram as tensões em 2009, quando o Tribunal lançou a ordem de prisão contra Al Bashir.

Mas não existe um consenso dentro da UA para abandonar a corte. Vários países africanos, entre eles Zâmbia, Botswana, Tanzânia, Malawi, Serra Leoa, Senegal e Nigéria, se opuseram a uma saída coletiva. A percepção de que o TPI está inclinado contra a África se acentuou nos últimos anos. A criação de tribunais temporários da ONU, na década de 1980, para julgar os crimes de guerra cometidos em Ruanda e na Iugoslávia serviu como mapa do caminho para o lançamento do TPI, em julho de 2002.

O principal objetivo dessa corte foi funcionar como um tribunal internacional permanente para investigar e processar os responsáveis por genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. A África constitui a maior agrupação regional de países que integram o TPI, com 34 ratificações do Estatuto de Roma, que criou o TPI. Desde sua criação, há 14 anos, nove em cada dez casos ativos são contra cidadãos de países africanos. Entre eles, República Centro-Africana, Mali, Costa do Marfim, Líbia, Quênia, Sudão, Uganda, e República Democrática do Congo.

Essa é a principal razão pela qual se acusa o TPI de praticar uma justiça seletiva. Há três formas pelas quais o Tribunal inicia processos. Primeiro, a solicitação individual de países envolvidos, como ocorreu com Uganda, República Democrática do Congo e República Centro-Africana. A outra forma é por meio de intervenções de ofício do promotor-chefe, como nos casos de Quênia e Costa do Marfim. E por fim, por uma derivação do Conselho de Segurança da ONU, como aconteceu com Sudão e Líbia, que não pertencem ao TPI. Evidentemente, o TPI atuou de ofício só em dois casos africanos.

Os outros foram derivações dos próprios países do Conselho de Segurança. Apesar de haver casos derivados pelos próprios Estados envolvidos, “preocupa que o Tribunal pareça apontar contra a África por conveniência política”, apontou o máximo responsável da justiça da África do Sul, Mogoeng Mogoeng, em discurso na Conferência de Ajuda Legal à África, em 2014. “A realidade é que ocorreram graves violações de direitos humanos e continuam acontecendo fora das fronteiras da África, e, mesmo assim, questionam os críticos do TPI, não parece haver tanto entusiasmo ali para atender as atrocidades que não as cometidas no continente africano”, opinou.

A gambiana Fatou Bensouda, promotora do Tribunal, explicou em um Fórum Aberto, realizado em 2012, que, “com todo respeito, o que mais me ofende quando ouço as críticas sobre a inclinação africana é a rapidez com que nos concentramos nas palavras e na propaganda de umas poucas figuras poderosas e influentes e nos esqueçamos das milhões de pessoas anônimas que sofreram os crimes”.

A maior ofensa para as vítimas de crimes de guerra e crimes contra a humanidade é “ver essas figuras poderosas e responsáveis por seu sofrimento se fazendo de vítimas de um tribunal ‘pró-ocidental’ e ‘antiafricano’. O TPI foi criado como escudo para os indefesos, não como um clube para os poderosos”, destacou Bensouda. A universalidade e a igualdade perante a lei é um dos ideais centrais do TPI. Mas três membros permanentes do Conselho de Segurança, China, Estados Unidos e Rússia, não fazem parte dele.

Isso aviva a sensação de não ser um tribunal imparcial e, principalmente, ser “uma corte do terceiro mundo”, pontuou Bensouda. Em janeiro deste ano, esta promotora lançou a primeira investigação formal do TPI fora da África, na Geórgia, por crimes de guerra cometidos durante a guerra que manteve com a Rússia em 2008.

Atualmente, o Tribunal analisa um caso do Gabão, derivado por seu governo, bem como outros fora da África, como na Colômbia, Palestina, Afeganistão, além de denúncias de crimes de guerra no Iraque por soldados britânicos, e de separatistas ucranianos e de forças russas na Ucrânia. “Abandonar o TPI não é a solução, devemos trabalhar para melhorar o tribunal”, disse o chanceler de Botswana, Pelomoni Venson-Moitoi. Envolverde/IPS